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De arma biológica a analgésico: o lado B da antraz

Pesquisadores encontram componente não letal da toxina que atua nos neurônios sinalizadores da dor e pode possibilitar a criação de tratamentos para doenças

Por Maria Fernanda Ziegler, Agência FAPESP
2 fev 2022, 10h49

Quando submetidas a ambientes hostis, as bactérias da espécie Bacillus anthracis desenvolvem esporos ricos em uma toxina conhecida como antraz – capaz de causar úlceras na pele, problemas gastrointestinais e respiratórios nos indivíduos expostos, levando à morte em poucas horas. Graças a esse potencial letal, o antraz foi transformado em arma biológica.

Mas os dias de vilão do antraz podem estar contados. Em estudo recentemente publicado na revista Nature Neuroscience, pesquisadores da Universidade Harvard (Estados Unidos) e da Universidade de São Paulo (USP) mostraram que um componente não letal da toxina tem alto poder analgésico e atua diretamente nos neurônios sinalizadores da dor. Por se ligar a um receptor desses neurônios, esse pedaço do antraz pode ainda ser usado como um carreador capaz de levar outras substâncias analgésicas até as células neuronais.

“Não era esperado que o antraz pudesse ter efeito analgésico diretamente nos neurônios da dor. Isso ocorre porque um dos receptores das células neuronais relacionadas à dor tem alta afinidade com essa toxina. A ideia agora é usar esse pedaço não letal da toxina e associá-lo a outras substâncias para obter um efeito específico nos neurônios. Em tese, ele pode ser usado como um carreador para transportar compostos ativos até essas células neuronais, que costumam ser difíceis de serem alcançadas”, explica Thiago Mattar Cunha, integrante do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) e coautor do estudo.

O CRID é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).

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Os experimentos descritos no artigo foram realizados em camundongos, em vários modelos de dor crônica, neuropática, inflamatória e de diferentes patologias. “A expectativa é que, com mais estudos, seja possível no futuro produzir um novo tipo de analgésico, contendo uma parte da toxina antraz que atue de maneira mais específica nesse tipo de neurônio. Com isso, o medicamento poderia ser usado para diferentes dores patológicas que, infelizmente, não respondem a outros medicamentos”, diz.

A parte que não mata

A toxina presente nos esporos da B. anthracis é composta por três proteínas diferentes: a edema factor (fator de edema), a lethal factor (fator letal) e a PA (antígeno protetor, na sigla em inglês). Esta última funciona como uma chave que se liga ao receptor das células e é capaz de internalizar diferentes toxinas. Como um grande colar de contas, as três proteínas que formam o antraz também podem se ligar umas às outras, em duplas, formando um pedaço do que é o antraz. Como a PA sozinha não tem efeito biológico, os pesquisadores utilizaram no estudo a combinação dessa proteína com o fator de edema, que também não mata.

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“Além de descobrir que a PA se ligava aos receptores das células neuronais relacionadas à dor, constatamos que, quando a PA e o fator de edema são associados e injetos na via intratecal [no cérebro] dos camundongos, o composto chega ao gânglio da raiz dorsal, onde estão os neurônios relacionados à dor. E observamos que isso produzia analgesia”, conta Cunha.

Tanto a equipe em Harvard quanto a de Ribeirão Preto realizaram vários experimentos para comprovar esses efeitos analgésicos e demonstrar que a PA estava transportando a toxina para dentro dos neurônios. “Ainda não sabemos exatamente qual é o mecanismo, o mais provável é que ocorra um bloqueio. Geralmente, o neurônio sensitivo na medula espinhal se conecta [forma uma sinapse] a outro neurônio para que ocorra a transmissão da informação dolorosa até o sistema nervoso central. E, pelo que observamos, esse composto impede essa sinapse, evitando assim a dor”, explica.

Além da associação da PA com o fator de edema, os pesquisadores também realizaram experimentos com diferentes compostos. Em um dos testes, a PA foi combinada à toxina botulínica, produzida pela bactéria Clostridium botulinum e usada em um procedimento estético conhecido como botox. Desse modo, os pesquisadores demonstraram que a PA fazia a “entrega” da toxina botulínica diretamente para as células neuronais relacionadas com a dor.

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“Isso demonstra a capacidade da PA de transportar uma grande variedade de substâncias, drogas e outras toxinas até os neurônios relacionados à dor, o que no futuro pode abrir um leque grande de novos analgésicos, para diferentes tipos de patologia, que atuem diretamente nos neurônios sinalizadores da dor”, avalia o pesquisador.

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