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O HPV em cifras: Brasil teria economia bilionária com eliminação do vírus, diz estudo

Relatório avaliou impactos de combate à infecção responsável pelo câncer de colo de útero em 13 países; vacina evita doença e é ofertada pelo SUS

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 jun 2025, 19h50 - Publicado em 5 jun 2025, 14h00

Quando se fala sobre os tumores de colo do útero, os especialistas são unânimes em relembrar que a humanidade já conta com a tão sonhada vacina contra o câncer. No Brasil, o imunizante contra o papilomavírus humano, o HPV, está disponível de graça na rede pública para evitar futuros casos da doença há mais de dez anos, mas a adesão é insatisfatória. Combater o HPV é benéfico para a saúde coletiva e tem retorno econômico. E esse valor foi calculado em um robusto estudo realizado pela consultoria Asc Academics compartilhado com exclusividade com VEJA: em 13 países avaliados, incluindo o Brasil, a economia anual de custos em saúde chegaria a 9,7 bilhões de dólares, montante que poderia ser direcionado a outras condições ainda sem formas tão eficazes de prevenção.

O relatório “Carga econômica do HPV: desmascarando os benefícios da prevenção do HPV”, financiado pela farmacêutica MSD, buscou mapear países com diferentes realidades relacionadas a sistemas de saúde, situações epidemiológicas e programas de vacinação para ilustrar os impactos financeiros. Além do Brasil, China, França, Alemanha, Filipinas, México, África do Sul e Arábia Saudita tiveram os cenários avaliados.

No Brasil, a carga econômica do vírus fica na ordem de 346 milhões de dólares, cerca de 1 bilhão e 950 milhões de reais, considerando o custo vitalício total pelas doenças relacionadas ao vírus — além do câncer de colo de útero, também conhecido como câncer cervical, a infecção pode levar a tumores de orofaringe, pênis, vulva e ânus, e verrugas genitais –.

“Investir na prevenção do HPV salva vidas e reduz os custos futuros de saúde a longo prazo, economizando aos países centenas de milhões de dólares por ano e até bilhões em alguns casos se a eliminação puder ser alcançada. O relatório enfatiza que a prevenção é uma necessidade de saúde e um benefício econômico, e que a prevenção é uma medida econômica com vantagens imediatas e de longo prazo”, afirmou, em comunicado, Maarten Postma, autor do estudo e professor de Farmacoeconomia na Universidade de Groningen, nos Países Baixos.

De acordo com o documento, o país está entre os que registraram o custo mais baixo por caso, em torno de 18,5 mil dólares. No entanto, tem alta incidência da doença, com 12 casos por 100 mil habitantes, e uma grande população (211,1 milhões de habitantes).

“Independentemente das razões por trás dos custos totais ao longo da vida e dessas variações entre os países, o ônus financeiro do câncer de colo do útero, por si só, para os custos diretos de saúde, permanece substancial e não pode ser ignorado”, diz trecho do relatório. “O impacto econômico mais amplo nos sistemas de saúde, juntamente com custos sociais como perda de produtividade e morte prematura — fatores não considerados nesses cálculos — torna esse câncer um grande desafio econômico e de saúde pública que exige atenção global.”.

Ainda segundo o estudo, o Brasil tem um potencial de economizar 6 bilhões de dólares caso consiga eliminar o câncer de colo de útero até 2069.

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Por mais que a pesquisa tenha focado em dados econômicos, as consequências para a saúde foram contempladas para dar a dimensão da importância de investir cada vez mais nas campanhas de vacinação, rastreamento e tratamento. Esse tipo de câncer mata 350 mil pessoas por ano no mundo e, no Brasil, é a segunda maior causa de mortes em mulheres de até 36 anos.

A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que, até 2030, 90% das meninas até 15 anos sejam vacinadas, 70% das mulheres façam o rastreamento, 90% dos pré-cânceres sejam tratados e 90% dos cânceres invasivos estejam controlados. Com isso, será possível reduzir novos casos da doença em 42% até 2045.

Tristeza com o diagnóstico

Os exames de rotina nunca foram negligenciados por Erika Akemi Kawasaki, de 42 anos, funcionária de um pet shop no interior paulista. Ela foi casada por 15 anos e não tinha sintomas de nenhuma doença. Em 2020, ao fazer um teste Papanicolau, constatou a infecção pelo vírus e uma alteração celular pré-cancerígena no colo do útero. A cada seis meses, fazia acompanhamento e tudo corria bem. Na metade do ano passado, uma lesão foi novamente diagnosticada.

Ela conta que não sabe como foi infectada pelo vírus e chegou a pensar que tinha sido traída pelo ex-marido. “Foi fazendo os exames que descobri e toda mulher tem de fazer. Eu não tive sintoma algum e receber a notícia não foi agradável. Fiquei abalada, foi chato, triste e decepcionante. Foi logo depois que eu me separei, fui casada por quase 15 anos, e não imaginava que isso pudesse ter acontecido. Mas a médica explicou que isso pode ficar ‘guardado’ dentro da gente.”

Erika conta que a segunda vez que a lesão apareceu também trouxe um sentimento de tristeza, no entanto, está mais firme e confiante nos resultados do tratamento. Em um novo relacionamento, tem recebido apoio da namorada. “Isso fortaleceu a nossa relação. Fui sincera, expliquei que ia fazer a cauterização e que o HPV não tem cura, mas ela falou que encararíamos isso juntas. Temos mais cuidados, mas temos de aprender a conviver com isso e sermos felizes.”

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Novo teste para HPV

No ano passado, um teste mais preciso para detecção do HPV foi incorporado no Sistema Único de Saúde (SUS). A tecnologia permite o rastreamento do vírus de forma precoce, com até dez anos de antecedência, de modo que as pacientes podem receber tratamentos adequados para evitar quadros mais graves.

O exame é baseado em DNA e utiliza uma análise de biologia molecular por PCR (reação em cadeia de polimerase) para detectar, de forma automatizada, a infecção pelo vírus. O teste aponta ainda o risco de evolução para câncer em pacientes com útero.

“Este teste encontra mulheres de risco antes de se estabelecer uma lesão de risco ou câncer. Estudo brasileiro pioneiro que substituiu o Papanicolau pelo teste de HPV da Roche Diagnóstica no SUS da cidade de Indaiatuba, em São Paulo, desde 2017, demonstrou o potencial da utilização desta estratégia em alta cobertura populacional, aumentando a detecção em quatro vezes de mulheres com lesões pré-câncer”, explica Júlio César Teixeira, diretor da Oncologia do Hospital da Mulher da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Teixeira, que trabalhou no estudo, diz que o exame permitiu uma inversão no cenário de cânceres cervicais avançados, uma realidade nos diagnósticos brasileiros, para detecção em estágio microscópico, ainda assintomático e curável. É com base nesse achado que se estabeleceu a possibilidade de antecipar os diagnósticos em dez anos.

“Somente com a inversão dos estágios de câncer detectados, a utilização no pais todos irá evitar, em pouco tempo, 350 das 480 mortes mensais de mulheres brasileiras.”

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Novas estratégias no Brasil

Atingir a meta vacinal é o principal gargalo para a erradicação da doença no Brasil. A imunização foi alvo de uma forte campanha de desinformação por eventos adversos que não se comprovaram e pela falsa acusação de que a vacina estimularia o início precoce da vida sexual. Um balanço do Ministério da Saúde, com dados de 2014 a 2023, mostra que, entre as meninas, a cobertura vacinal da primeira dose é de 75% — o índice cai para 58% na segunda. Entre os meninos, as taxas são de 52% e 33%, respectivamente.

Em abril do ano passado, o Ministério da Saúde anunciou uma nova estratégia para ampliar e fortalecer a imunização a partir da indicação de dose única da vacina. Segundo nota técnica da pasta, a medida de substituição das duas aplicações do esquema em vigor até então teve como base evidências científicas atualizadas de que a população vacinada estará protegida contra o vírus.

O ministério informou, na época, que 37 países já adotaram a estratégia e que estudos realizados nos últimos dez anos na Costa Rica, Índia, Quênia e Tanzânia mostraram que a eficácia com apenas uma dose ficou entre 82,1% e 97,5%.

A principal forma de prevenir os danos causados pelo vírus é por meio da vacinação. No SUS, as doses estão disponíveis gratuitamente para crianças e adolescentes de 9 a 14 anos de idade, pacientes oncológicos, vítimas de violência sexual de 9 a 45 anos de idade e pessoas imunossuprimidas, como quem vive com HIV ou aids e transplantados de órgãos sólidos ou medula óssea.

A vacina quadrivalente oferecida na rede pública protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18, relacionados com episódios de verrugas genitais e lesões malignas. Na rede privada, uma versão nonavalente está disponível em clínicas brasileiras desde o ano passado.

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Os exames periódicos, inclusive com a nova tecnologia, também são fundamentais. “Mulheres ou pessoas com útero entre 25 e 64 anos devem realizar de testes de prevenção periódicos com exame médico e coleta de material do colouterino para testes, seja a citologia convencional (Papanicolaou) a cada três anos ou um teste de DNA-HPV a cada cada anos. Não é necessário a realização dos dois testes simultaneamente para todos os casos”, recomenda Teixeira.

arte HPV

HPV e câncer

Causado pela infecção por via sexual por tipos de HPV com potencial de desencadear células tumorais, o câncer de colo de útero é o terceiro mais comum entre mulheres. Também é o quarto tipo de tumor que mais mata pessoas com útero, principalmente as que vivem em situação de vulnerabilidade social, negras e com baixos níveis de escolaridade. Em pacientes que vivem com o HIV, a possibilidade de desenvolver tumores é até cinco vezes maior.

No Brasil, a estimativa do Instituto Nacional de Câncer (INCA) é de que 17 mil diagnósticos são feitos todos os anos e são contabilizadas, aproximadamente, 7 mil mortes.

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