Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Médicos fazem balanço de dois meses da ômicron no Brasil

O número de internações e mortes por Covid-19 não está crescendo no país pela imunidade da população, seja pela vacinação ou por infecções anteriores

Por Karina Toledo, por Agência FAPESP
Atualizado em 2 fev 2022, 09h16 - Publicado em 31 jan 2022, 10h00

“Cepa de Deus”, “vírus vacinal” e “presente de natal antecipado” foram alguns dos termos usados para descrever a variante ômicron do SARS-CoV-2 no fim do ano passado, quando ela foi identificada na África do Sul.

Estudos têm sugerido que essa linhagem do novo coronavírus é de fato menos agressiva que as anteriores, entre outros fatores, por ter uma capacidade menor de invadir o epitélio pulmonar. Por outro lado, a maior afinidade com as células das vias aéreas superiores parece ter conferido à ômicron um poder de disseminação que tem sido comparado ao do sarampo – um dos patógenos mais contagiosos já descritos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ômicron contamina cem pessoas a cada três segundos no mundo.

No Brasil isso tem se refletido em recordes sucessivos de casos diários de Covid-19.  Para especialistas ouvidos pela Agência FAPESP, o fato de o número de internações e mortes por Covid-19 não estar crescendo na mesma proporção deve-se mais à imunidade prévia da população – seja pela vacinação ou por infecções anteriores – do que às características intrínsecas do vírus.

“Nos indivíduos não vacinados a doença não é tão leve, podendo causar óbitos e lesões importantes. A questão é que esse vírus tem encontrado um hospedeiro diferente, que já não é virgem de exposição”, afirma o médico Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).

Esta também é a opinião de Elnara Negri, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês. “É uma variante muito parecida com as anteriores. A questão é que no Brasil a gente tem a felicidade de ter uma população com uma boa cobertura vacinal. O único paciente que precisei intubar nesta onda, até o momento, não era imunizado. E ele desenvolveu uma pneumonia por SARS-CoV-2 com trombose de microcirculação clássica. Na grande maioria dos atendidos a doença teve um curso bom e considero a vacina a grande responsável”, diz.

Continua após a publicidade

Em parceria com os colegas do Departamento de Patologia da FM-USP, entre eles Saldiva, Negri foi uma das primeiras pessoas no mundo a levantar a hipótese de que distúrbios de coagulação sanguínea estariam na base dos sintomas mais graves da Covid-19 – entre eles insuficiência respiratória e fibrose pulmonar. Ela ressalta que mesmo entre pessoas vacinadas, principalmente em idosos e indivíduos com comorbidades, a ômicron pode causar coagulopatia.

“Se ao redor do sexto dia de sintomas, em vez de melhorar, o paciente começar a ter febre, dor lombar e uma piora no cansaço ou mal-estar é hora de ir ao médico e colher exames para ver se há coagulopatia”, alerta.

O infectologista Esper Kallás, da FM-USP, destaca que nos locais em que a cobertura vacinal é mais baixa o número de hospitalizados por Covid-19 tem aumentado de forma significativa. Um exemplo é o Distrito Federal, onde a taxa de ocupação dos leitos nas unidades de terapia intensiva (UTIs) atingiu novamente 100%. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde do DF, 90% dos internados por Covid-19 não se vacinaram ou estão com a imunização incompleta. Em outros seis Estados – Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte – a ocupação nas UTIs está acima de 80%. No caso das UTIs pediátricas a situação já é crítica em pelo menos três Estados: Mato Grosso do Sul, Maranhão e Rio Grande do Norte.

A tendência também é de alta no número de mortes: foram 695 no sábado, totalizando 626.643 óbitos desde o início da pandemia. A média móvel de mortes aumentou 243% em relação a duas semanas atrás.

Continua após a publicidade

Voo às cegas

Os especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que a escassez de testes para diagnóstico e o apagão de dados no Ministério da Saúde – causado por um suposto ataque hacker ocorrido no dia 10 de dezembro – têm dificultado avaliar com precisão como a onda da ômicron está evoluindo no país.

“A gente está meio perdido em relação à taxa de letalidade, por exemplo, que é uma informação importantíssima e que pode ajudar a convencer as pessoas a se vacinar”, diz Saldiva.

Segundo o pesquisador, o problema também é reflexo do baixo investimento em vigilância epidemiológica nos Estados. “No auge da pandemia, a falta de recursos humanos foi suprida aqui no Estado de São Paulo pela comunidade acadêmica, que trabalhou de forma voluntária. Mas as equipes agora se desmobilizaram”, conta.

Continua após a publicidade

Na semana passada, segundo pesquisadores do Imperial College London (Reino Unido), a taxa de transmissão do SARS-CoV-2 no Brasil chegou a 1,78 – o maior índice desde julho de 2020. Isso significa que cada cem pessoas infectadas estão transmitindo o vírus para outras 178. O grupo britânico não calculava o índice para o Brasil desde dezembro de 2021, devido ao apagão de dados no Ministério da Saúde.

Estimativas da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, apontam que o Brasil pode atingir o pico de 1,3 milhão de infectados por dia pela Covid-19 em meados de fevereiro. As projeções incluem não só casos positivos confirmados, mas também estimativas de quem se infectou e nem chegou a testar.

O que mudou

Na primeira onda da pandemia, em 2020, a perda de olfato e paladar era considerada um dos principais indícios de infecção pelo SARS-CoV-2. Negri conta que esse sintoma já não tem sido observado e, por outro lado, a dor de garganta passou a ser algo bem mais recorrente. “Febre e tosse ainda são comuns. Alguns pacientes também apresentam diarreia”, relata.

Continua após a publicidade

A pediatra Ana Escobar relata algo parecido entre as crianças, a maioria ainda não vacinada. “Começa em geral com uma dor de garganta, depois febre – que pode chegar a 39 oC e durar dois ou três dias –, dor de cabeça e no corpo. Lá pelo quarto dia a criança já está bem. Às vezes a tosse se mantém até o décimo dia”, conta.

Embora nessa população a apresentação da doença não tenha mudado de forma significativa, destaca a médica, a quantidade de crianças acometidas é proporcionalmente muito maior com a ômicron. “Então é normal que aumentem também as internações, principalmente entre aquelas que têm alguma patologia de base, como doenças pulmonares crônicas, reumatológicas ou câncer.”

Werther Brunow de Carvalho, coordenador das UTIs pediátricas e neonatais do Instituto da Criança, vinculado ao Hospital das Clínicas da FM-USP, ressalta que a ômicron – assim como as cepas anteriores – pode causar síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), condição caracterizada por febre persistente e inflamação em diversos órgãos, como coração, intestino e pulmão.

“O percentual de crianças que desenvolve a síndrome é menor com a ômicron, mas pode acontecer. E por isso não há dúvida de que devemos vacinar”, afirma Carvalho.

Continua após a publicidade

O médico conta que no Hospital Santa Catarina, onde também atua, o número de crianças atendidas com sintomas de infecção respiratória dobrou em janeiro em relação ao mês anterior. “Além do SARS-CoV-2, há casos de influenza, rinovírus, parainfluenza e vírus sincicial respiratório”, conta.

As gestantes e as puérperas seguem sendo uma das populações de maior risco para as formas graves da COVID-19, informa a obstetra Rossana Pulcineli, professora da FM-USP e integrante do Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr). Dados divulgados pelo grupo no ano passado, antes da chegada da ômicron, apontam que a chance de óbito de uma gestante não vacinada é 526% maior do que a de uma completamente imunizada.

“Entre as hospitalizadas sem vacina, 15% faleceram. O número cai para 9% entre as que receberam uma dose do imunizante e para 3% entre as com o esquema vacinal completo”, conta.

Segundo a médica, embora a ômicron cause quadros mais leves, principalmente nas gestantes imunizadas, o número de internações por síndrome gripal voltou a crescer nessa população, passando de 147 em novembro para 1.643 em janeiro, segundo os dados mais recentes do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe). Entre as hospitalizadas, 43,5% têm diagnóstico confirmado de Covid-19, 4,8% de gripe (influenza H3N2) e em 51,6% a causa não foi definida, o que reflete a baixa disponibilidade de testes para diagnóstico.

“Já é sabido que gestante responde mal à influenza e não houve monitoramento nenhum quando os casos começaram a aumentar. Ficamos semanas sem dados atualizados em um momento crítico como este”, diz Pulcineli, que também ressalta a importância de as gestantes tomarem a terceira dose da vacina.

No que se refere a tratamentos com eficácia comprovada, Kallás conta que já há dois aprovados para uso no país: o antiviral remdesivir e os anticorpos monoclonais. “Mas são medicamentos caros e não tem sido feito um esforço por parte do governo para torná-los acessíveis à população”, conta.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.