Para os homens, foi sempre tudo mais fácil. Em 1998, o lançamento do Viagra, o poderoso remédio contra a impotência, foi descrito nas páginas de VEJA da seguinte maneira: “O único quesito para uma deliciosa noite de sexo passa a ser o desejo pela mulher amada. Tão bom quanto nos tempos de Adão. A maçã, agora, é uma drageazinha azul, com a forma de um losango, a ser ingerida junto com um gole d’água uma hora antes do ato sexual”. Para as mulheres, foi sempre tudo mais difícil. A pílula anticoncepcional, no fim dos anos 60, representou um passo revolucionário, o direito ao prazer sem o risco de gravidez — mas o passo seguinte, algo que incrementasse a libido, como o Viagra faz com a ereção masculina, demorou a ser dado, e ainda hoje é claudicante. Há duas semanas, a agência americana de controle dos medicamentos, a FDA, aprovou uma droga injetável, de nome comercial Vyleesi, que potencializa a oferta de dopamina no cérebro, neurotransmissor associado à sensação de bemestar. Em 2015, deu-se a aprovação de outra droga, em formato de comprimido, o Addyi. Ambas provocam efeitos colaterais muito chatos, como náusea, vômito e dor de cabeça — e a nenhuma das duas, definitivamente, cabe o apelido de “viagra feminino”, que rapidamente viralizou, por ser bom e de rápida compreensão.
Mas, afinal de contas, por que a medicina não consegue produzir um “viagra feminino”? Convém ressaltar, logo de saída, que existe ainda um imenso tabu quando se trata de incentivar sinteticamente o desejo da mulher — tabu que, entre os homens, foi permanente motivo de piada. Ainda que fosse vencida essa barreira comportamental — e é bom lembrar que macho algum foi às ruas, em manifestações, para celebrar o Viagra, como fizeram elas há cinco décadas, no amanhecer da pílula —, mesmo assim haveria outro obstáculo, por ora intransponível: a química do corpo humano. A aprovação de um novo medicamento para reacender a libido alimenta o interminável mas necessário debate: qual o papel das drogas em algo tão complexo e indizível quanto o desejo feminino?
Ele depende, tudo somado, de reações bioquímicas, mas também do humor, do stress cotidiano, da confiança no parceiro. O desinteresse pelo sexo é fruto também de engrenagens sobejamente mais complexas, como o uso de anticoncepcionais (que têm a redução da libido como efeito colateral), os distúrbios do sono e a menopausa. É uma imensa sinfonia, que às vezes desafina.
O Vyleesi foi aprovado para o tratamento de mulheres em uma situação específica: na pré-menopausa com transtorno do desejo sexual hipoativo, condição que afeta 10% da população feminina. A substância atua em receptores cerebrais que desempenham papéis relevantes em atividades biológicas, como a ingestão de alimentos, a pigmentação da pele e a regulação da dor. Os resultados da ação foram sutis: 25% das mulheres que participaram dos estudos relataram aumento considerável no desejo sexual, enquanto no grupo placebo o índice foi de 17%. Em seu anúncio, a FDA admitiu que o mecanismo exato pelo qual o Vyleesi melhora o desejo sexual e ameniza o sofrimento é desconhecido. E mesmo assim, apesar da nuvem de desconhecimento, a entidade deu o sim. Com o Viagra, não houve zona de sombra alguma: funciona, clara e simplesmente, segundo a lógica da mecânica básica do desejo do homem — aumentando o fluxo sanguíneo para o pênis e dispensando qualquer ação cerebral. Diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade, da Universidade de São Paulo: “A resposta sexual da mulher é muito mais complexa e diferente da do homem. Ainda há muito que ser desvendado, e os medicamentos representam mais um pequeno avanço nesse universo”. É, enfim, somente uma peça de um fascinante quebra-cabeça. E não existe remédio que facilite o encaixe.
Publicado em VEJA de 10 de julho de 2019, edição nº 2642
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