Algumas pessoas acreditam que Donald Trump é um Lula com o sinal ideológico invertido. Estão erradas. O tom fanfarrão, a falta de cerimônia, o discurso populista e a turbulenta divisão de águas na sociedade podem induzir a esse erro. Mas nem de longe o condenado foi tratado pela imprensa e pelos antilulistas, no Brasil, com a virulência incessantemente dedicada ao presidente americano.
Como comparar a capa de VEJA em que Lula tinha a marca de uma sola de bota suja de petróleo na região dorsal, quando a Bolívia encampou uma refinaria à Petrobras, à capa da revista New York com um enorme nariz de porco plantado num close de Trump? Também não dá para comparar as reportagens exclusivas de VEJA, e outros furos da imprensa nacional, expondo informações com origem comprovada, gravações, delações, inquéritos policiais, fotos e outras marcas de corrupção ao que saiu na New York à guisa de denúncia: “Lobistas estão plantados em todos os órgãos públicos, ‘regulando’ seus ex-empregadores e criando mecanismos que favorecem patrões em detrimento de empregados e empresários em detrimento de consumidores”. Os paralelos são evidentes, mas ainda falta um chão imenso para aparecer uma “Petrobras americana” — a única registrada, até hoje, nos Estados Unidos era brasileira.
A animosidade provocada por Trump, exacerbada por seu estilo caótico, e a cobertura agressiva da imprensa preparam os americanos praticamente todos os dias para o desastre. Ele está sempre para ser enquadrado, impichado, derrubado ou flagrado com uma atriz pornô ou ex-modelo da Playboy. Se não for, vai desencadear uma guerra comercial, uma guerra nuclear ou uma hecatombe social. Pouca coisa prepara para uma possibilidade mais instigante: e se Trump der certo?
O fato de que mais de 80% do superávit comercial em mercadorias da China procede das exportações para os Estados Unidos talvez seja um instrumento importante de pressão para os americanos. Um Kim Jong-un mais calminho ultimamente talvez revele que alguma parte da tática trumpiana para a Coreia do Norte está funcionando. O crescimento de 2,9% do PIB americano no último trimestre de 2017 talvez pese junto à opinião pública.
Com sua capacidade de criar neologismos perfeitos para novas situações, os americanos inventaram uma palavra para definir a crescente falta de freios nas discussões políticas: weaponization. O mais perto que podemos chegar, como tradução, é prolixo: a transformação do debate político em arma. Ou, num avanço mais liberal, a nuclearização da política.
Não existe leitor que não esteja farto de ser ensinado a ser um bom sujeito, moderado respeitador das regras, rápido e responsável na identificação das fake news. Poucos entendem que: 1) o debate político não vai ser desnuclearizado na base dos bons conselhos; 2) muitos sabem que a notícia é fake, e a divulgam exatamente por isso; e 3) propagá-la pode ser uma espécie de revanche contra os excessos politicamente corretos da imprensa. Por exemplo, se Trump der certo, nem que seja pelas próximas 24 horas, em quem a opinião pública tenderá a acreditar?
Publicado em VEJA de 11 de abril de 2018, edição nº 2577