O debate sobre o uso do canabidiol, derivado da planta da maconha, extrapolou o âmbito médico no Brasil em 2019. O assunto invadiu a pauta política depois que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) iniciou consulta pública para estabelecer critérios de produção e de consumo da substância no país. No começo de dezembro, finalmente, deu-se a autorização de venda do remédio em farmácias. A regulamentação valerá por três anos, quando então será revista, para prosseguir ou ser reformada. O governo do presidente Jair Bolsonaro não gostou da novidade. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse ser contra a medida porque ela “abriria a porta para a liberação de drogas” em território nacional.
O canabidiol é um dos 480 compostos da maconha. Encontrado sobretudo no caule e nas flores, constitui cerca de 1% da planta. Ele não é psicoativo nem tóxico. Não altera o raciocínio, não produz lapsos de memória nem perda cognitiva, tampouco causa dependência, como faz o THC, outro derivado da planta. Eficaz no controle de surtos epilépticos e convulsões, a porção benéfica da droga age quando há desequilíbrio na produção natural do neurotransmissor anandamida. Estudos recentes comprovaram o sucesso do canabidiol em terapias de controle do Alzheimer, do Parkinson e de fobia social. Nos EUA, o composto é liberado em 33 estados. Sob a forma de pasta, cristais, spray ou gotas, é vendido em farmácias de manipulação ou diretamente pelos fabricantes. No Brasil, durante muito tempo, até a importação do fármaco era proibida — ela só ocorria com autorização judicial a pacientes que necessitavam do remédio para aliviar sintomas graves de doenças. Desde 2015, porém, era possível trazê-lo do exterior, apesar da burocracia. A dose com 30 mililitros custa 3 000 reais — daí a luta para permitir a produção interna. Antes disso, será preciso apagar a chama ideológica que queima a discussão.
Publicado em VEJA de 1º de janeiro de 2020, edição nº 2667