Um estudo realizado pela Universidade de Princeton, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Insper revelou que a disseminação do glifosato nas lavouras de soja levou a um aumento de 5% na mortalidade infantil em municípios do Sul e Centro-Oeste que recebem águas de regiões sojicultoras. Esse número representa um total de 503 crianças mortas a mais por ano associadas ao produto agrícola.
O glifosato é o agrotóxico mais popular do Brasil e representa 62% de todos os herbicidas utilizados no país. Apenas em 2016, o total de suas vendas foi maior do que a soma dos sete pesticidas mais comercializados em território nacional. Associado à produção da soja transgênica, o glifosato foi responsável para que o Brasil superasse os Estados Unidos como o maior produtor do grão no mundo. Com o crescimento, o Produto Interno Bruto (PIB) dos estados produtores registrou um aumento acima da economia do próprio país nas últimas décadas.
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O resultado do estudo repercutiu de forma negativa no setor agrícola nacional. A Bayer, dona desde 2018 da Monsanto, empresa responsável por lançar o glifosato ao mercado, afirmou que os estudos não são confiáveis e que a segurança de seus produtos é sua maior prioridade. A Associação Brasileira dos Produtos de Soja (Aprosoja), por sua vez, disse que as conclusões dos estudos não se sustentam, além de não condizer com a realidade da agricultura brasileira. Já a CropLife Brasil disse que as autoridades regulatórias de várias partes do mundo já atestaram que o herbicida não representa risco para os humanos.
O glifosato é atualmente o herbicida mais utilizado no mundo todo. Descoberto na década de 1970 pela Monsanto, o defensivo é responsável por matar a maioria dos vegetais. Por conta disso, seu uso ficou popularizado em culturas geneticamente modificadas pelo fato de se protegerem do princípio ativo. Desde 2000, a patente do glifosato expirou e, desde então, sua comercialização é realizada através de uma série de empresas sob diferentes nomes comerciais.
No Brasil, sua primeira autorização ocorreu ainda no ano de 1998, porém rapidamente foi suspensa pelas autoridades judiciais. Entre comercializações temporárias renovadas e revogadas, o glifosato foi enfim autorizado permanentemente pela Lei de Biossegurança em 2005.
Rapidamente propagado em todo o território nacional, o herbicida chegou a ocupar 93% de toda a área de plantio de soja em meados da década de 2010, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Com o aumento da produtividade da soja no Brasil, o glifosato entrou na onda e apresentou lucros altíssimos: entre 2000 e 2010, sua venda saltou de 39,5 mil toneladas para 127,6 mil toneladas.
Já a União Europeia autoriza o uso do defensivo desde 2015, porém existe um amplo debate sobre a sua relação como possível agente causador do câncer. Além disso, há uma diferença entre o uso de agrotóxicos no Brasil e na Europa: por lá, o registro desses produtos tem um tempo determinado, precisando ser renovado de tempos em tempos; por aqui, esse registro é definitivo.
Atualmente o pesticida está permitido para uso até dezembro de 2022, porém a Áustria já baniu o produto desde 2019, ao mesmo tempo que a Alemanha pretende fazer o mesmo a partir de 2024.
Outra diferença entre o Brasil e a UE diz respeito à quantidade permitida de concentração do agrotóxico na água. Segundo Alan Tygel, membro da coordenação nacional da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida à BBC Brasil, o limite por aqui é 5.000 vezes maior.
Além de todas as mudanças regulatórias, o agronegócio brasileiro segue constantemente pressionando no Congresso Nacional para que novas leis possam ser flexibilizadas e, assim, permitir ainda mais o uso de agrotóxicos nas plantações nacionais. Apenas em 2020, mais de 493 agrotóxicos foram aprovados no país, maior número já documentado pelo Ministério da Agricultura desde o início da contagem, em 2000.
A ideia de realizar os estudos partiu de um grande debate já existente sobre o uso de sementes geneticamente modificadas e sua combinação com herbicidas. Durante o período de 2004 a 2010, os pesquisadores analisaram as estatísticas dos nascimentos nos municípios afetados pelo uso intensivo do glifosato, sendo possível detectar uma deterioração nas condições de saúde ao nascer nessas regiões, como maior probabilidade de baixo peso no nascimento, nascimentos prematuros e mortalidade infantil.
Além de apresentarem maior probabilidade se comparados a outros municípios, os pesquisadores também destacam que os efeitos negativos causados pelo herbicida são mais fortes nas gerações nascidas durante o período de aplicação do mesmo, que vai de outubro a março no Brasil. Além disso, em períodos de muita chuva os efeitos negativos também são mais evidenciados.
Segundo os pesquisadores, o objetivo do estudo não é de demonizar o glifosato, mas sim contribuir para uma melhora nas políticas públicas relacionadas ao uso de agrotóxicos no país.