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Viajar é preciso

Depois de visitar 83 países, o escritor americano Andrew Solomon diz que conhecer outras culturas constitui o melhor remédio contra males do mundo

Por Ana Claudia Fonseca
Atualizado em 7 set 2018, 07h00 - Publicado em 7 set 2018, 07h00

Para além das paisagens de cartão-postal que emolduram Inglaterra, França e Suíça no imaginário dos turistas, o que verdadeiramente marcou o escritor americano Andrew Solomon em sua primeira excursão ao exterior, feita com os pais quando tinha 11 anos, foram os preparativos. Ele recebeu em casa a orientação de ler o que fosse possível sobre os lugares que visitariam — costumes, culinária, curiosidades. Antes de embarcarem, a mãe o aconselhou: “Sempre chegue a um local esperando um dia voltar lá. Se tentar ver tudo de uma só vez, não verá nada”. Nos últimos 43 anos Solomon vem se esforçando para seguir a recomendação. Já esteve em 83 nações, em todos os continentes. Antes de cada viagem, repete o ritual aprendido na infância. O resultado é compensador, como se constata nas 28 histórias de Lugares Distantes (Companhia das Letras), seu livro mais recente. A obra é o testemunho de que, para ele, viajar não é passatempo, e sim um imperativo moral. “Se cada jovem fosse obrigado a passar duas semanas imerso em outra cultura, metade das tensões diplomáticas seria resolvida”, acredita. Solomon apareceu nas Páginas Amarelas de VEJA em 2002 falando do livro O Demônio do Meio-Dia, em que narra sua desconcertante convivência com a depressão. Já àquela altura, defendia a ideia de que viajar pode ajudar a vencer a doença. Ele concedeu esta entrevista por telefone, de Nova York, onde mora, horas antes de partir com o filho George, de 9 anos, para a Jordânia, onde veriam tanto as ruínas de Petra como um campo de refugiados.

No livro O Demônio do Meio-Dia, tema de sua entrevista a VEJA em 2002, o senhor diz que, embora exercícios, medicação e terapia sejam os tratamentos mais eficazes contra a depressão, férias sensacionais também ajudam. De que modo viajar pode ajudar alguém deprimido? Às vezes, só o fato de sair de seu mundo sombrio e ir a outro lugar, mais ensolarado e mais alegre, torna você mais feliz. Não se trata da cura para a depressão, mas, ao lado de outras providências terapêuticas, pode ser de grande ajuda sair da rotina.

O senhor sofre de depressão há anos, porém a doença nunca o impediu de viajar para países isolados e hostis. Como superou o medo de ter uma crise em lugares assim? Passei momentos difíceis e tive episódios de pânico em alguns locais que visitei. Não gostei, por exemplo, da Líbia, um país muito estressante (ele foi detido pela polícia de Muamar Kadafi). Contudo, sempre fui determinado e nunca permiti que essa doença fosse um obstáculo para a vida que poderia viver. Quando surgia a oportunidade de me engajar em outras culturas, eu não a desperdiçava.

Depressão – Solomon nas Amarelas de 2002: viagens para combater a doença (//VEJA)

Qual foi o país mais assustador que visitou?  Estar no Afeganistão após a queda do Talibã foi aterrorizante. Durante todo o tempo ali senti que corria perigo. No entanto, esse também foi um dos países mais belos e interessantes em que já estive.

Qual é o seu país favorito? Amo muitos lugares, de maneiras variadas. Os países mais bonitos que visitei foram Mongólia e Namíbia, entretanto meu lugar favorito é Nova York, onde vivo. Sou um grande fã do Rio de Janeiro. Já estive lá três vezes. Gosto do estilo de vida dos cariocas, da relação que têm com a praia. Sei que o Rio está sendo consumido pela violência, mas permanece na minha lembrança como um lugar caloroso e simpático.

Seus livros O Demônio do Meio-Dia e Longe da Árvore são introspectivos. Já Lugares Distantes volta o olhar para fora, e para o outro, tendo como ponto de partida seus relatos de viagens. Por que publicá-lo agora? Vivemos numa época em que barreiras estão sendo erguidas por toda parte, com Donald Trump falando da construção de um muro entre os Estados Unidos e o México, e o Bre­xit levantando um muro virtual entre o Reino Unido e o resto da Europa. Precisamos, mais do que nunca, de internacionalismo, dessa habilidade de nos engajar em outras culturas para compreender o que significa viver no mundo.

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Anos atrás, imaginava-se que a globalização terminaria aproximando as pessoas, porém parece que provocou efeito contrário — o medo do outro. Por quê? A globalização fez com que as pessoas tivessem consciência do desequilíbrio de poder e de riqueza no mundo, e isso criou uma sensação de injustiça muito grande. Além do mais, as pessoas costumam temer o diferente. Quando esse diferente chega perto e começa a bater à porta, a primeira reação é responder de maneira defensiva.

O senhor diz que viajar é o melhor remédio contra essa onda de intolerância. De que forma?  Grande parte dos problemas de hoje vem da incapacidade das pessoas de entender o outro. Se cada jovem no mundo fosse obrigado a passar duas semanas em outro país, mergulhado em outra cultura, metade das tensões diplomáticas seria resolvida. Não importa que nação visitasse nem o que fizesse durante sua estada. Bastaria que visse as pessoas vivendo de forma diferente da sua. É muito mais difícil odiar alguém cuja história se conhece.

A partir de que idade as crianças começam a aproveitar a experiência de ver outros povos e lugares? Antes mesmo que uma criança esteja na idade de formar lembranças, viajar para outros lugares lhe dará a percepção de que existem maneiras diferentes de viver. Comecei a levar meus filhos (além de George, ele e seu companheiro, John, têm outros três filhos) em viagens quando ainda eram bebês, porque queria que tivessem a percepção do mundo como um lugar vasto e repleto de possibilidades. É importante que eles cresçam sabendo que seu modo de vida não é único, e acredito que a melhor maneira de fazer isso seja viajando.

Após conhecer a Zâmbia, o senhor escreveu que a generosidade e o bom humor das pessoas foram tão importantes para o sucesso da visita quanto o tempo impecável. Um lugar são as pessoas que o habitam? Em grande medida, a maneira como você responde a um lugar tem a ver com as pessoas que conhece ali. Para amar ou conhecer um país, é preciso desenvolver alguma interação pessoal com seus habitantes.

Como estabelecer um relacionamento pessoal com um povo que ainda não conhecemos? Isso faz parte da arte de ser viajante. É preciso estar disposto a encontrar as pessoas e se abrir para o diferente. Ao longo dos anos, descobri que a maioria das pessoas se orgulha do lugar onde vive e está ansiosa para mostrar o melhor de seu mundo.

Eventos como a Parada Gay, que no Brasil atrai muitos turistas, ajudam a aumentar a tolerância? Acho eventos desse tipo complicados. Embora sejam uma boa ferramenta de relações públicas, eles podem parecer assustadores para quem não faz parte da cultura que está celebrando. E isso pode fazer com que as pessoas se sintam excluídas.

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Um guia de turismo de 1920 recomendava que uma visita ao Egito durasse pelo menos três meses. Hoje folhetos de agências oferecem excursões de três dias ao país. Há vantagem nesse turismo-relâmpago? Isso remete à diferença entre ser turista e ser viajante. O turista chega a um lugar sem a expectativa de que sua vida mude com o que vivenciar ali. Já o viajante espera obter um insight sobre outra sociedade, e permite que essa nova maneira de viver o modifique. Suponho que, como turista, você possa passar três dias no Egito e se divertir. Mas ir a qualquer lugar como viajante demanda tempo. É preciso tempo para conhecer as pessoas e entender os fragmentos da sociedade. É preciso tempo até mesmo para saber que perguntas fazer.

Em seu recente livro, o senhor descreve o encontro com artistas da África do Sul de forma tão lírica que o leitor se esquece da miséria do lugar. É preciso um olhar treinado para enxergar além do que está diante dos olhos? Se há uma coisa que o viajante deve deixar fora da bagagem, é qualquer traço de preconceito. Para visitar o território de Venda, tive de me conectar com as pessoas de lá. Tive de enxergá­-las. É surpreendente a frequência com que, mesmo em locais miseráveis, as pessoas têm a noção de orgulho e de beleza. Nunca pretendi, no entanto, esconder a realidade da miséria. É importante testemunhar as dificuldades de outra sociedade.

Um dos efeitos indesejados de viajar é a pessoa nunca estar onde se encontra. Isso acontece com o senhor? Quando alguém vive um tempo no estrangeiro, tem comprometida para sempre sua noção de pátria. Sempre sentirá saudade de outro lugar. Viajar, para mim, significa partir. E partidas, assim como separações, são difíceis. Separar-se do mundo que se conhece é difícil, mesmo que temporariamente, contudo é um arrependimento momentâneo. Sei que só consigo apreciar minha casa quando estou no estrangeiro, e não consigo apreciar outras terras até ter voltado para casa.

O setor privado passou a se interessar pelo cosmo, e já existem foguetes sendo testados para a exploração turística do espaço. Que benefícios isso pode trazer? Ver a Terra a partir do espaço pode fazer com que as pessoas passem a ser mais cuidadosas com o planeta. Muitos astronautas disseram que a experiência lhes deu outra visão do mundo. Então, espero que o turismo espacial torne as pessoas mais bondosas em relação ao nosso planeta.

Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2018, edição nº 2599

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