O ditador norte-coreano Kim Jong-un devia estar com sede de viagem. Ao longo de seis anos, desde que herdou o poder de seu pai, em dezembro de 2011, ele não saiu uma única vez sequer de seu país. O comportamento recluso era condizente com o histórico de paranoia e isolamento que marcou o governo dos seus antecessores. Seu pai, por exemplo, jamais viajava de avião — acredita-se que, em parte, por temer sabotagens para assassiná-lo — e preferia trens blindados, que lhe serviam de meio de transporte até para ir a Moscou, a 9 600 quilômetros de distância da capital norte-coreana, Pyongyang. Neste ano, porém, Kim Jong-un está soltinho, soltinho. Começou a sair da toca com cautela. Primeiro, em duas viagens para a China, em março e em maio, em que usou um dos tais trens blindados. Também esteve na Coreia do Sul e, no último dia 12, foi a Singapura para o inédito encontro com o presidente Donald Trump, o que lhe conferiu uma legitimidade política inimaginável para alguém que, há apenas poucos meses, era considerado um pária da comunidade internacional que ameaçava o mundo com armas nucleares. Na terça-feira 19, Kim retornou uma terceira vez à China, onde foi recebido pelo presidente Xi Jinping. Desta vez, chegou de avião, como qualquer líder mundial faria, e circulou de carro pelas ruas de Pequim. Foi colher os louros do seu triunfo em Singapura: apesar de Trump ter dito que as sanções econômicas só serão derrubadas quando Kim desmantelar seu arsenal atômico, a China começou a aliviar inspeções de fronteira que impedem o comércio com a Coreia do Norte. Kim tem lá seus motivos para andar soltinho.
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2018, edição nº 2588