Novo vírus causa primeira morte por febre hemorrágica em 20 anos no Brasil
De acordo com o Ministério da Saúde, o paciente foi infectado por um arenavírus; a doença é considerada extremamente rara e de alta letalidade
O Ministério da Saúde confirmou na segunda-feira (20) a morte de um homem por febre hemorrágica brasileira, causada por um novo tipo de arenavírus descoberto no país. O último caso da doença no Brasil foi relatado há mais de 20 anos.
A vítima é um homem de 52 anos, morador de Sorocaba que tinha passado férias em Eldorado, no Vale do Ribeira, no Sul do estado de São Paulo. Entre o início dos sintomas, em 30 de dezembro, e o óbito, em 11 de janeiro, o paciente passou por três hospitais diferentes, nos municípios de Eldorado, Pariquera-Açu e São Paulo, sendo o último o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFM USP). Não houve histórico de viagem internacional e ainda não está confirmada a origem da contaminação do paciente.
Os sintomas do paciente levavam a crer que era febre amarela: além de febril, estava com hemorragia, confusão mental e hepatite, que pode ocorrer como uma complicação da febre amarela, doença causada por um vírus transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti. Além disso, a época, virada do ano, corresponde ao período em que geralmente começam os surtos da enfermidade.
Apesar disso, exames laboratoriais para febre amarela, hepatites virais, leptospirose, dengue e zika deram negativo. Foi solicitada uma análise complementar ao Laboratório de Técnicas Especiais do Hospital Albert Einstein em São Paulo, que desenvolveu uma tecnologia capaz de identificar qualquer tipo de vírus. Para surpresa da equipe, foi identificado um arenavírus, causador da febre hemorrágica brasileira. Infecções por esse tipo de vírus, comum em roedores de áreas silvestres, não eram relatadas no país desde o final da década de 1990.
“Desenvolvemos um exame que chama viroma. Faz-se uma extração do RNA presente no soro do sangue dos pacientes. Em seguida, retiramos os RNAs humanos e ficamos só com os de vírus. Transformas o RNA em DNA, amplificamos e fazemos o sequenciamento. Usamos bioinformática para analisar a sequência encontrada e determinar o resultado, que neste caso foi bastante inesperado para todos: um arenavírus”, diz o patologista João Renato Rebello Pinho, coordenador do laboratório de técnicas especiais do Einstein, chefe da equipe que descobriu o vírus.
O resultado foi confirmado pelo Laboratório de Investigação Médica do Instituto de Medicina Tropical do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e Instituto Adolfo Lutz.
Rebello conta que o risco de contaminação por esse vírus em laboratório é tão alto que ao identifica-lo, os pesquisadores não eram mais autorizados a trabalhar com amostras do paciente. “Trabalhos com esse tipo de vírus só podem ser realizados em laboratórios com nível máximo de segurança e não temos nenhum assim no Brasil”.
Amostras dele serão encaminhadas para o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, (CDC, na sigla em inglês), um dos principais centros epidemiológicos do mundo e também um dos poucos a dispor de laboratório com nível de segurança 4, onde ficam armazenados amostras dos vírus potencialmente letais. Exemplares de Ebola, por exemplo, ficam lá.
Segundo o Ministério da Saúde, o fato já foi comunicado à Organização Mundial de Saúde e à Organização Pan-americana da Saúde (OMS/OPAS), conforme protocolos internacionais estabelecidos.
Novo vírus
A febre hemorrágica brasileira foi identificada pela primeira vez no estado de São Paulo, no início da década de 1990. A vítima, uma mulher de 25 anos, relatou ter viajado para o município de Cotia, no interior do estado, dez dias antes ao início dos sintomas. Após o óbito, foi identificado que se tratava de um novo vírus da família Arenaviridae (arenavírus), que foi denominado de vírus Sabiá, devido o nome do bairro onde a paciente provavelmente se infectou.
Depois disso, mais três casos de infecção pelo vírus Sabiá foram registrados na década de 1990. O último ocorreu em 1999 em um homem de 32 anos, residente de área rural do Espírito Santo do Pinhal, no estado de São Paulo. A diferença é que o arenavírus que contaminou o homem de Sorocaba não é o Sabiá, mas um tipo diferente.
“O vírus identificado tem 88% de similaridade de sequência ao Sabiá, mas não é exatamente igual. É um vírus novo. Acreditamos que possa ser uma variante do Sabiá, mas isso ainda está em estudo”, diz o patologista João Renato Rebello Pinho.
Febre hemorrágica brasileira
A síndrome febril hemorrágica brasileira é uma infecção causada por contaminação por um arenavírus. A transmissão ocorre por meio da inalação de partículas formadas a partir da urina, fezes e saliva de roedores infectados. “Ainda não sabemos quais são as espécies de roedores que transmitem o vírus, mas não há motivo para pânico, pois eles são oriundos de regiões silvestres. Não há transmissão em área urbana. Esses roedores entram nas casas e fazem suas necessidades. Quando as fezes e a urina secam, elas libera partículas que podem infectar pessoas que respirem esse ar contaminado.”, explica Pinho.
Pode haver transmissão de pessoa a pessoa em casos de contato muito próximo e prolongado ou em ambientes hospitalares, quando não utilizados equipamentos de proteção. Por isso, todos os familiares e pessoas que entraram em contato com a vítima estão sendo monitorados.
O período de incubação da doença varia de 7 a 21 dias. Os sintomas iniciais são febre, mal-estar, dores musculares, manchas vermelhas no corpo, dor de garganta, no estômago e atrás dos olhos, dor de cabeça, tonturas, sensibilidade à luz, constipação e sangramento de mucosas, como boca e nariz. Com a evolução da doença pode haver comprometimento neurológico, como sonolência, confusão mental, alteração de comportamento e convulsão.
O tratamento é de suporte conforme a sintomatologia do paciente. Acredita-se que a ribavirina, um antiviral utilizado no tratamento de infecções como hepatite C e febre hemorrágica provocada pelo vírus da febre do Lassa, possa ser eficaz contra outros arenavírus. Mas sua eficácia é maior quando aplicada precocemente.