Novo estudo mostra por que o alongamento é tão importante para a saúde
Pesquisa brasileira estabelece pela primeira vez a relação entre flexibilidade corporal e queda na mortalidade entre homens e mulheres
Na rotina de treino, os alongamentos são o tipo de exercício que costuma ficar em segundo plano — quando não completamente de escanteio. Com exceção de práticas como ioga e pilates, eles acabam entrando na categoria de meros figurantes, deixados de lado por quem quer focar na musculação, na bike ou na corrida. Mas vale a pena rever o tempo dedicado às atividades que trabalham a flexibilidade. Essa habilidade física não só assegura mais autonomia e menos dores e quedas com o avançar da idade como pode contribuir para um maior número de aniversários pela frente.
É o que demonstra um estudo pioneiro realizado no Brasil. Por meio da análise de vinte movimentos em sete articulações, o trabalho conduzido pelo médico Claudio Gil Araújo e sua equipe no Rio de Janeiro comprovou que a capacidade de se esticar está ligada a uma redução na taxa de mortalidade, abrindo uma nova perspectiva sobre a relevância dos exercícios em geral e, particularmente, daqueles que exigem alongamento. A investigação nacional acompanhou 3 139 homens e mulheres de 46 a 65 anos por quase treze anos e estabeleceu uma pontuação à capacidade de executar cada um dos vinte movimentos predefinidos.
Em resumo, quanto maior a nota alcançada, maior o índice de longevidade dos indivíduos monitorados. Esse escore, criado por Gil Araújo e batizado de Flexindex, apontou que homens com notas baixas tinham um risco quase duas vezes maior de morrer mais cedo. Entre as mulheres — embora 35% mais flexíveis, no geral —, o número foi mais de cinco vezes maior. Para não enviesar os achados — no cômputo final, 302 participantes do estudo vieram a óbito —, dados como estado de saúde, idade e peso foram contemplados.
Antes que se imagine que, para viver mais, é necessário abrir espacate ou encostar os dedos das mãos nos dos pés de primeira, é preciso entender que o trabalho se baseou em uma avaliação chamada Flexiteste, também desenvolvida por Gil Araújo, que é diretor de pesquisa e educação da Clínica de Medicina do Exercício (Clinimex), no Rio de Janeiro. Segundo essa metodologia, a flexibilidade é avaliada dentro do seu conceito científico de “amplitude máxima fisiológica passiva de um dado movimento articular”. E por que passiva? Pelo fato de que os voluntários receberam suporte para se esticar ao máximo durante as avaliações acompanhadas por profissionais de saúde. “Essa é a verdadeira flexibilidade”, afirma o pesquisador. “A gente tem de isolar todas as variáveis com um teste seguro e que possa ser reproduzido por outros especialistas.”
As descobertas reforçam o papel da mobilidade na qualidade de vida e o impacto de recrutá-la no escopo das atividades diárias. Coincidência ou não, práticas que demandam flexibilidade corporal são seguidas por populações de algumas regiões do mundo com maiores índices de longevidade. Tai chi chuan e ioga estão entre elas. “O novo estudo é importante por acrescentar mais uma variável como meta no planejamento de exercícios”, diz Ana Paula Simões, diretora da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e Esporte. “A gente deveria se espelhar nos animais, que se espreguiçam ao acordar.”
A impressão é de que o público realmente acordou para a necessidade de trabalhar a elasticidade dos membros. Tanto é que modalidades como pilates e ioga estão entre as mais procuradas nos últimos anos. Dados da consultoria Polaris Marketing Research revelam que o mercado global dos estúdios destinados a essas atividades foi avaliado em 158,4 bilhões de dólares em 2023 e deve crescer 11% até 2032. Exercícios de flexibilidade também inundam as redes sociais, e cursos on-line vêm ganhando popularidade. Uma busca rápida no Instagram pelo termo flexibility mostra 11,7 milhões de resultados.
Há quatro meses, a atriz e bailarina Renata Schneider, de 22 anos, fundou uma comunidade para aulas a distância após pedidos de seguidores que acompanhavam seu trabalho pela internet. “Acaba sendo mais prático, e as pessoas se sentem motivadas pela sensação de evoluir juntas”, diz. Renata, que iniciou suas práticas de dança e ginástica em sessões virtuais, tem atualmente cerca de 700 alunos e colhe os benefícios nas próprias articulações. “Quando você treina alongamento, fica com menos dor, melhora a autoestima e a disposição e até consegue relaxar mais.” É evidente que nem todo mundo vai conseguir copiar a bailarina em suas acrobacias com o corpo, mas, como indica a pesquisa brasileira, indivíduos na meia-idade podem (e devem) tirar proveito de uma rotina menos sedentária e rígida. Fica o convite para se esticar.
Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2024, edição nº 2908