Na Era Digital, o futuro dura pouco tempo — e cada vez menos. A indústria da telefonia é uma das provas mais avassaladoras disso. Onze anos depois do lançamento do iPhone, os aparelhos até então utilizados majoritariamente para fazer ligações se transformaram em verdadeiros totens multitarefas, que servem de máquina fotográfica, filmadora, GPS, videogame… (leia a reportagem anterior). Pois em menos da metade desse período — até 2023 — o setor deverá ser sacudido por transformações que superarão, e muito, o impacto registrado na década anterior. São enormes as chances de, por exemplo, os telefones fixos desaparecerem de vez — a quantidade de linhas desse gênero cai em mais de 1 milhão ao ano no mundo. Mesmo no caso da telefonia móvel, a perspectiva é de uma drástica redução. E, acima de tudo, pagar para ter uma linha ou fazer chamadas passará a ser coisa do passado: os clientes vão optar pela assinatura de planos de internet, consagrando, definitivamente, as ligações por meio de aplicativos gratuitos, como o WhatsApp. Isso, no entanto, não representará o “fim da linha” para as operadoras. Elas sobreviverão exatamente reinventando o seu negócio.
Tome-se como exemplo o lançamento, neste ano — no Brasil, em 2020 —, da tecnologia 5G, a próxima geração de web móvel, que substituirá a 4G. Daqui até no máximo os próximos cinco anos será comum contar com uma conexão de 1 gigabyte. Dessa forma, para o consumidor, o acesso será 140 vezes mais rápido do que é atualmente. Segundo um estudo da Ericsson, multinacional de origem sueca, até 2023 dois em cada três indivíduos pagarão para ter a 5G — e não necessariamente um número de celular associado ao seu plano. Em vez de venderem linhas telefônicas, as empresas que atuam na área investirão prioritariamente na comercialização de dados de internet. “A forma de consumir esses pacotes também mudará. Hoje, 55% do uso em celulares é destinado a assistir a vídeos. Em cinco anos, essa porcentagem saltará para 75%”, estima Tiago Machado, diretor de relações com a indústria da Ericsson.
O avanço proporcionado pela 5G promete trazer embutida outra revolução — tornar os aparelhos de telefonia que conhecemos menos essenciais. O aumento na velocidade de acesso permitirá que praticamente qualquer tipo de gadget possa ter um chip com conexão com a web. Desse modo, ganharão “funções conectadas”, por assim dizer, produtos como geladeiras, óculos, roupas ou até mesmo espelhos. Em 2016, o designer nova-iorquino Rafael Dymek lançou o protótipo de um espelho com internet, por meio do qual seria possível reproduzir aplicativos de smartphone em uma tela translúcida. Esse equipamento, hoje, sairia caríssimo, e por isso não se considera colocá-lo à venda. Ele, porém, é um paradigma de como tais inovações poderão estar presentes na próxima década — quando a web deixará de servir de ponte para “apenas” bilhões de pessoas e passará a conectar também trilhões de “coisas”.
“Isso significa que os celulares estão fadados ao esquecimento? Não. Com a chegada da chamada internet das coisas, eles ganharão outros formatos e papéis”, avalia o consultor americano Craig Wigginton, que encabeça a área de telecomunicações da empresa britânica Deloitte. Um projeto da Universidade de Queen, no Canadá, ilustra bem o raciocínio de Wigginton. Lá está sendo desenvolvido o HoloFlex, um smartphone de tela flexível que, quando curvada, propicia a visualização de hologramas — algo como o imaginado pelo cineasta americano George Lucas em Star Wars, filme no qual os personagens se comunicam justamente por esse método. O cientista da computação holandês Roel Vertegaal, diretor do laboratório do HoloFlex, aposta que em quinze anos tal tipo de celular chegará às lojas. Ele acredita, contudo, que a próxima geração tecnológica do ramo da telefonia virá associada a um problema, o do “superengajamento”, nome que se dá ao comportamento em que o usuário não consegue largar o aparelho em razão do apelo da enorme quantidade de informações nele contidas. “Os smartphones terão de contar com travas de segurança para conter as tantas funções que possuirão”, diz Vertegaal. Em certa medida, o superengajamento já existe. Como se vê, na era digital, o futuro dura mesmo pouco tempo.
Publicado em VEJA de 18 de julho de 2018, edição nº 2591