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Covid-19: o que diz a ciência sobre critérios para reabertura dos países

As vacinas e os cuidados sanitários, atrelados ao monitoramento de casos e a medidas mais restritivas se necessárias, estão decretando o fim da pandemia

Por Cilene Pereira, Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h09 - Publicado em 10 dez 2021, 06h00
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  • Como ensina a história das pandemias, um dia elas acabam. Foi assim com o desastre causado na Europa pela peste bubônica em 1347 e depois em Londres, em 1665. Foi assim com o flagelo da cólera e da varíola, nos séculos XVIII e XIX. A gripe espanhola, de 1918 e 1920, teve três ondas — a do meio foi a mais mortal —, mas passou. Houve avanços e recuos na evolução de todas elas. Exatamente como ocorre agora no enfrentamento da Covid-19, a doença que nos últimos dois anos somou 268 milhões de casos e matou 5 milhões de pessoas. Quando parecia que o pesadelo se encaminhava para o final, o mundo primeiro foi surpreendido pela subida de casos na Europa, atrelados à variante delta. Depois, houve a identificação de uma outra cepa de coronavírus, a ômicron, classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “preocupante”, por ser muito transmissível e apresentar risco de escape de vacinas. É compreensível — e esperado — que esses eventos despertem incertezas e a incômoda sensação de ignorância.

    ABERTO - Torcedores do Atlético-MG no Mineirão lotado: faltou colocarem as máscaras, que são compulsórias -
    ABERTO - Torcedores do Atlético-MG no Mineirão lotado: faltou colocarem as máscaras, que são compulsórias – (Bruno Sousa/CAM/.)

    É difícil, por exemplo, compreender por que na Alemanha as restrições sanitárias voltaram a ser impostas com rigor, com estádios de futebol sem público e ruas vazias, enquanto no Brasil mais de 60 000 torcedores lotaram o Mineirão, em Belo Horizonte, para ver o Atlético Mineiro erguer a taça de campeão brasileiro no domingo 5. A crise sanitária é tragédia mundial, mas convém olhar com zelo para os diferentes cenários em distintas regiões do mundo — o Brasil e a Alemanha vivem momentos diferentes na curva de casos e mortes. Por isso, abrir ou fechar é indagação inescapável, e só há resposta no conhecimento, no aprendizado, nas certezas científicas. São elas, no avesso das falsas impressões que proliferam como vírus pelas redes sociais, que determinam a abertura ou o fechamento das atividades em meio a tantas oscilações.

    arte ômicrom África

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    A chave para assimilar esse vaivém — e olhar um pouquinho para a frente, com cautela — é saber que, neste momento, a pandemia atravessa uma etapa tão essencial quanto inexorável: a transição entre o período de eclosão de casos e variantes e a etapa na qual a Covid-19 se tornará uma doença endêmica, como é a gripe. Esse desfecho é dado como certo pela comunidade científica. A previsão está embasada no que já se sabe sobre o desenvolvimento de outros vírus respiratórios e na evolução específica do SARS-CoV-2, o coronavírus causador da doença. Como os agentes infecciosos que o precederam, o coronavírus provavelmente buscará o equilíbrio entre letalidade e sobrevivência. “O vírus não quer jogar alguém na cama e adoecê-lo a ponto de correr o risco de não ter mais ninguém para infectar”, explica o biólogo evolucionista Trevor Bedford, da Fred Hutchinson Cancer Research Center, nos Estados Unidos. Ressalte-se, ainda, que o microrganismo que parou o mundo tem velocidade menor de mutações quando comparado com outros vírus recentes. “Um típico SARS-CoV-2 acumula apenas duas alterações genéticas por mês”, diz a epidemiologista molecular Emma Hodcroft, da Universidade de Basel, na Suíça. “É a metade do ritmo em que ocorrem mutações do Influenza, o vírus da gripe, e apenas 15% da velocidade de mudanças manifestada pelo HIV, responsável pela aids.”

    Contudo, as informações que brotam em laboratórios nem sempre chegam às ruas com a clareza necessária (por isso, é razoável esperar que ocorram sobressaltos). A essa altura, ninguém gostaria de deparar com a notícia de uma variante potencialmente muito mais transmissível e talhada para escapar de vacinas se espalhando como pólvora pelo mundo. Entretanto, o surgimento da ômicron, não custa lembrar, nada tem de surpreendente. Era esperado. É duro, mas é assim. A partir de agora, até que o vírus circule sem tanto dano, caberá à humanidade, uma vez mais, guiar-se pela ciência — e em tudo o que ela já demonstrou até aqui nesta luta.

    ESTULTICE - Protesto contra as vacinas na Bélgica: manifestação que não leva em conta a eficiência da imunização -
    ESTULTICE - Protesto contra as vacinas na Bélgica: manifestação que não leva em conta a eficiência da imunização – (Kenzo Tribouillard/AFP)

    Os movimentos de sístoles e diástoles, de aberturas e fechamentos, continuarão a acontecer. Não há uma solução global única, que sirva a todos. O enfrentamento da Covid-19 pressupõe ajustes finos, muitas vezes dentro de um mesmo país, como é o caso do Brasil, adequados a cada realidade e aplicados quase que diariamente. “Temos de repensar sempre as regras de reabertura”, afirma Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde. “Não dá para achar que uma decisão é definitiva.” Esse cuidado de customizar as ações é imprescindível. “A pandemia está completamente desigual no mundo”, diz o infectologista Evaldo Stanislau, assistente-doutor da Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. “Temos conhecimento e recursos para combater o vírus. O que inexiste é vontade pública e política para adotarmos corretamente as iniciativas necessárias.” Ele tem razão.

    FALTOU VACINA - Na África do Sul: a escassez de imunizantes fez aumentar as hospitalizações causadas pela ômicron -
    FALTOU VACINA - Na África do Sul: a escassez de imunizantes fez aumentar as hospitalizações causadas pela ômicron – (Shiraaz Mohamed/AP/Imageplus/.)

    De fato, faltam nitidez e coerência nas motivações das autoridades — que invariavelmente têm cunho político e eleitoreiro. Se jogos de futebol lotados podem acontecer, por que não festas de réveillon? Quais os critérios considerados para permitir um evento e não outro? Aí começa a confusão. Não da ciência, insista-se, mas dos responsáveis pelo gerenciamento das medidas. O Brasil, felizmente, encontra-se em uma boa situação epidemiológica. Ostenta um invejável índice de vacinação — 64% da população imunizada totalmente — e média móvel de mortes em queda consistente. Além disso, a situação da maioria dos estados hoje atende a outras variáveis que servem de referência para algum relaxamento. Os critérios variam de acordo com a unidade da federação. Em São Paulo, por exemplo, são considerados como recurso de aferição da pandemia a média da taxa de ocupação de leitos de UTI exclusivas para pacientes infectados, o número de novas internações no mesmo período e as mortes. Em Pernambuco, observam-se as curvas de contaminação e de morte. No Amazonas, as etapas da reabertura basearam-se na disponibilidade de leitos, na taxa de transmissão e nos óbitos pela doença na capital, Manaus. Embora com alto grau de variação, todos eles estão dentro da cartilha científica. A questão é acompanhar com racionalidade a evolução dos números e tomar medidas mais restritivas quando necessárias.

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    arte Vírus

    Nada autoriza, para ficar em um exemplo, a realização de eventos com aglomeração sem que as pessoas usem máscaras. A queda condicionada da obrigatoriedade de uso do acessório de proteção em locais abertos está condicionada à taxa de vacinação, e apenas quando a cobertura vacinal completa alcançar 90% da população é que deveríamos ver rostos descobertos em locais de grande fluxo, sem nenhum distanciamento. Em tese, portanto, os torcedores do Atlético Mineiro poderiam ter lotado o Mineirão porque está escrito que, dentro do estádio, as máscaras seriam compulsórias. Entretanto, dezenas, centenas, milhares de pessoas abandonaram o equipamento de proteção — cena, aliás, que se viu durante a Eurocopa, em julho.

    A grande chave é acertar o tom da reabertura, algo que deve ser baseado sempre em estatísticas e feito por etapas. Nesse aspecto, há algum bom senso no cancelamento das festas de Ano-Novo anunciado por dezesseis capitais brasileiras, incluindo São Paulo. A rigor, as celebrações nem sequer deveriam ter sido agendadas. Não pela ameaça de um novo surto, que não deve acontecer, mas por uma questão de equilíbrio, de retomada com cautela. Depois de anunciar a suspensão da tradicional queima de fogos na Praia de Copacabana na virada do ano, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, voltou atrás e, na quinta-feira 9, informou que a festa vai ocorrer. Um dia antes, o comitê científico que assessora o governo do estado permitiu a comemoração, desde que sejam adotadas medidas para evitar aglomerações. Mas, afinal, quem de fato acredita que não haverá uma multidão sem máscara na noite do réveillon? E se essa falta de cuidado se transformar em aumento do número de casos e mortes? Então, não seria melhor, por hipótese, liberar antes as máscaras em lugares como shop­pings, fechados mas nos quais as pessoas mantêm algum distanciamento? O teste com grandes multidões, sem dúvida, não é recomendável neste momento.

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    EXCESSO - Desembarque nos Estados Unidos de coreanos com roupas especiais: um exagero desnecessário -
    EXCESSO - Desembarque nos Estados Unidos de coreanos com roupas especiais: um exagero desnecessário – (Frederic J. Brown/AFP)

    A chegada da ômicron, por outro lado, apertou os nós e provocou reações em cadeia (algumas excessivas, como a de passageiros que circulam em aeroportos internacionais como se fossem à Lua). Na Europa, que já sofria elevação de casos com a variante delta, medidas rígidas foram adotadas. A Áustria e a Alemanha anunciaram lockdown e restrições aos não vacinados. Tudo certo. A questão é que no Brasil, neste momento e nas condições atuais, nenhuma histeria é justificável. Embora a ômicron já esteja presente em mais de cinquenta países, a boa notícia em relação à variante é que há sinais de que ela pode ser bem menos agressiva do que se temia. O infectologista Anthony Fauci, conselheiro do governo americano na pandemia, disse estar “cautelosamente otimista” depois de ver dados preliminares sobre os efeitos da cepa. Fauci, que concedeu entrevista às Páginas Amarelas de VEJA em abril, referiu-se não só às indicações de baixa letalidade da variante, mas às primeiras informações sobre o efeito das vacinas contra ela.

    PASSAPORTE - Controle na Itália: apenas cidadãos comprovadamente imunizados podem usar o transporte público -
    PASSAPORTE - Controle na Itália: apenas cidadãos comprovadamente imunizados podem usar o transporte público – (Giuseppe Lami/EPA/EFE)

    Na terça-feira 7, a farmacêutica Pfizer divulgou resultados indicando que três doses da vacina produzida por ela neutralizam a ômicron. Não pode haver dúvida, os imunizantes são as balizas que nos guiarão ao fim da pandemia — e soa absurda a proliferação de protestos contra as doses. Na África do Sul, a maioria dos internados por causa da ômicron, por exemplo, não está imunizada. Não por acaso, na Europa e nos Estados Unidos, os passaportes de vacina ganharam nova tração.

    Eis o novo mundo, o tal novo normal. Na Itália, o passe verde é usado para acessar escolas, universidades, ambientes de trabalho e transporte público. Mais de 145 milhões de certificados foram emitidos. No Brasil, se a voz da razão fosse ouvida pelas autoridades federais como se deve, protocolos nacionais exigindo a apresentação dos comprovantes de vacinação estariam na rotina. Infelizmente, porém, o presidente Jair Bolsonaro prefere continuar surdo à sensatez. A determinação de que o Brasil não deve exigir passaporte vacinal pode nos levar a uma situação bizarra: a atração de turistas que se recusam a receber vacinas, como se fôssemos um paraíso para negacionistas. Soa inaceitável aos olhos de quem segue a ciência — que, os fatos assim mostram, tem nos conduzido com muita competência até aqui.

    Giro VEJA: Bolsonaro alimenta novela do passaporte da vacina com ataque a Doria

    Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2021, edição nº 2768

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