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A poluição no cérebro

Estudo conduzido na China mostrou que as partículas tóxicas do ar de má qualidade podem atuar diretamente nos neurônios, afetando até a cognição e a memória

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 28 set 2018, 08h00 - Publicado em 28 set 2018, 08h00
(Arte/VEJA)

A cada ano, 8 milhões de pessoas morrem de doenças pulmonares e cardiovasculares causadas pelo ar que respiram. O cenário dramático, que se manteve praticamente inalterado na última década, agora ganhou novos contornos — para pior. Um recente estudo comprovou que os poluentes causam impactos no organismo de uma forma diferente do que se imaginava até então. Além dos danos respiratórios, podem provocar a redução da capacidade cognitiva, de memória e intelectual. A sujeira, portanto, pode afetar o cérebro. O trabalho, conduzido por pesquisadores da Universidade ­Yale, nos Estados Unidos, e da Universidade Normal de Pequim, na China, comparou o desempenho de 20 000 chineses em testes de idioma (reconhecimento de palavras) e de matemática (resolução de problemas). Os participantes, com idade acima de 10 anos, viviam em lugares poluídos. Todos os outros fatores de risco foram descartados. Os resultados, depois de três anos de exposição aos poluentes, foram equivalentes à perda de cerca de um ano de escolaridade.

Os primeiros indícios de que os fragmentos nocivos do ar entram no cérebro humano são de 2016, quando especialistas da Universidade Lancaster, no Reino Unido, encontraram resíduos tóxicos em amostras de tecido cerebral em pessoas que haviam morado em lugares com altos índices de poluição, como a Cidade do México e Manchester, na Inglaterra. A descoberta coincidiu com o desenvolvimento de recursos tecnológicos capazes de medir o tamanho de compostos minúsculos do ar. Um dos menores e mais nocivos, o PM2.5 (emitido por queimadas e fábricas), mede o equivalente a 1/30 da espessura de um fio de cabelo. Ele é tão fino que conseguiria vencer a barreira protetora do cérebro, chamada hematoencefálica. Para efeito de comparação: nove em cada dez princípios ativos de todos os medicamentos em desenvolvimento pela medicina não conseguem passar por ela.

O ar atmosférico é composto de nitrogênio, oxigênio, hidrogênio, gás carbônico e vapor de água. Ele é considerado poluído quando passa a conter substâncias químicas em níveis que po­dem causar impactos no organismo. Há centenas de compostos provenientes das mais diversas fontes. “As concen­trações-limite para a saúde variam de acordo com cada um dos compostos”, diz Simone El Khouri Miraglia, professora do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O PM2.5 do escapamento dos carros, por exemplo, é tóxico em quantidades acima de 10 microgramas por metro cúbico. Já as taxas de PM10 (da fumaça industrial e da poeira) devem ter o dobro da quantidade para fazer mal.

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A poluição também prejudica o cérebro de forma indireta. As partículas agridem as células da parede do nariz ou dos pulmões, deflagrando processos inflamatórios. Diz o neurocirurgião Arthur Cukiert: “A inflamação é mais agressiva no cérebro do que em qualquer outra parte do corpo”. Entre as consequências desse processo estão as doenças degenerativas.

Cerca de 90% da população mundial vive em locais com níveis de poluentes acima do normal. A China está no topo da lista. Foram os chineses, inclusive, que inauguraram o uso de máscara nas ruas para se proteger da poluição. “O hábito reduz a entrada de alguns poluentes pelo nariz”, diz Eduardo Pesaro, cardiologista do Hospital Israelita Albert Einstein. Mas, em muitos lugares, teria de ser praticado até para dormir. Metade do planeta sofre com a ação tóxica do ar dentro de casa ou na zona rural — conviver com a fumaça do fogão a lenha e da queima de madeira e do carvão faz tão mal quanto habitar em cidades lotadas de carros e ônibus. De acordo com o economista Xiaobo Zhang, um dos autores do levantamento conduzido em parceria com a Yale, “políticas antipoluição eficazes têm de ser implantadas desde que o mundo é mundo, e espero que nossas descobertas contribuam para que elas sejam adotadas de modo ainda mais urgente”.

Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2018, edição nº 2602

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