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Tempo e poesia

Coluna publicada em VEJA de 3 de janeiro de 2018, edição nº 2563

Por Roberto Pompeu de Toledo
29 dez 2017, 06h00 • Atualizado em 4 jun 2024, 16h44
  • Que é o tempo? “Só sei a resposta quando não me perguntam”, escreveu Santo Agostinho. Para combatermos o mistério dessa entidade fluida, impalpável e invisível, inventamos subterfúgios como, ao fim de cada viagem do planeta em torno do Sol, pespegar-lhe um número novo. 2018 é o número da vez, e assim o tempo nos parece domável, cada pedaço dele em seu lugar (como se pudesse ser dividido em pedaços). O poeta T.S. Eliot invocou um dos mistérios do tempo no poema Burnt Norton (tradução de Ivan Junqueira):

    “O tempo presente e o tempo passado
    Estão ambos talvez presentes no tempo futuro
    E o tempo futuro contido no tempo passado.
    Se todo tempo é eternamente presente
    Todo tempo é irredimível.
    O que poderia ter sido é uma abstração
    Que permanece, perpétua possibilidade,
    Num mundo apenas de especulação.
    O que poderia ter sido e o que foi
    Convergem para um só fim, que é sempre presente”.

    Conferir um número de série a cada ano equivale a aprisionar o tempo a um compartimento, a uma ordem, a uma classe, ele que, em sua natureza de corrente contínua, é irredutível a aprisionamentos. Guardávamos o tempo nas paredes, na forma do objeto graciosamente chamado de “folhinha”, como maneira de tê-lo lá parado, domesticado e compreensível. Continuamos a guardá-lo no bolso ou no pulso, no relógio ou no mostrador do celular. O poeta paulista Antônio Fernando De Franceschi brincou com as horas no poema Relógio:

    “Meia hora antes / da hora meia seguinte / recue o ponteiro / outro tanto. / Retenha então a / hora certa, / a verdadeira, / e observe: / Para o instante / de agora faltará / aquele exato, / mesmo tanto, / e igual parte / até a hora / daqui meia hora. / Isso feito / e provado, / saberá que / em tempo / e verso, / todo relógio / é perverso”.

    Encapsular o tempo é uma especialidade humana que combina engenho e arte, e gera efeitos práticos de inestimável valor. Através dos séculos acumulamos as formas de fazê-lo. Os relógios de pêndulo extraem do tempo um ritmo que o poeta americano Wadsworth Longfellow traduziu assim: “Forever — Never! / Never — Forever”. O poeta mineiro José Narciso Bedran deteve-se sobre o sino: “Remate da abóboda celeste, / o sino soletra setas nos ouvidos. / Taça esvaziada, vinho tomado, / espreita-nos como fechada questão, / emborcado para o infinito”.

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    O sino como que concentra um estoque de tempo em seu bojo para, na hora própria, liberá-lo aos gritos. O relógio de sol calcula o andamento do Sol, ardilosamente, projetando no chão o seu contrário, a sombra. Entre os medidores do tempo nada se compara, no entanto, ao objeto chamado ampulheta, tanto pela beleza da forma quanto pela crueldade de sua implacável determinação. O argentino Borges o descreveu no poema O Relógio de Areia (tradução de Josely Vianna Baptista):

    “Pelo ápice aberto o cone inverso
    Deixa cair a cautelosa areia,
    Ouro gradual que se solta e recheia
    O côncavo cristal, seu universo.
    (…)
    Não se detém jamais essa caída.
    Eu me dessangro, não o vidro. O rito
    De decantar a areia é infinito
    E com a areia vai-se a nossa vida”.

    A ampulheta enfrenta o tempo em seus próprios termos, com a mesma dose de mistério. Para Borges, a areia “parece ter sido imaginada / Para medir o tempo dos mortos”. A conclusão podia ser que, não importa o medidor em que se o aprisione, o tempo vence no final, e nos enterra. Mas não é esse o ponto destas linhas. É simplesmente dizer: “Feliz 2018”.

    Publicado em VEJA de 3 de janeiro de 2018, edição nº 2563

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