PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana

Reis da balada global

Na trilha do goiano Alok, que embala chineses, americanos e europeus nas pistas, uma nova safra de artistas brasileiros aventura-se na música eletrônica

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h43 - Publicado em 9 mar 2018, 06h00

De longe, no ambiente confuso da exclusivíssima festa paulistana, o animal parecia um cachorro. Mas, ao fazer um carinho na cabeça do bicho, Alok — hoje o mais requisitado DJ brasileiro — constatou que era uma cabra. A noite ainda guardava outros elementos dignos de um filme onírico de Federico Fellini. No meio da festa, um macaco puxava uma lhama, presa a uma coleira. E de repente Mick Jagger aparece diante de Alok, para pedir a colaboração do DJ no remix da música que estava para lançar. “Pensei até que eu tinha tomado um ácido”, diz Alok. Não, não era uma alucinação provocada pelo LSD. A festa, afinal, era para celebrar o aniversário de 18 anos de Lucas, o filho brasileiro de Jagger, em maio do ano passado. E o cantor dos Rolling Stones realmente aproveitou a ocasião para requisitar os préstimos de Alok. No dia seguinte, mandou um e-mail para o DJ, com todos os canais de voz de Gotta Get a Grip, faixa de seu disco-solo, e hoje o remix pode ser ouvido nas melhores plataformas de streaming. Bom entendedor do mercado, o veterano Jagger conhece o valor de um nome da nova música eletrônica para manter seu trabalho atualizado. Alok pertence a uma casta privilegiada do gênero, cujos expoentes são hoje comparáveis, em fama e faturamento, aos monstros do rock dos anos 60 e 70 (entre os quais, é claro, os Rolling Stones).

“Garotos de 15 anos não querem mais ser Mick Jagger. Preferem ser Calvin Harris, que no ano passado faturou 48 milhões de dólares”, diz Sandro Horta, DJ e proprietário da Plusnetwork, agência que trabalha com grandes nomes do cenário eletrônico.

DJ-DENIS-2017-5505.jpg
VERTENTE CARIOCA – Dennis: ele começou em festas de periferia e hoje faz sucesso com o funk do Rio — a modalidade brasileira do eletrônico (Laílson Santos/VEJA)

O Brasil é um terreno fértil para a música eletrônica. Em 2012, um estudo realizado pelo Amsterdam Dance Event, a maior conferência de música eletrônica do mundo, revelou que o país era o segundo maior consumidor do gênero no mundo — só perdia para os Estados Unidos. A pesquisa nunca foi atualizada, mas é seguro dizer que o mercado nacional se manteve aquecido nesses seis anos. A Brazil Music Conference, dedicada ao mercado latino-americano de dance music, levantou mais recentemente o perfil dos brasileiros que consomem música eletrônica: jovens, na faixa dos 18 aos 24 anos, e com boa escolaridade (69% cursaram uma faculdade). A distribuição entre os sexos é equilibrada, com ligeira vantagem para os homens (52%). Não é um público tão amplo quanto o do sertanejo, mas tem poder aquisitivo e, por isso, ganha a atenção da indústria fonográfica. Três gravadoras possuem um selo especializado no gênero: Sony, Universal e Som Livre.

Há pelo menos dois festivais de impacto dedicados a esse universo: o Ultra, que estreou em São Paulo, teve duas edições no Rio e neste ano retorna à capital paulista; e o XXXPerience, pioneiro das festas open air — a versão “gourmetizada” das raves dos anos 90 —, que circula por várias cidades. E a música eletrônica vem ocupando espaços que não são tradicionalmente seus. O Lollapalooza, festival dedicado ao rock alternativo, tem aumentado a participação de DJs em sua escalação, e neste ano trará Alok e Jetlag. A imagem do DJ também mudou: “A música eletrônica era vista como coisa de gente drogada e transviada”, diz Claudia Assef, jornalista, autora de Todo DJ Já Sambou, o primeiro livro dedicado ao universo eletrônico brasileiro. “Hoje vemos DJs, como Alok e Vintage Culture, que podem sentar na sala de qualquer família brasileira — são os genros ideais.”

Continua após a publicidade
BRUNO-MARTINI-DJ-2017-5417.jpg
COUNTRY MODERNIZADO - Bruno Martini: ex-parceiro de Alok, no ano passado ele lançou ‘Road’, em colaboração com o reputado produtor americano Timbaland (Laílson Santos/VEJA)

Alok é atualmente o número 1 entre os DJs brasileiros. Está associado ao house, uma vertente da música eletrônica que tem mais apelo junto aos não iniciados no gênero — com ecos do soul e da disco music e predomínio dos vocais, afasta-se do experimentalismo na direção do pop. A ligação de Alok com a música vem de casa: ele é filho de DJs (os pais organizavam o Universo Paralello, open air dedicada a um subgênero mais pesado e frenético, o psy trance). Alok começou tocando com o irmão, Bhaskar (não são nomes artísticos: foram inspirados nas doutrinas do guru indiano Osho, de quem seus pais eram devotos). Há dois anos, já sem o irmão, lançou o single Hear Me Now, em parceria com o DJ e instrumentista Bruno Martini e com o cantor Zeeba. “A música tinha um jeito de rock alternativo, mas ganhou um pique dançante com a chegada do Alok”, diz Zeeba. Com uma batida suave e um assobio melodioso em momentos-chave da canção, Hear Me Now contradiz a desgastada mas renitente ideia de que música eletrônica é o império do bate-estaca. O sucesso da faixa alavancou a carreira do trio. No fim do ano passado, Bruno Martini lançou Road, uma mistura de country com música eletrônica, em colaboração com o produtor americano Timbaland — o mesmo de Justin Timberlake. Zeeba prepara seu álbum de estreia. E Alok, o nome principal de Hear Me Now, tornou-se um gigante internacional.

Goiano radicado em São Paulo, Alok anima festas e toca em festivais nos Estados Unidos, Itália, Espanha e Inglaterra. É amado na China, onde passou mais de um mês em 2017. Seu cachê para festas particulares ou de empresas fica na média de 200 000 reais. É o queridinho de celebridades como Neymar e Marina Ruy Barbosa. E agencia outros DJs, como Selva e Liu.

Continua após a publicidade
DJ-NATO-MEDRADO-2017-5624.jpg
MARCA DE PRESTÍGIO - Nato Medrado: o único brasileiro a lançar um disco pelo selo do holandês Armin van Buuren, uma referência mundial do universo eletrônico (Laílson Santos/VEJA)

Graças a suas melodias assobiáveis, a house music é o estilo mais popular no cenário eletrônico brasileiro. Na trilha de Alok, despontam DJs como o sul-mato-grossense Vintage Culture e promessas como os paulistas Nato Medrado e Juliana Barbosa. Medrado assinou contrato com o Armada, selo do holandês Armin van Buuren, uma referência para DJs de todo o mundo, e foi lançado no Brasil pela Som Livre. Juliana foi caloura mirim do Programa Raul Gil (sonhava em ser uma nova Sandy), trabalhou como modelo e há dez anos vislumbrou uma carreira como DJ e cantora. Os dois ainda estão crescendo no mercado: Juliana faz em torno de 15 000 por festa, e Nato Medrado fica em modestos 3 000.

Se há alguém que pode rivalizar com Alok é o carioca Dennis. O Baile do Dennis, a festa que ele promove, pode custar até 200 000 reais e reunir 20 000 pessoas. Ele não segue a cartilha da house ou da dance music: sua especialidade é o funk de sua cidade natal. Nascido na periferia do Rio, iniciou-se nos pickups organizando bailes de produção amadora, até cair nas graças do grupo de festas Furacão 2000. Trabalhou com os MCs mais célebres da casa, como Bonde do Tigrão e Tati Quebra Barraco, até lançar-se como empresário da própria festa, há cinco anos. “Eu quero que o funk carioca estoure mundialmente tal e qual o reggaeton”, diz. Por ora, são só planos: ao contrário de Alok, Dennis ainda não desbravou uma carreira internacional.

Continua após a publicidade
juju-barbosa-250.jpg
E ELA TAMBÉM CANTA - Juliana Barbosa: a ex-modelo já quis seguir os passos de Sandy — mas encontrou seu lugar na dance music (Laílson Santos/VEJA)

A música eletrônica já não é mais uma cultura de gueto ou “tribo”, como foi no tempo das raves clandestinas. Sua conversão às massas propiciou colaborações entre DJs célebres e artistas de outros gêneros. O francês David Guetta, por exemplo, já se uniu à luxuriosa Rihanna, e o duo eletrônico Chainsmokers já gravou com Chris Martin, o vocalista enjoadinho do Coldplay. No Brasil, surge uma curiosa simbiose entre o eletrônico e o sertanejo. Dennis fez um funk sofrência acompanhado pela dupla Maiara & Maraísa e por Marília Mendonça, e Alok lançou Paga de Solteiro Feliz, um house-­reggaeton com as vozes de Simone & Simaria. Aliás, é cada vez mais comum a presença de DJs em festivais de música sertaneja. Kako Perroy, um dos principais empresários do entretenimento brasileiro, vê um parentesco entre a música de origem caipira (cada vez mais longínqua, é verdade) e o som de pickups e sintetizadores: “São gêneros para jovens globalizados, que querem pura e simplesmente se divertir”.

A atual geração de DJs brasileiros conta com antecessores de peso, como Marky, um mestre do drum’n’bass, a vertente eletrônica mais “quebrada” e próxima do reggae, e Gui Boratto (“uma lenda viva”, rasga-se Alok), que já remixou músicas de artistas como Massive Attack e Pet Shop Boys. Esses dois paulistanos são figuras de outro patamar criativo e se tornaram referência para seus pares em todo o mundo. Alok encontrou na house um gênero menos exigente e mais popular; Dennis buscou o mesmo no funk (que o impagável Mr. Catra já definiu como a música eletrônica do Brasil). As festas dos novos DJs são mais espetaculares, e eles não se limitam a ocupar o lugar atrás dos equipamentos eletrônicos. Alok introduz seu set numa plataforma que se assemelha à nave do Super-­Homem; Dennis faz espalhafato com extintores de incêndio; Juliana costuma cantar no meio do público; e Nato Medrado até faz solos de guitarra não muito típicos da dance music. “Somos pop”, diz Medrado, definindo o novo som eletrônico made in Brazil: cabe de tudo para chegar ao sucesso.

Publicado em VEJA de 14 de março de 2018, edição nº 2573

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.