Do desodorante à panela: é preciso ter tanto medo do alumínio?
Uma análise minuciosa sobre a história de que o metal presente em diversos produtos usados no cotidiano possa intoxicar e fazer mal à saúde
Algo recorrente no local onde eu trabalhava era a pergunta: “Por acaso vocês têm desodorantes sem alumínio?”. Em geral, quando estava de bom humor – algo raro –, explicava que, embora tivéssemos algumas opções, elas não eram “melhores” do que outras opções com alumínio, que, na maioria das vezes, apresentavam um custo mais baixo.
Demorou para eu entender que, embora minha resposta estivesse correta, ela não convencia interlocutores constantemente bombardeados com a ideia de que produtos contendo alumínio poderiam estar relacionados a problemas de saúde, inclusive câncer. Essa pequena experiência anedótica é de 2022 e, infelizmente, o mito continua circulando.
Só para exemplificar o discurso que os proponentes dessa narrativa seguem, faço uma síntese de um vídeo publicado no YouTube por um médico:
“Infelizmente, a maioria de nós está intoxicada por metais pesados, especialmente o alumínio. Isso se deve à poluição causada pelo ser humano no meio ambiente, nos alimentos e na água. A intoxicação por alumínio é um problema de saúde pública e, se pesquisar, verá que todos estão intoxicados com alumínio. Hoje, na minha prática clínica, vejo crianças intoxicadas com alumínio. E sabem de onde vem esse alumínio? Dos desodorantes antitranspirantes e dos alimentos preparados em panelas de alumínio. Para resolver isso, basta fazer um detox, o que eu recomendo a todos os meus pacientes”.
Se existisse um bingo de ideias pseudocientíficas, essa seria a cartela premiada – com sua exaltação de experiências anedóticas e a prática do detox.
Brincadeiras à parte, talvez essa opinião esteja baseada nos inúmeros trabalhos publicados pela professora emérita da Universidade de Reading, Philippa Darbre, sobre os mecanismos de ação do estrogênio e de substâncias químicas que imitam o estrogênio em células do câncer de mama humano, com foco nos ingredientes presentes em cosméticos utilizados nas axilas.
Desodorantes e antitranspirantes
Embora essa pesquisadora tenha muitos estudos sobre o tema, acredito que seu primeiro trabalho nos fornece um contexto interessante do envilecimento do alumínio.
Em 2001, Darbre publicou o artigo “Underarm cosmetics are a cause of breast cancer”, no qual propôs a seguinte hipótese: “Constituintes químicos de desodorantes e antitranspirantes aplicados na região das axilas são uma causa de câncer de mama”.
A autora argumenta que cosméticos antitranspirantes são aplicados repetidamente em uma área adjacente à região das mamas e, por não serem enxaguados, permanecem na pele por um período prolongado.
Além disso, o uso desses produtos por homens e mulheres cresceu significativamente, com o mercado aumentando de US$ 30 milhões em 1947 para mais de US$ 1 bilhão em 1983.
A autora afirma que a evidência mais forte de um possível papel dos cosméticos para axilas no câncer de mama vem de observações clínicas, que segundo ela mostram incidência desproporcionalmente alta de câncer no quadrante superior externo da mama e na mama esquerda. Ela sugere duas possíveis explicações para essa ocorrência no quadrante superior: (1) essa região teria uma maior proporção de tecido suscetível; (2) o quadrante superior externo está adjacente ao local de aplicação dos cosméticos para axilas, que, por serem aplicados em grandes quantidades, podem penetrar na pele.
Além disso, a incidência de câncer no quadrante superior externo aumentou ao longo dos anos, conforme observado em diferentes publicações, passando de 30,9% em 1926 para 60,7% em 1994. Se esse aumento for real, e não apenas um reflexo das diferentes populações estudadas, isso coloca em dúvida a explicação baseada na quantidade de tecido suscetível.
Ao considerar as possíveis explicações para uma maior incidência de câncer na mama esquerda em comparação à direita, duas hipóteses são sugeridas pela pesquisadora: (1) pode haver uma maior quantidade de células suscetíveis no lado esquerdo da mama, devido ao suprimento vascular preferencial para o lado esquerdo do corpo durante o desenvolvimento cardíaco intrauterino; (2) essa maior incidência no lado esquerdo está relacionada ao fato de que a maioria da população é destra, resultando em maior aplicação de produtos químicos na axila esquerda.
Em uma série de trabalhos posteriores (por exemplo, “Aluminium, antiperspirants and breast cancer”), Darbre buscou sinais de interação entre componentes de desoborantes/antitranspirantes e hormônios que poderiam estar envolvidos no desenvolvimento do câncer.
Com base principalmente em resultados in vitro (isto é, testes conduzidos em células de laboratório, não em organismos completos), Darbre conclui haver potencial de o alumínio, presente em antitranspirantes, interferir na ação do estrogênio em células de câncer de mama.
O que se tinha, portanto, era uma hipótese baseada, principalmente, em estudos observacionais do tipo caso-controle, que apenas traçavam correlações entre desodorantes/antitranspirantes e a presença de câncer de mama, além de alguns estudos iniciais.
Contudo, como tantas outras hipóteses, diante de pesquisas mais robustas e metodologicamente mais rigorosas, ela acabou sendo – ou pelo menos deveria ter sido – descartada.
Refutando a hipótese
Só para exemplificar, em 2016 foi publicado um artigo intitulado “Breast Cancer and Deodorants/Antiperspirants: A Systematic Review”, no qual foi realizada uma revisão quantitativa de estudos que investigaram a relação entre o câncer de mama e a utilização de desodorantes e antitranspirantes, com o intuito de estimar o quanto esses dois cosméticos para axilas contribuem para o desenvolvimento do câncer de mama.
Para responder a essa questão, o autor buscou em bancos de dados estudos observacionais que poderiam estar em inglês, francês ou espanhol, de 1996 até 2016, que investigaram principalmente a relação entre o uso de desodorantes e o câncer de mama. Ao todo, foram inseridos na análise dois estudos de caso-controle.
O primeiro estudo trata-se do “Antiperspirant Use and the Risk of Breast Cancer”, um estudo de caso-controle de base populacional (neste tipo de estudo, os casos e controles são selecionados de uma população definida em um período específico), publicado em 2002. O grupo “casos” foi composto por 813 mulheres com idade entre 20 e 74 anos, diagnosticadas pela primeira vez com câncer de mama entre novembro de 1992 e março de 1995, enquanto as voluntárias do grupo controle (793) eram mulheres sem câncer de mama, identificadas por discagem aleatória de dígitos e pertencentes à mesma localidade.
Para a coleta de dados, foi desenvolvido um questionário que indagava as participantes sobre a frequência de depilação das axilas – há a preocupação de que as possíveis substâncias tóxicas desses produtos poderiam ser absorvidas por pequenos cortes ou abrasões causadas pela remoção de pelos; o uso regular de antitranspirantes; a utilização exclusiva de antitranspirante em comparação com desodorantes ou talcos; e se havia aplicação do antitranspirante dentro de uma hora após a depilação. Essas mesmas questões foram realizadas para verificar a relação do desodorante com o câncer de mama, em vez do antitranspirante. Todas as informações foram coletadas por meio de uma entrevista presencial.
Análises adicionais foram realizadas estratificando pelo uso de lâmina de barbear (ou seja, se era um barbeador elétrico ou não) para avaliar se a relação entre o uso de antitranspirante e o risco de câncer de mama diferia de acordo com o método de remoção de pelos das axilas.
Os resultados dos questionários mostraram que 810 pacientes do grupo “casos” e 793 voluntárias do grupo controle forneceram informações completas sobre a remoção de pelos das axilas. Quase todas haviam, em algum momento de suas vidas, utilizado regularmente pelo menos um método de remoção de pelos, sendo o mais comum, a lâmina de barbear.
Além disso, observou-se que as participantes do grupo controle eram mais propensas a utilizar antitranspirante regularmente após a remoção dos pelos, em comparação com o grupo “casos” (56% versus 50%), a usar antitranspirante exclusivamente (30% versus 24%) e a relatar a aplicação do produto dentro de uma hora após raspar (40% versus 36%).
Quanto ao uso de desodorantes, verificou-se que as pacientes do grupo “casos” eram mais propensas a relatar o uso exclusivo do desodorante em comparação com as participantes do grupo controle (43% versus 38%) e a aplicar o produto dentro de uma hora após raspar (49% versus 43%).
Análise estatística dos resultados mostrou não haver evidências de associação entre o risco da câncer e os fatores avaliados.
O segundo estudo, intitulado “Antiperspirant Use as a Risk Factor for Breast Cancer in Iraq”, foi conduzido no Iraque, publicado em 2006, e teve como objetivo avaliar a possível associação entre o uso de antitranspirantes e o câncer de mama, além de identificar outros fatores suspeitos. Mais uma vez, não foi encontrada ligação entre câncer e antitranspirante – de fato, neste estudo em particular, 82% das mulheres no grupo “controle” (isto é, sem diagnóstico de câncer) usavam antitranspirantes, contra 51,8% das participantes do grupo de “casos” (com câncer confirmado por biópsia).
Com base nessas duas pesquisas, constatou-se que uso do antitranspirante, se tem algum efeito sobre o risco de câncer de mama, é negativo – isto é, reduz o risco, em vez de aumentá-lo.
Entretanto, antes de tirar conclusões precipitadas, é necessário considerar várias limitações. Por exemplo, apenas dois estudos foram incluídos na análise, apresentando números substancialmente diferentes de casos (683 e 54, respectivamente), o que é insuficiente para uma revisão confiável. Além disso, existe a possibilidade de viés de recordação, ou seja, a precisão da “memória” das participantes sobre o uso de desodorantes e antitranspirantes, pode ter causado resultados errôneos.
A melhor conclusão possível é de que a revisão sistemática realizada não revelou nenhuma associação entre o uso de desodorantes/antitranspirantes e o risco de câncer de mama.
Embora tenham se passado oito anos desde a publicação desta revisão sistemática, seus achados continuam válidos. Com exceção de estudos in vitro e em animais, nunca foi comprovado um possível papel causal entre a utilização de desodorantes e/ou antitranspirantes e o câncer de mama.
Panelas e alimentos
Continuando na possibilidade de intoxicação por alumínio, é verdade que inúmeros alimentos, tanto in natura quanto ultraprocessados, contêm alumínio em sua composição, e que as panelas de alumínio soltam partículas durante diversas preparações, principalmente se forem utilizados alimentos ácidos, como molho de tomate.
Mas, antes de você decidir comprar uma panela de cerâmica, é preciso entender se essa ingestão é significativa.
No artigo “Determinação da dissolução de alumínio durante o cozimento de alimentos em panelas de alumínio”, cientistas avaliaram a ocorrência de migração de alumínio de três tipos de panela (caçarola, de pressão e frigideira), nas versões sem e com revestimento (Teflon), durante o preparo de sete alimentos (arroz, feijão, batata cozida, lagarto para carne de panela, bife de alcatra, macarrão e molho de tomate).
Como resultado, verificou-se que, com exceção da carne cozida e do molho de tomate, todos os demais alimentos crus apresentaram uma concentração de alumínio maior do que os cozidos.
No entanto, ao introduzirem as correções necessárias devido à variação no teor de umidade dos produtos (o quanto de água está presente em um alimento ou produto alimentício), constatou-se que houve uma migração média de 17,83 mg de alumínio por quilo de alimento para o molho de tomate, quando preparado em uma panela de alumínio não revestida. Na panela revestida, não houve migração, ou seja, o alimento não incorporou o metal, mas, em vez disso, houve perda durante o cozimento. Contudo, esse achado pode ser explicado por erros de análise.
A carne cozida, por apresentar vinagre em sua composição, apresentou uma migração média de 2,4 mg por quilo de alimento na panela polida, enquanto na panela revestida foi de 0,705 mg por quilo.
A carne frita, por sua vez, não apresentou incorporação de alumínio em nenhuma das panelas utilizadas. Resultados negativos para a migração também podem ter sido influenciados por erros analíticos.
No caso do arroz, constatou-se uma migração de 1,32 mg de alumínio por quilo na panela polida e 1,69 mg por quilo na panela revestida, sugerindo que, embora se trate de um alimento com baixa acidez, alguma substância ou particularidade em sua composição gerou esse aumento. Teoriza-se que isso possa ter ocorrido devido às condições de cozimento.
No cozimento de macarrão em panela sem revestimento, a migração de 0,755 mg por quilo foi 2,7 vezes superior à observada na panela revestida, enquanto os cozimentos de feijão e de batata apresentaram os menores valores de migração de alumínio.
Com base nos dados encontrados, os autores estimaram a quantidade de alumínio que poderia ser ingerida por refeição, decorrente da dissolução durante o cozimento de panelas com e sem revestimento.
Segundo o cenário sem revestimento, um adulto consumindo uma refeição composta por arroz (125 g), feijão (86 g), bife (64 g), batata cozida (175 g) e uma fruta estaria ingerindo aproximadamente 0,22 mg de alumínio decorrente do cozimento. Se, em outra refeição, esse mesmo indivíduo consumisse macarrão (105 g), molho de tomate (30 g) e carne cozida (90 g), a ingestão de alumínio seria de 0,83 mg.
Utilizando como referência o – antigo – limite sugerido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de 7 mg por semana por kg de peso corpóreo, o consumo de ambas as refeições (1,05 mg) em um único dia representa apenas 2% do limite tolerável de ingestão diária de alumínio para um adulto de 60 kg.
De acordo com o cenário com revestimento, as mesmas duas refeições resultariam em uma ingestão de 0,27 mg e 0,093 mg, respectivamente, ou seja, 0,605% do limite indicado.
Deixando as panelas na secadora, e tendo uma visão mais “geral” da exposição diária do alumínio, é relevante mencionar o artigo “Aluminum Poisoning with Emphasis on Its mechanism and Treatment or Intoxication”, uma revisão da literatura que, como o nome sugere, enfatiza principalmente o mecanismo de ação por trás da intoxicação e o tratamento dessa condição.
De acordo com os autores, existem diferentes formas de exposição ao alumínio, sendo a ingestão de alimentos e água potável as principais fontes. Enquanto a ingestão de alimentos contribui com 95% da ingestão diária, a água potável representa apenas 1% a 2%, resultando em uma ingestão diária total de 4.000 mcg a 9.000 mcg (microgramas) de alumínio. Um milhão de mcg fazem um grama.
Caso sejam utilizados antiácidos, isso pode aumentar a ingestão de alumínio para até 5.000.000 mcg por dia, ou 5 gramas.
A exposição diária ao alumínio no corpo também pode ocorrer por meio da inalação, podendo variar de 4 mcg a 20 mcg em condições normais e atingindo, em locais industriais, até 25.000 mcg
Por fim, a exposição a desodorantes que contêm alumínio pode aumentar a absorção desse metal no corpo para até 50.000 mcg a 75.000 mcg.
Fontes menos significativas de exposição ao alumínio incluem algumas vacinas. Por exemplo, a vacina de tétano pode conter 170 mcg por dose.
Para dar uma perspectiva sobre quanto alumínio podemos consumir em um único dia, consideremos a ingestão semanal provisória tolerável (PTWI) estabelecida pelo JECFA, órgão da Organização Mundial da Saúde, que sugere que o consumo de 2 mg por kg de peso corporal não deve causar efeitos adversos. Para uma pessoa hipotética de 60 kg, isso significaria que semanalmente ela poderia consumir 120 mg de alumínio. Se dividirmos por 7 dias na semana, teríamos um consumo diário provisório de até 17 mg, ou 17.000 mcg.
Caso essa pessoa hipotética consumisse 9.000 mcg, utilizasse desodorante (com uma estimativa de absorção de 0,012, contribuindo com mais 900 mcg), tomasse uma antitetânica e estivesse exposta à inalação, o total de alumínio ingerido no dia seria de 10,07 mg, o que estaria dentro dos limites considerados seguros.
Também podemos levar em conta a ficha informativa “Aluminum-ToxFAQs”, publicada pela Agency for Toxic Substances and Disease Registry (ATSDR), uma agência federal de saúde dos EUA. Esta ficha postula – em tradução livre:
“A exposição ao alumínio, geralmente, não é prejudicial, já que apenas quantidades muito pequenas de alumínio inaladas, ingeridas ou que entram em contato com a pele chegam à corrente sanguínea. Entretanto, exposições a níveis elevados, como as enfrentadas por trabalhadores que respiram grandes quantidades de poeira ou vapor de alumínio, podem resultar em problemas respiratórios, como tosse, e desempenho reduzido em alguns testes que medem funções do sistema nervoso. Esse alerta também se aplica a indivíduos com doenças renais, já que 95% da excreção do alumínio se dá por essa via. Essas pessoas podem acumular grandes quantidades do metal em seus corpos e, em alguns casos, desenvolver doenças ósseas ou cerebrais causadas pelo excesso de alumínio”.
Em outras palavras, o alumínio é tóxico e pode gerar problemas graves de saúde. Contudo, a chance de ocorrer intoxicação em uma pessoa que não trabalha ou vive em áreas onde o alumínio é minerado ou processado, que não consome regularmente antiácidos ricos em alumínio e que não tem problemas renais é extremamente baixa.
Outras doenças?
Estudos conduzidos in vitro, em animais e observacionais indicam uma correlação entre a presença de alumínio no cérebro de pacientes e doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson.
Por exemplo, Wang et al. (2016) publicaram um artigo intitulado “Chronic exposure to aluminum and risk of Alzheimer’s disease: A meta-analysis”, no qual realizaram uma revisão sistemática e metanálise de estudos epidemiológicos para examinar se, e em que medida, a exposição crônica – por exemplo, na água com alta concentração do metal, ou no local de trabalho – ao alumínio está associada ao risco aumentado de Alzheimer (AD).
Foi realizada uma busca na literatura a respeito dos estudos epidemiológicos mais relevantes publicados até junho de 2015.
Foram encontrados oito estudos considerados adequados para a análise, todos avaliados como de alta qualidade metodológica. Entre as principais características, o tamanho das amostras variou de 340 a 2.698 voluntários, somando um total de 10.567 participantes. A duração do acompanhamento dos estudos de coorte – que seguem a evolução de um grupo ao longo do tempo – variou de 8 a 48 anos.
Os dois principais tipos de exposição ao alumínio analisados foram a ingestão de água potável (definida por uma concentração igual ou superior a 100 mcg/L) e a exposição ocupacional.
Após a realização da metanálise, calculou-se que as pessoas expostas cronicamente ao alumínio têm 71% mais chance de desenvolver Alzheimer.
Entretanto, como o diabo mora nos detalhes, há algumas limitações que precisam ser colocadas em perspectiva.
Por exemplo, os autores salientam que não conseguiram considerar todos os relatos de exposição ao alumínio, incluindo água potável, exposição ocupacional, medicamentos, alimentos processados, vacinas, loções de proteção solar, desodorantes e outras fontes, especialmente onde havia estudos insuficientes para algumas categorias de exposição.
Também não consideraram relações de dose-resposta, o que me parece ser uma limitação bastante significativa.
Por fim, é importante salientar que estudos observacionais só conseguem traçar correlações, e não causalidade. Mesmo que os autores tenham utilizado estudos que sugerem essa relação, pode haver fatores de confusão não medidos – ou desconhecidos – que interferiram nos resultados.
Seguindo essa mesma linha de estudos observacionais, Yenugadhati, N. et al. publicaram um artigo intitulado “Association between aluminum in drinking water and incidente Alzheimer’s disease in the Canadian Study of Health and Aging cohort”, no qual examinaram a associação entre a concentração de alumínio na água potável e o risco de incidência de Alzheimer. A pesquisa foi realizada por meio de análises da coorte do Canadian Study of Health and Aging, um estudo sobre a epidemiologia da demência no Canadá, que acompanhou mais de 10.000 idosos canadenses (65 anos ou mais) ao longo de um período de dez anos (1991–2001).
A coorte foi formada por dois grupos: uma amostra aleatória da comunidade (9.008 participantes) e uma amostra não aleatória de instituições de cuidados de longo prazo (1.255 participantes), resultando em um total de 10.263.
Para analisar a concentração média de alumínio presente na água potável dos participantes, a localização de suas residências foi vinculada à estação de tratamento ou distribuição de água local, possibilitando a obtenção de dados sobre o pH, as concentrações médias de alumínio, flúor, sílica e ferro para o período de 1980 a 2000.
O nível de exposição de cada participante foi obtido calculando-se uma média anualizada, ponderada pelo tempo de residência em cada local durante o período de 1980 a 1991. Contudo, como os dados de qualidade da água não puderam ser obtidos para todos os anos de alguns indivíduos, uma estimativa de exposição foi realizada quando havia informações suficientes. Caso não houvesse uma quantidade mínima de informações, os participantes não receberam uma estimativa.
Uma série de cuidados foi tomada para considerar fatores de confusão como diferenças de idade, estilo de vida (tabagismo, alcoolismo, sedentarismo, histórico de problemas cardíacos). Os autores aplicaram técnicas estatísticas sofisticadas para extrair o máximo de informação dos resultados.
Este estudo é considerado a avaliação mais abrangente da relação entre alumínio na água potável e Alzheimer já realizada. Resultado: concentrações mais altas de alumínio na água potável residencial não foram associadas a um aumento significativo do risco de Alzheimer. No entanto, observou-se uma tendência de o risco elevar-se de acordo com níveis mais elevados de ingestão de alumínio.
Como o alumínio na água potável representa apenas 0,008% a 0,8% da exposição diária total, é essencial considerar todas as fontes de alumínio ao avaliar o risco de Alzheimer.
Essa perspectiva reforça uma mensagem que já se tornou comum neste espaço: dentro das concentrações consideradas seguras, o alumínio parece ser… seguro, ao menos no caso de pessoas saudáveis. Embora esse entendimento possa evoluir, são necessários estudos epidemiológicos mais robustos que minimizem variáveis de confusão. Dessa forma teremos mais uma peça nesse interminável quebra-cabeça que são as doenças neurodegenerativas e o real papel do alumínio.
* Mauro Proença é nutricionista e colaborador da Revista Questão de Ciência, onde este artigo foi originalmente publicado