PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana
Continua após publicidade

Criação muito rígida pode provocar graves efeitos emocionais nos filhos

Estudos revelam que o autoritarismo extremado dos pais afeta áreas do cérebro, com consequências duradouras

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 4 jun 2024, 13h53 - Publicado em 7 Maio 2021, 06h00

Em tese, todo pai quer o melhor para seu filho. Os problemas começam quando esta saudabilíssima ambição se torna um instrumento de controle ditatorial da vida das crianças, em que sua autonomia — sim, elas têm vontades próprias, que precisam ser ouvidas — acaba sendo sumariamente suprimida para dar espaço àquilo que os pais julgam ser o melhor caminho. Quando o autoritarismo extremado ocorre repetidamente e por muitos anos, as consequências podem ser graves. Uma pesquisa de médicos canadenses publicada agora pela Universidade de Cambridge mostra que adolescentes criados por pais rígidos — e rigidez, aí, não significa necessariamente abusos físicos — apresentam redução significativa em duas estruturas cerebrais fundamentais para a regulação das emoções, o córtex pré-frontal e a amígdala cerebelosa, e esse efeito os deixa mais propensos a desenvolver transtornos da mente. “A longo prazo, a recorrência do chamado stress tóxico na fase mais vulnerável do crescimento pode levar ao aumento de problemas de relacionamento, baixa autoestima e, em situações extremas, até dependência química”, alerta a neuropediatra Liubiana Arantes de Araújo, presidente do departamento de desenvolvimento da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Na psicologia, educação autoritária é aquela caracterizada por comportamentos excessivamente controladores, à base de grito, diálogos agressivos e repressão das emoções. A locutora Ida Nuñez, 65 anos, recorre à terapia há quase quarenta anos para lidar com as marcas de sua infância e adolescência, quando a mãe, por quem foi criada, tinha a incontestável última palavra sobre tudo dentro de casa. Aos 19 anos, sem estrutura financeira e psicológica, Ida se casou para se libertar — e entrou em mais um relacionamento abusivo. “Estou divorciada, mas percebo que sempre me envolvi com pessoas parecidas com a minha mãe. Isso é reflexo da minha criação, porque aprendi a associar amor e cuidado a controle”, explica. Famosos de personalidades tão díspares quanto o escritor Franz Kafka e o cantor Michael Jackson (veja abaixo) relataram seu sofrimento nas mãos de pais ultraexigentes e empenhados em desmerecê-los e puni-los. Esse tratamento não impediu que seu talento artístico viesse a se manifestar, mas os transformou em adultos mais infelizes e inseguros.

As pesquisas mostram que adolescentes criados sob regras rígidas e inflexíveis costumam ser introspectivos e ter mais dificuldade de se relacionar socialmente. Em muitos casos, adotam uma vida dupla: em casa, obedecem aos pais sem discutir, mas da porta para fora fazem tudo o que eles jamais permitiram. O carioca Nikholas Antunes, de 19 anos, conta que, revoltado com as leis paternas que o impediam de se encontrar com os amigos e de jogar videogame, entre outros vetos, começou a consumir bebidas alcoólicas aos 15 anos e chegou a adotar comportamentos de risco. “Ele queria impor o estilo de vida dele, não tinha conversa. Quando cheguei à adolescência, fazia tudo escondido. Foi uma válvula de escape na época, mas hoje vejo como me coloquei em perigo”, diz Antunes, que não mora mais com os pais. A terapeuta familiar Ana Cristina Fróes explica que, se o filho não encontra nos pais um porto seguro, é natural que ele comece a mentir e omitir para evitar conflitos. “Querer mandar em escolhas de amizade, profissionais e amorosas configura abuso psicológico. É uma forma de negar os desejos dos filhos e maltratar suas decisões”, afirma.

Não são só os pais autoritários que marcam de forma negativa a vida adulta dos filhos — os permissivos, que dizem sim a tudo, e os negligentes, que não lhes dão a atenção devida, também não contribuem para que se ergam bons pilares emocionais. Na criação da prole, a psicologia recomenda o que chama de modelo democrático, também chamado de autoridade afetiva, o único que estimula um desenvolvimento positivo. O princípio é o estabelecimento de regras e limites aliado à comunicação e ao afeto. Para o psiquiatra Lino de Macedo, do comitê científico do Núcleo Ciência pela Infância, não se trata de fazer todas as vontades dos filhos, mas de estar disposto a explicar as negativas e praticar o diálogo. “Se a criança recebe estímulos neurológicos que suscitam o medo, a ameaça, a dor, ela tende a não ter um amadurecimento saudável”, adverte Macedo. A pedagoga Larissa Mendes, 25 anos, teve uma infância turbulenta, repleta de sermões e castigos sem nem sequer entender o motivo. “Meus pais queriam impor respeito pelo medo e eu acatava para evitar uma reação agressiva. Eles não me viam como um ser humano completo e diferente deles, que tinha opiniões próprias”, relembra. Hoje mãe de Ravi, de 4 anos, ela faz tudo ao contrário: preza as manifestações de afeto e acha bom vê-lo questionar suas regras. Ter autoridade sem ser autoritário — esta é a linha fina a ser entendida e decorada no manual de criação de filhos.

Fama misturada com angústia

Artistas e intelectuais criados por pais excessivamente autoritários, que depreciavam suas habilidades, falaram de seu sofrimento em cartas e entrevistas. Alguns deles:

Continua após a publicidade
Vincent Van Gogh (1853-1890) -
Vincent Van Gogh (1853-1890) – (Universal Images Group/Getty Images)

Vincent Van Gogh (1853-1890)
O pintor penou com a falta de afeto e aceitação dos pais, que não valorizavam seu talento e chegaram a jogar alguns desenhos seus no lixo.

Franz Kafka (1883-1924) -
Franz Kafka (1883-1924) – (Bettmann/Getty Images)
Continua após a publicidade

Franz Kafka (1883-1924)
A Hermann, descrito como um tirano em casa, autoritário, dominador e mestre em despertar medo, o escritor dedicou Carta ao Pai

Michael Jackson (1958-2009) -
Michael Jackson (1958-2009) – (Time Life Pictures/Getty Images)

Michael Jackson (1958-2009)
O filho mais famoso de Joe Jackson foi alvo de cobranças excessivas, xingamentos e bullying. Adulto, ele rompeu relações com o pai

Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.