Clamava, desesperado, o pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) quando era atingido pelas crises de enxaqueca, só traduzíveis pela rima seca, pelos versos quebrados, pelo rigor com a palavra escrita: “O mais prático dos sóis, o sol de um comprimido de aspirina”. Nove em cada dez pessoas têm algum tipo de cefaleia. Há 150 modalidades da doença, mas nenhuma é mais sofrida que a enxaqueca, que acomete cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo. Em 2018, a FDA, a agência americana que regula medicamentos, aprovou o uso de um sol como o que imaginava João Cabral. Trata-se do erenumabe, a molécula apta a prevenir o surgimento das dores. Pertence à família das drogas mais modernas, os chamados anticorpos monoclonais. O erenumabe age na borda da meninge, membrana localizada na superfície do cérebro.
O composto desliga uma substância química cerebral, o CGRP, liberada pelo nervo trigêmeo, estrutura que se estende por quase toda a cabeça. Em pessoas saudáveis, o CGRP participa das funções vasodilatadora e inflamatória, necessárias ao bom funcionamento do corpo todo. Em pessoas com enxaqueca, o CGRP aparece em quantidades abundantes, deflagrando a dor. O pulo do gato foi a recriação em laboratório, sinteticamente, de um anticorpo similar ao do sistema imunológico que bloqueia a ação da substância química inflamatória responsável por desencadear o sofrimento. O novo remédio é indicado tanto para a enxaqueca crônica — quando a dor persiste ao longo de pelo menos quinze dias — quanto para a episódica. O erenumabe previne ou reduz as dores pela metade em 50% dos doentes. É uma janela — ensolarada — de esperança.
Publicado em VEJA de 26 de dezembro de 2018, edição nº 2614