Longevidade avança, mas qualidade de vida não a acompanha pelo mundo
Estudo internacional revela que pessoas vivem, em média, quase dez anos a mais, mas apresentando limitações e problemas crônicos de saúde
A expectativa de vida global aumentou significativamente nas últimas décadas, mas não tem sido acompanhada por avanços equivalentes em termos de bem-estar. Um estudo conduzido pela Mayo Clinic, nos EUA, que analisou dados de 183 países membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), concluiu que a diferença entre expectativa de vida e expectativa de saúde continua crescendo, com milhões de pessoas vivendo mais anos, mas em condições comprometidas. A pesquisa foi publicada hoje, 11, no periódico científico JAMA Network Open.
Entre 2000 e 2019, a lacuna entre longevidade e anos vividos com saúde aumentou 13%, atingindo uma média de 9,6 anos. Nos Estados Unidos, essa diferença é ainda mais alarmante: 12,4 anos vividos em condições debilitantes, o maior índice entre os países analisados.
“Os dados mostram que os ganhos em longevidade não acompanham os avanços equivalentes a uma longevidade saudável. Muitas vezes, envelhecer significa mais anos de vida sobrecarregados com doenças”, afirmou Andre Terzic, diretor da Fundação Marriott Family na Mayo Clinic e autor sênior do trabalho.
O estudo também revelou uma disparidade de gênero significativa. Globalmente, as mulheres vivem, em média, 2,4 anos a mais do que os homens em condições de saúde comprometidas. Entre os principais fatores estão transtornos neurológicos, musculoesqueléticos e urinários. Esses dados reforçam a necessidade de políticas e intervenções específicas para abordar as desigualdades de saúde de gênero.
As doenças crônicas e a “nova pandemia”
As doenças não transmissíveis (DNTs), como problemas cardiovasculares, diabetes e câncer, emergem como os principais fatores por trás dessa lacuna. O estudo destaca que essas condições representam a “nova pandemia”, afetando países de todos os níveis de desenvolvimento econômico. De acordo com os dados analisados, as DNTs são responsáveis por uma parcela crescente do fardo global de doenças, ultrapassando progressivamente as moléstias infecciosas como principal causa de morbidade e mortalidade em diversas regiões.
“Doenças crônicas não são mais percebidas como limitadas a países altamente desenvolvidos, mas estão cada vez mais prevalentes em todas as geografias e níveis de desenvolvimento econômico”, destacou Terzic.
Uma grande proporção dessas doenças está associada a fatores de risco modificáveis, como dieta inadequada, tabagismo e sedentarismo, sugerindo que a modificação do estilo de vida poderia contribuir para a redução do descompasso detectado. “Nesse contexto, os esforços educacionais, incluindo a conscientização das próximas gerações desde a primeira infância, serão essenciais para garantir hábitos saudáveis ao longo da vida em todas as partes do mundo”, recomenda Terzic.
Estratégias multidimensionais
Outra dificuldade é que a lacuna saúde-longevidade varia amplamente entre regiões e países. Aqueles com sistemas de saúde menos desenvolvidos enfrentam desafios adicionais para oferecer cuidados preventivos e gerenciar doenças crônicas.
“Identificar os fatores que contribuem para a diferença singular de cada região pode ajudar a embasar intervenções específicas nos cuidados de saúde de cada país e região”, destacou Terzic.
Por isso, para reduzir o contraste entre longevidade e qualidade de saúde, é essencial adotar estratégias que combinem abordagens comunitárias, clínicas e científicas.
Iniciativas comunitárias, como campanhas de saúde pública e medidas preventivas, são o primeiro passo. Em paralelo, o uso de inteligência artificial no apoio a decisões clínicas pode ajudar a identificar e tratar condições antes que se tornem debilitantes. No campo científico, a medicina regenerativa surge como um caminho promissor para restaurar funções perdidas e melhorar a qualidade de vida.
“A adoção do tripé ‘expectativa de vida’, ‘expectativa de vida ajustada à saúde’ e ‘lacuna saúde-longevidade’ fornece uma visão holística da longevidade saudável”, explicou Terzic. Essa abordagem permite uma avaliação mais completa do progresso global em saúde e orienta intervenções mais eficazes.
O futuro das políticas globais
Organizações como a OMS e a ONU estão liderando esforços para enfrentar a diferença entre vida longa e anos saudáveis. A reunião dos órgãos sobre doenças não transmissíveis, programada para 2025, deverá destacar a necessidade de investimentos em prevenção e diagnóstico precoce.
Além disso, iniciativas como a Década do Envelhecimento Saudável – para incentivar ações que melhorem a qualidade de vida das populações mais velhas – estão redefinindo as prioridades globais em saúde. “Pivotar sistemas de saúde centrados na doença para sistemas centrados no bem-estar é uma área de interesse mundial. A ONU declarou esta década como a década da longevidade saudável”, ressaltou Terzic.
Além disso, as descobertas da Mayo Clinic estão alinhadas com as projeções do The Lancet, que preveem que a expectativa de vida global continuará a crescer até 2050, enquanto os ganhos na saúde acompanharão esse avanço em ritmo mais lento. A mensagem é clara: para transformar os anos ganhos em longevidade em anos vividos com qualidade, será preciso priorizar intervenções inovadoras, focadas na prevenção, na educação e no fortalecimento dos sistemas de saúde em todo o mundo.