Estudo inédito: infecção é maior causa de morte entre pacientes com lúpus
Pacientes com a condição ainda sofrem com sobrevida abreviada; conscientização sobre a doença é grande desafio no Brasil, bem como acesso ao tratamento
A principal causa de morte associada ao lúpus, doença autoimune que causa dores e pode afetar órgãos vitais, foi infecção, seguida de complicações cardiovasculares e renais, de acordo com um novo estudo que analisou o panorama da doença na população brasileira entre os anos de 2000 e 2019.
A pesquisa inédita procura preencher a carência de dados sobre a realidade da doença no Brasil em virtude da falta de mão de obra especializada. Estima-se que para cada reumatologista, especialista que trata a doença, haja 77 mil brasileiros que convivem com a condição. O levantamento utilizou dados do DataSUS, departamento ligado ao Ministério da Saúde, e é parte da campanha “Lúpus: A Marca da Coragem”, da farmacêutica AstraZeneca.
A escassez de profissionais é um fator que impacta milhares de pacientes, inclusive, resultando em diagnóstico tardio. Essa realidade se torna alarmante, visto que, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua realizada pelo IBGE, existem cerca de 150.000 a 300.000 pacientes adultos com lúpus, sendo a sua maioria do sexo feminino.
Além disso, parte significativa dos pacientes analisados pelo estudo morreu entre 19 e 50 anos de idade, em contraste com a população geral, na qual os óbitos foram mais comuns em indivíduos com mais de 50 anos.
O problema da automedicação: cortisona
As causas de morte podem estar relacionadas ao baixo controle da atividade da doença, assim como o uso em longo prazo e em altas doses de certas classes de medicamentos que podem aumentar esse risco. Um exemplo é a cortisona, anti-inflamatório muito utilizado pelos pacientes, mas associado a inúmeros malefícios, que vão desde estrias, aumento de peso, diabetes, hipertensão até infarto ósseo.
“Sabemos que 80% do dano acumulativo do lúpus é por causa da cortisona” , afirma Nafice Costa, membro da Sociedade Paulista de Reumatologia e presente do evento de divulgação da pesquisa, que ocorreu nesta terça-feira, 7, em São Paulo. Para a especialista, o acesso à cortisona, dados os seus efeitos adversos, deveria ser mais controlado, inclusive, por meio de prescrições médicas, já que atualmente sua venda é permitida sem receita.
“O mecanismo de ação na inflamação da cortisona é extremamente eficiente, mas os efeitos adversos são graves. Por exemplo, em três meses após o uso contínuo do medicamento, o paciente já tem perda da massa óssea”, alerta a médica. Por isso, especialistas indicam os poupadores de cortisona, que são os imunossupressores e imunorreguladores.
Uma realidade difícil de ser retratada
O lúpus é uma doença heterogênea, com inúmeros sintomas e manifestações que variam de paciente para paciente e podem ter causas diferentes. Além disso, apesar de as pessoas acometidas terem uma predisposição genética, é impossível realizar o diagnóstico por mapeamento genético.
Outros desafios circundam a doença, como o desconhecimento, tanto por parte dos profissionais da saúde, quanto da população e o acesso a especialista da saúde e ao tratamento.
Já a adesão precária ao tratamento e o atraso no diagnóstico – que em média é de dois a três anos – também são obstáculos, já que este último, principalmente, faz com que o prognóstico do paciente seja mais negativo, implicando uma necessidade de utilizar mais medicamento, causando mais efeitos adversos na saúde e, por consequência, afetando a sobrevida.
Eni Maria convive com a doença há 38 anos e foi diagnosticada aos 22 anos, em uma época sem internet, quando a informação era ainda mais escassa. Hoje, aposentada após um infarto, ela se dedica à Associação Brasileira Superando o Lúpus, Doenças Reumáticas e Raras, como coordenadora financeira e de projetos. Além disso, é membro da Comissão de Patologias e Doenças Raras do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo. Apesar dos desafios atuais, Eni se diz esperançosa sobre o futuro do lúpus por observar um avanço na conscientização sobre a doença em comparação à época de seu diagnóstico.
“Eu observo que, com o desenvolvimento da medicina, há mais pessoas sendo diagnosticadas”, afirma Maria. “Era difícil ver alguma iniciativa ou campanha voltada para o lúpus. Hoje em dia, elas existem. Então, eu vejo um futuro bem promissor para o paciente”, conclui.
Alta mortalidade ainda é um desafio
Os profissionais da saúde ainda têm um longo caminho para percorrer quando se trata de conscientização e cuidados aos pacientes com lúpus, já que a mortalidade da doença não tem diminuído nos último 20 anos
A análise da base de dados extraída do Sistema Único de Saúde (SUS) identificou que, entre 2000 e 2019, foram 24.029 óbitos registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), sendo a maioria ocorrendo na região Sudeste, enquanto o Norte e Centro-Oeste tiveram os índices mais baixos.
“Muitas das pacientes lúpicas vivem em função da doença. A qualidade de vida é muito afetada”, afirma Odirlei Monticielo, reumatologista, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e um dos pesquisadores do estudo presente no evento. “Ainda é necessário estabelecer estratégias para o manejo da condição da doença e aprimoramento das terapias para controle do lúpus. Somente dessa forma conseguiremos reduzir danos e suscetibilidade a infecções e aumentar a expectativa de vida desses pacientes”, conclui.
Mais informações sobre o lúpus
O lúpus eritematoso sistêmico (LES), geralmente conhecido como lúpus, é uma doença autoimune crônica debilitante que traz impactos em diversas áreas da vida, como social e econômica.
Entre 2000 e 2019, dos 74.330 pacientes com diagnóstico de lúpus, 89,9% eram do sexo feminino, sendo quase metade deles com idade entre 26 e 45 anos, de acordo com a análise da base de dados extraída do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os sintomas podem variar amplamente de caso para caso, mas, geralmente, incluem fadiga, dor e edema nas articulações, lesões cutâneas, febre, emagrecimento, entre outros. O diagnóstico geralmente envolve uma combinação de exames clínicos, histórico médico, exames de sangue e avaliação dos sintomas.
O tratamento pode incluir medicamentos para controlar a inflamação e suprimir o sistema imunológico, além de medidas para controlar os sintomas e promover o bem-estar geral do paciente.