Cientistas brasileiros rejuvenescem neurônios humanos em 30 anos
Em estudos realizados no Canadá, medicamento da startup Aptah Bio recuperou célula doente em paciente de Alzheimer através de tecnologia usada em vacinas
Apesar de ser descrita pela primeira vez em 1978, a manipulação do RNA mensageiro (RNAm) ganhou seu devido destaque no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Mas essa promissora tecnologia vai além da elaboração de vacinas. Algumas delas avançam em estudos para finalidades terapêuticas.
Esse movimento, que envolve farmacêuticas, universidades e healthtechs, engloba medicamentos tanto para doenças menos prevalentes como para quadros crônicos e frequentes. Na lista das pesquisas constam degeneração macular, distrofias musculares, polineuropatia e até hipertensão e colesterol alto.
Fora isso, existem mais de vinte vacinas terapêuticas contra o câncer em fase de testes, para tipos como melanoma (pele), pulmão e intestino. Sem contar a aplicação em toda uma linha de imunizantes muito além da Covid-19, passando por influenza, citomegalovírus, chikungunya, zika e raiva. Enfim, há muita coisa por vir…
É nesse meio que se encontra a startup brasileira Aptah Bio. Fundada em 2018, suas pesquisas são focadas nas ruptura das fitas do nosso DNA, que, com o avançar da idade e hábitos pouco saudáveis, podem sofrer danos que culminam em doenças neurodegenerativas e perniciosas como Alzheimer e glioblastoma multiforme, o tipo mais comum de câncer cerebral. A ideia é desenvolver tratamentos à base de RNA capazes de tratar situações assim.
Pois o último feito da Aptah Bio parece saído de um livro de ficção científica: a equipe de cientistas rejuvenesceu, com sucesso, neurônios humanos em aproximadamente trinta anos com apenas sete dias de tratamento. Os testes in vitro, isto é, em culturas de células, foram realizados no Canadá com neurônios de dois pacientes idosos, um saudável, outro com Alzheimer. Em ambos casos, o medicamento recuperou as funções fisiológicas comprometidas pela doença.
“Trata-se de algo inédito na ciência. O nosso medicamento regula e controla a produção de todas as proteínas do organismo. Estamos falando de mais de 100.000 proteínas diferentes”, afirma o cientista-chefe da startup, Caio Leal.
Por dentro do experimento
Nos estudos, foram usados mais de 3.000 neurônios dos pacientes com Alzheimer, ambos com cerca de 75 anos de idade. “Conseguimos não só rejuvenescer a célula saudável de um idoso, como recuperar uma célula doente, devolvendo a capacidade funcional e tornando-a saudável novamente”, comemora Rafael Bottos, CEO e cofundador da Aptah Bio.
Para comprovar o feito, analisaram-se as sinapses dos neurônios submetidos ao medicamento. Durante 108 dias, foram feitas avaliações eletrofisiológicas, ou seja, que medem as propriedades elétricas de células e tecidos. “Comprovou-se um aumento de 40% de sinapses dos neurônios doentes”, observa Caio.
Erro e reparo
Para um estudo comparativo, a Aptah selecionou dentro da amostra de neurônios fitas de RNAm que produzem quatro tipos de proteínas diretamente ligadas ao desenvolvimento do Alzheimer. No paciente idoso saudável, não houve alteração significativa. Já nas células doentes, houve uma recuperação do tamanho desse RNAm, deixando de produzir a forma tóxica das proteínas e recuperando sua função original.
“Além disso, análises em neurônios saudáveis comprovaram que o medicamento é benéfico para as células. Nossa droga só corrige o erro onde ele existe, sem impactar as células saudáveis”, explica Bottos.
O processo de limpeza dessas células tóxicas, contudo, não acontece de um dia para o outro. Leia-se: no caso de doenças degenerativas, um tratamento futuro com essa molécula será possivelmente de uso contínuo. “A expectativa é que, além do Alzheimer, a droga criada pela Aptah Bio também seja indicada para tratar demência frontotemporal, distúrbio enfrentado pelo ator Bruce Willis, e ELA, esclerose lateral amiotrófica, entre muitas outras”, completa o CEO da companhia.
Com as boas notas nos testes em laboratório, a medicação à base de RNAm seguirá para pesquisas com animais e, se os resultados forem bem-sucedidos, os estudos clínicos em humanos. Assim, apesar da animação, é preciso ponderar as expectativas — o trabalho ainda não foi publicado em revistas internacionais revisadas por pares nem apresentado em congresso da área.
De qualquer forma, um passo foi dado diante de uma doença ainda sem cura e tratamento efetivo que aflige milhões de lares pelo mundo. Só no Brasil estima-se que o Alzheimer afete mais de 1 milhão de pessoas.