Entenda como o calor interfere na nossa saúde mental
Estudos detalham impacto das temperaturas extremas para episódios de transtornos de humor e ansiedade
Sabemos muito sobre os impactos do calor extremo na saúde física. Por exemplo, para a maioria dos brasileiros nesta semana de dias secos e temperaturas escaldantes, é aconselhado estar atento aos sinais de alerta de insolação e hidratação.
Mas Amruta Nori-Sarma, professora de saúde ambiental na Universidade de Boston, notou que não havia uma compreensão tão profunda sobre a relação entre calor extremo e sintomas de saúde mental.
Assim, ela e os seus colegas compararam o número de visitas ao departamento de emergência relacionadas com a saúde mental nos Estados Unidos durante dias de calor extremo e dias com temperaturas comparativamente “ideais”. Os dados foram coletados de sinistros de seguros de quase 3,5 milhões de visitas ao departamento de emergência do país, entre 2010 e 2019.
“Observamos que há uma tendência de aumento nas taxas de visitas ao departamento de emergência associadas ao aumento das temperaturas”, disse Nori-Sarma. As queixas dos pacientes variaram entre sintomas de transtornos de humor e ansiedade, transtornos por uso de substâncias, esquizofrenia e risco de suicídio.
Outra investigação também descobriu que temperaturas mais elevadas podem desencadear temporariamente recaídas em pessoas com transtorno bipolar e que exposições mais elevadas à luz solar podem aumentar o risco de episódios maníacos. As temperaturas mais elevadas também têm sido associadas a mortes entre pessoas com esquizofrenia e outras condições de saúde mental.
Já os dados de uma pesquisa, realizada com 1,9 milhão de americanos entre 2008 e 2013, descobriram que nos dias em que as temperaturas ultrapassavam os 22 ºC, os entrevistados eram mais propensos a sentir menos alegria e felicidade, bem como aumento de estresse, raiva e fadiga, do que nos dias em que as temperaturas estavam mais amenas. Estas associações foram especialmente fortes quando as temperaturas estavam acima de 30 ºC, observaram os autores.
Como calor interfere?
Ainda não é possível cravar o motivo do calor afetar o nosso bem-estar, mas é provável que se deva a uma variedade de fatores psicológicos inter-relacionados.
O calor está associado ao aumento do estresse – ou dos níveis de cortisol – e à redução da produção de serotonina, o “hormônio da felicidade”. Já outros estudos levantaram a hipótese de que o calor provavelmente perturba nossos ciclos de sono, fazendo com que nos sintamos não apenas fisicamente, mas também mentalmente cansados durante o dia.
As temperaturas noturnas mais altas podem levar a um sono não restaurador ou superficial, reduzindo o sono REM, que é um fator crítico para permitir a reinicialização do corpo. O sono interrompido pode, por sua vez, levar à deterioração da saúde mental.
Para as pessoas que tomam medicamentos para tratar esses transtornos mentais, “manter-se hidratado é fundamental, pois certos antidepressivos e antipsicóticos podem interferir na capacidade do corpo de regular a temperatura”, avisa Amruta. Por exemplo, o lítio, usado para tratar o transtorno bipolar, pode aumentar o risco de desidratação.
Elementos potenciais
Também não podemos esquecer a ansiedade climática, ou “o medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas gerando uma preocupação associada ao futuro de si mesmo e das gerações futuras”, define a American Psychology Association.
Os incêndios florestais e as ondas de calor, entre outros acontecimentos relacionados com o clima, estão a aumentar em frequência e intensidade devido às alterações climáticas.
À medida que o aquecimento global piora, a eco-ansiedade pode exacerbar outros sintomas de stress, ansiedade, depressão ou mesmo sintomas de transtorno de stress pós-traumático relacionados com desastres, acrescentou.
Certas pessoas também são mais vulneráveis ao calor do que outras. No seu estudo de 2018, a equipe de Nick Obradovich, do Laureate Institute for Brain Research, descobriu que aqueles com rendimentos mais baixos sofreram piores efeitos do calor na saúde mental do que aqueles com rendimentos mais elevados, e as mulheres sofreram efeitos piores do que os homens.
Combinados, eles descobriram que o efeito do calor na saúde mental era duas vezes pior para as mulheres de baixa renda do que para os homens de alta renda.