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Monja Coen: ‘Isole-se fisicamente, mas não emocionalmente’

Que o momento seja também de autoconhecimento e de conexão com o próximo: em casa, sozinho ou com a família, o melhor lugar do mundo é onde você está

Por Monja Coen*
Atualizado em 4 jun 2024, 14h21 - Publicado em 27 mar 2020, 06h00

E a pandemia chegou. Com ela, o isolamento social e seus muitos desafios. Você tem respeitado esse isolamento? Goste ou não goste, fique em casa. Com amor ou com raiva, fique em casa. Seja responsável. Cuide-se. Não seja um possível transmissor do coronavírus. Se onde você mora a quarentena ainda não é obrigatória, aguarde. Será. No mundo, muitos estão proibidos de sair de casa. Proibidos de andar nas ruas. O isolamento assusta de tantas maneiras. Há pessoas que detestam ficar sozinhas. Há quem não se lembre mais como é ficar com a família. Mas tudo é possível com um pouco de esforço.

Apreciemos ficar em casa. Não há para onde ir nem vir. Crie circunstâncias, valorize momentos importantes de silenciar, de meditar, de refletir em profundidade. De fazer nada. De ouvir e ver. De apenas estar presente. Não tenha medo da solidão. Esse vírus, para o bem ou para o mal, nos apresentou algumas lições. A principal delas: estamos todos interligados. Sem fronteiras, sem cores, sem etnias. Ele não discrimina. Por isso, o grande risco. Pode acontecer com você. Pode ser ele ou ela. Esse pequeno inimigo é extre­mamente democrático. Pior ainda, comunitário. Não há ninguém de fora: todos estão dentro das possibilidades de contágio. Por isso, comporte-se. Repito: fique em casa.

Aproveite o momento para observar. Observe com profundidade, observe com sabedoria. Há tanto que pode ser feito. Você pode ler, escrever, pintar, desenhar, sonhar. Pode cantar, declamar. Pode ouvir música sem dançar e sem cantarolar. Ouvir, apenas. E pode fazer tudo diferente, cantando e dançando. Pode rir, pode chorar. Tudo bem chorar. Enquanto o isolamento social for o melhor remédio, faça-o valer. Mas cuidado. Não beba muito. Não use drogas. Aprecie sua vida — não destrua células neurais. Sem beijos nem abraços, demonstre seu amor com a suavidade de uma folha caindo à brisa de outono.

Os otimistas acham que o isolamento fará com que as famílias voltem a sentar-se à mesa e a conversar. Será? Talvez nas casas onde alguém esteja contaminado e os cuidados devam ser redobrados. Quem sabe? Fica aqui um alerta: fomos tão bem treinados a sempre nos comunicar virtualmente que não farão muita diferença as portas trancadas. Abra as portas. Senão, serão mais e mais mensagens no WhatsApp dentro da mesma casa. Que a tecnologia não impeça a reunião familiar.

Mais difícil será ficar trancafiado com pessoas com as quais não mantemos bons relacionamentos — ou nenhum relacionamento. Recomendo que não exija dos outros o que eles não têm para oferecer a você. Veja as qualidades e não comente os defeitos — nem consigo mesmo. Tente. Se houvesse uma pandemia viral nos celulares, na internet, nas redes sociais, talvez fosse pior. Teríamos de olhar uns para os outros, de ouvir um ao outro. Teríamos de conversar: você lembra o que era conversar?

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Quem é viciado em TV está feliz. Dia e noite, a TV ligada. Quem ama jogos virtuais se ocupará com eles até enjoar. Aprenda a se desligar. Aprenda a se desconectar. Esco­lha, neste momento: quer alimentar seus vícios ou suas virtudes? Que tal praticarmos virtudes nas semanas em cativeiro? Mas quem disse que é cativeiro? Sua casa pode se tornar o paraíso, um local sagrado de práticas espirituais. Podemos nos transformar, podemos responder de forma diferente das anteriores a esta intimidade forçada. Tudo depende de suas escolhas — e só suas. Não fique pensando no que deixou de fazer. No que está atrasado. Aprecie o agora, já. Aprenda a viver o agora. Você pode. Vamos apreciar mais a vida? Deixe o celular de lado de vez em quando. Na hora de comer, apenas coma. Na hora de dormir, apenas durma. Crie uma rotina saudável com atividade física, sono, alimentação natural, meditação, boa respiração e batimentos cardíacos regulares e tranquilos.

“Deixe o celular de lado. É um momento precioso para repensar quanto tempo dedicamos às telas”

Este é um momento precioso para repensar quanto tempo dedicamos às telas. Podemos ser atropelados, mas não largamos nossos amigos virtuais. Na mesa, no banheiro, no escritório, no ônibus ou metrô, nos táxis, Ubers, aviões, trens e mesmo andando a pé. Acabamos com um pequeno defeito na cervical de tanto olhar para baixo, para o celular. E por quê? São tantas notícias, informações, atualizações. E, quando você tenta se comunicar, as novidades que acabou de descobrir, o outro também já leu. Que tal desconectar-se? Está preocupado com as notícias ruins por todos os lados? Por que você está me lendo agora? Você já sabe. Tudo o que eu possa escrever é passado. Há dados mais recentes que os deste texto antigo. Antigo, sim. Está sendo escrito hoje, que é ontem do ontem do anteontem. E tudo está a mudar.

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Lembre-se de que nada é fixo ou permanente. Eu e você, as lojas e as ruas, os pesares e as alegrias. Nada fixo, nada permanente. Perceba. A vida é um fluir incessante e incontrolável de instantes. Você é capaz de apreciar este momento mais do que reclamar dele.

Ouviu uma briga de casal? Interfira. Bata com o cabo da vassoura nas paredes. Grite pelas janelas. Chame a polícia. Nada de ficar brigando em casa. E controle o desejo de jogar alguém pela janela. Pode dar vontade. Mas não faça isso. Respire. Sorria. Aprenda a ter discussões saudáveis. Política, religião, relacionamentos. Está na hora de ouvir a opinião do próximo, pode ser divertido, pode ser estimulante. Você pode fazer de onde está o melhor lugar do mundo: porque é onde você está. Aqui, bem dentro de você, se manifesta e se abre um caminho iluminado. Sorria. É possível, sim.

Suponha que você tenha se comportado. Aguentou e não saiu de casa. Suponha que a curva exponencial da doença não tenha subido ao ponto mais alto. Ficou um pouco mais baixa. Valeu o isolamento forçado? Valeu o período consigo mesmo? Valeu ficar com essas pessoas ao seu redor? Ter de aguentar sermões e brigas: vem comer, larga o celular? Suas escolhas terão consequências. Então, ressalto: fique em casa. Não saia. Isole-se fisicamente, mas não emocionalmente. Superar essa pandemia depende de cada um de nós. Que a compaixão ilimitada e a sabedoria perfeita sejam nossas duas companheiras. Que possamos despertar e agradecer. Cada instante da nossa vida é assim. Aprecie.

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*Monja Coen, fundadora da Comunidade Zen Budista Brasil, é autora e apresentadora do Caminho Zen, no GNT

Publicado em VEJA de 1 de abril de 2020, edição nº 2680

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