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Brasileiros descobrem como vírus da Covid altera RNA de células infectadas

Resultados podem dar pistas sobre a capacidade de diferentes variantes de escapar do sistema imune e orientar a busca por novos tratamentos

Por Mônica Tarantino, da Agência Fapesp
13 set 2022, 12h17

Pela primeira vez, cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) conseguiram mostrar que a infecção pelo vírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, altera o padrão de funcionamento dos RNAs das células. Para isso, eles examinaram 13 conjuntos de dados obtidos ao longo de quatro estudos que analisaram o RNA viral, bem como o de células animais e humanas.

O mais recente deles, publicado na revista Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, examinou o epitranscriptoma de células Vero (derivadas de macacos) e da linhagem Calu-3 humanas por meio de uma técnica de sequenciamento direto do RNA. O epitranscriptoma corresponde ao conjunto de modificações bioquímicas do RNA (por exemplo a adição de um grupo metil à molécula, fenômeno conhecido como metilação) dentro de uma célula.

“Nosso primeiro achado importante neste trabalho é que a infecção pelo SARS-CoV-2 aumenta no conjunto de RNAs da célula o nível global de metilação do tipo m6A [N6-metiladenosina], em comparação com as células não infectadas”, conta à Agência Fapesp Marcelo Briones, pesquisador do Centro de Bioinformática Médica da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e coordenador da investigação.

A metilação é uma modificação bioquímica que ocorre na célula pela ação de enzimas capazes de transferir parte de uma molécula para outra. Isso altera o comportamento de proteínas, enzimas, hormônios e genes. Os pesquisadores demonstraram as mudanças no RNA das células infectadas de modo quantitativo ao analisar todo o conjunto de RNAs nelas existente; e, de modo qualitativo, ao apontar individualmente num mapa o número de metilações por região base dos nucleotídeos que compõem o RNA dessas células.

O estudo é continuação de um trabalho publicado em 2021, que analisou o epigenoma do vírus e mostrou o padrão da metilação em seu RNA.

“Nos vírus, a metilação tem duas funções: regular a expressão das proteínas e defender o patógeno da ação do interferon, uma potente substância antiviral fabricada pelo organismo hospedeiro”, diz Briones.

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Nos dois trabalhos, os pesquisadores analisaram o tipo mais comum de modificação de nucleotídeo de RNA, o m6A, que está envolvido em vários processos cruciais dos RNAs, como a localização intracelular e a capacidade de produzir proteínas. Os nucleotídeos são compostos por quatro bases nitrogenadas diferentes (adenina, guanina, citosina e uracila) distribuídas ao longo das fitas de RNA encontradas em cada célula. A equipe também observou que diferentes cepas do vírus têm variações na sequência de bases nitrogenadas que compõem os seus nucleotídeos. “Desse modo, algumas cepas podem ser mais bem metiladas do que outras e, assim, proliferar melhor dentro das células”, diz Briones.

Também foi observado que uma sequência de nucleotídeos conhecida como “DRACH”, receptora da metilação m6A, é um pouco diferente nos RNAs do SARS-CoV-2 em relação aos RNAs das células. Nessa sigla, frequentemente usada em estudos do tipo, a letra D indica as bases nitrogenadas adenina, guanina ou uracila; a letra R indica adenina ou guanina; a letra A é o resíduo metilado; a letra C corresponde à citosina; e a letra H indica adenina, citosina ou uracila.

Como o vírus usa as enzimas das células para a sua própria metilação, isso promove uma pressão evolutiva para que os vírus adaptem suas sequências “DRACH” de modo a ficar mais parecidas com as das células. A linhagens virais que melhor fazem essa adaptação também serão mais eficientes para escapar do interferon.

Após concluir a análise da ação do SARS-CoV-2 no binômio patógeno-hospedeiro com relação à modificação m6A, o próximo passo dos cientistas será analisar os dados armazenados para traçar uma correlação entre o nível de metilação do RNA viral e o burst size do vírus, ou seja, o quociente de multiplicação viral.

“Quanto mais metilado o vírus está, mais crescerá no citoplasma celular e maior será o seu burst size”, explica Briones. Em situação normal, sem estímulos, uma partícula viral se replica em mil outras. “Os achados abrem a perspectiva para novos tratamentos para a Covid-19 e o reposicionamento de drogas conhecidas”, diz o pesquisador. Além disso, traz elementos para a melhor compreensão da capacidade das sublinhagens de escapar ao sistema imune.

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Metodologia

Os cientistas da Unifesp usaram um método de sequenciamento direto de RNA chamado Nanopore (Oxford Nanopore Technologies). Uma das vantagens dessa escolha, segundo os pesquisadores, é evitar as modificações realizadas para a leitura do filamento de RNA pelo método convencional, o RT-PCR (polimerase por transcriptase reversa, na sigla em inglês).

Para ser submetida a um teste RT-PCR, a molécula de RNA é copiada e convertida em um DNA complementar, o cDNA. Nesse processo, a molécula que antes tinha um filamento único de nucleotídeos passa a ter dois filamentos. Depois, as moléculas de cDNA são amplificadas, geram bilhões de clones. Na visão de Briones, como muitos laboratórios estão fazendo as sequências de coronavírus a partir de cDNA, isso pode gerar alguns vieses e confundir os pesquisadores. “Alguns acham que as trocas de nucleotídeo ocorrem, na verdade, porque havia ali uma base epigeneticamente modificada. Isso precisa ser investigado e de uma maneira sistemática”, diz o pesquisador.

O aumento global de metilação nas células foi mapeado por um programa de detecção de m6A conhecido como m6anet, que usa a tecnologia de aprendizado de máquina multiple instance learning (MIL). Em seguida, os achados foram validados por um segundo programa, o EpiNano, que usa a técnica de support vector machine (SVM).

O estudo foi conduzido no âmbito do Projeto Temático “Investigação de elementos induzidos pela resposta vacinal nos indivíduos submetidos aos testes clínicos com a vacina ChAdOx1 nCOV-19”, coordenado pelo professor Luiz Mário Janini. Também participaram os pesquisadores Juliana Maricato, Carla Braconi e Fernando Antoneli. O primeiro autor, João H. C. Campos, é bolsista de pós-doutorado da Fapesp. O estudo contou ainda com a participação, como segundo autor, de Gustavo V. Alves, graduando em tecnologia em informática em saúde.

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