Chia, linhaça e quinoa: o cardápio ‘milagroso’ do emagrecimento
As sementes cultivadas na era pré-colombiana são um dos modismos alimentares do momento. Há também o edamame, o farro, a dieta ayurvédica...
Você já incorporou a linhaça ao café da manhã e até experimentou algum prato com quinoa? Pois corra para se atualizar com os novos modismos dietéticos, os alimentos ou regimes inteiros que parecem surgir do nada, embora alguns com muitos milhares de anos de uso histórico, e entram no cardápio dos que não resistem à possibilidade de comer para ficar jovem, saudável e magro. Ou seja, todos nós vamos acabar experimentando a semente de chia, inclusive os que não conseguem abrir mão da picanha com gordurinha. A chia vem de um tipo de erva parecido com a sálvia, nativa de regiões onde hoje ficam áreas do México e da Guatemala em que antes da chegada dos conquistadores espanhóis se sucederam civilizações gloriosas, misteriosas e eventualmente autodestrutivas. Mas vamos ficar no perfil nutricional da chia: tem quase o dobro de proteínas da parente nativa americana quinoa, é mais rica em substâncias antioxidantes do que a badalada blueberry, vem cheinha de ômega 3 e é pouco calórica – apenas 60 calorias por colher. “Ela também tem muita fibra, material que absorve água no estômago, se expande e promove uma sensação de saciedade”, explica o nutrólogo Daniel Magnoni, do Hospital do Coração de São Paulo. “Por causa dessa sensação, come-se menos; mas não dá para creditar à chia o ‘milagre’ do emagrecimento”, acrescenta, com a ponta de exasperação dos profissionais do ramo diante da eterna busca por alimentos “milagrosos”.
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Mas a sementezinha conquistou os modernos e já chegou ao cardápio de restaurantes de espírito vanguardista como o paulistano Marakuthai, tocado pela chef Renata Vanzetto, de apenas 23 anos. “Gosto mesmo nem dá para sentir”, reconhece Renata, conquistada pelo fator crocância e, claro, pelo modismo. A chef salpica as sementes de chia em saladas e pães. No restaurante carioca Celeiro, marco zero da combinação de comidas saudáveis e pessoas bonitas, os pratos com chia fizeram tanto sucesso que quase saíram do cardápio. “Depois que entrou na moda, o quilo passou de 40 para 80 reais”, explica a proprietária, Rosa Herz. Em termos nutricionais, quinoa, linhaça e chia são bem parecidas, mas cada uma tem um apelo especial. O da linhaça, ou semente de linho, é a lignana, substância que tem um papel na produção de hormônios e nas barreiras de resistência do sistema imunológico. A andina quinoa é uma parente mais nutritiva do arroz, o que permite que entre como substituta em risotos. No caso, quinotos.
O mais importante alimento que saiu do continente americano para o mundo, a batata, levou quase dois séculos para ser aceito, adaptado e cultivado na Europa, onde teve efeitos espetaculares sobre o aumento populacional. Hoje, evidentemente, as novidades alimentares se sucedem com muito mais rapidez. Alguém ainda se lembra da tristemente chamada ração humana? Todo mundo ainda está experimentando ou já passou a onda do óleo de coco, consumido ao natural ou em pílulas? Registre-se que o óleo do momento é o de abacate. E que não soa estranho pedir num restaurante badalado um prato com edamame ou farro. Vindo da culinária japonesa, o edamame, grão da soja verde com valor nutricional similar ao do feijão, já cruzou as fronteiras culinárias e aparece em pratos modernos como o “ovo perfeito” do restaurante paulistano Miya – o ovo usa a técnica moderna da cocção prolongada para deixar gema e clara com a textura parecida. O farro tem carga histórica mais poderosa: era um tipo de trigo usado como ração básica dos soldados romanos, que faziam uma espécie de polenta com ele. Por ter uma colheita mais trabalhosa, foi substituído pelo trigo convencional, mas sobreviveu em regiões da Itália e foi redescoberto por restaurantes moderninhos como o Spot, em São Paulo.
“Tudo isso faz parte do meu cardápio há anos”, diz a estudante de nutrição Bela Gil, filha do cantor Gilberto Gil. “Também como muita bardana, raiz de lótus, painço e amaranto.” Descobrir e criar receitas naturebas rendeu-lhe um trabalho em Nova York, onde mora há seis anos. “Dou aulas de culinária em casa. Ensino a fazer pratos como risoto integral com alga e salada de quinoa vermelha com abóbora”, diz. Os pais dela, Gil e Flora, que emagreceu 10 quilos com as receitas da filha, são “seguidores xiitas da macrobiótica”, uma das dietas precursoras dos orientalismos culinários. Aos 15 anos, Bela começou a praticar ioga e se interessou pelos preceitos da alimentação ayurvédica, cujas raízes remontam aos primórdios da civilização indiana, misturando conhecimentos tradicionais e crenças em forças ou energias não reconhecidas pela ciência. O pilar central dessa dieta é a divisão das pessoas em três grupos, cada qual com necessidades alimentares diferentes. A culinária indiana tem ingredientes reconhecidamente positivos. “O curry e a cúrcuma, alguns de seus temperos clássicos, ajudam a prevenir alguns cânceres, como o de intestino”, diz Salete Brito, nutricionista do Hospital das Clínicas da Unicamp. Em compensação, a Índia é uma das campeãs de cânceres de boca, laringe e estômago devido ao consumo do paan, uma espécie de embrulhinho que leva sementes de um tipo de palmeira, tabaco e especiarias, mastigado como se fosse chiclete. Os seguidores da alimentação ayurvédica não o consomem. Bela já perdeu a conta das vezes em que foi parada em alfândegas por levar raízes e algas na mala. “Não consigo ficar sem; mas não é nada doentio”, conta. A obsessão pela alimentação saudável é considerada uma doença, a ortorexia, e leva a distorções nutricionais e psicológicas. Mas uma pitadinha de chia num risoto de quinoa enfeitado com edamame definitivamente mal não faz. Ele pode ser acompanhado por choclo, uma das 35 variedades do milho peruano. E para contar a história do milho peruano…