
A OPERAÇÃO Lava-Jato, conduzida pelo Ministério Público com a participação da Polícia Federal, é o mais bem-sucedido esforço de combate à corrupção e à impunidade no Brasil. Ela tem permitido o que parecia impossível, isto é, a condenação de grandes empresários, políticos influentes, ex-ministros e até de um ex-presidente da República.
A operação beneficiou-se de novas realidades. No país, surgiram aprimoramentos para a detecção de movimentações financeiras suspeitas e a regulação da colaboração premiada. Ao mesmo tempo, a tecnologia digital facilitou o acesso a imagens e o registro, inclusive por smartphones, da prática de corrupção.
No exterior, pressões de nações ricas levaram países antes avessos à abertura do sigilo bancário a fornecer valiosas informações. A cooperação com autoridades americanas parece ter sido igualmente fundamental para o trabalho dos procuradores.
Relevante foi também a autonomia concedida pela Constituição de 1988 ao MP. Antes vinculado ao Executivo, como em outros países democráticos, o MP conquistou capítulo especial na nova Carta. Ganhou inédita independência administrativa e financeira. Submete ao Congresso o seu orçamento e salários, o que gerou privilégios.
O MP tornou-se na prática um quarto poder. Não se subordina ao Legislativo, nem ao Executivo nem ao Judiciário. Passou a dispor de discricionariedade incomum a atores não eleitos. Transformou-se em organização incomum na democracia.
Essa inovação não foi acompanhada, entretanto, de vigilância adequada. O MP não é monitorado. O controle é exercido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, presidido pelo procurador-geral da República e composto basicamente de procuradores, ou seja, dos próprios pares. Isso é inusitado.
Some-se a isso o processo sem paralelo no mundo para a escolha de seu líder. Procuradores elegem três nomes e esperam que o chefe do governo indique um deles ao Senado. A escolha deveria caber exclusivamente a quem detém mandato eleitoral, o presidente. É assim na indicação de ministros do Supremo Tribunal Federal, da diretoria do Banco Central e de outras agências.
O MP parece ter assumido a missão de promover uma “reforma moral” para “salvar” o país de vícios do sistema político. Isso é autoritário e perigoso, além de trazer “marcas de golpismo em vários procedimentos dos procuradores”, que julgam possuir “a certeza trazida pela boa-fé subjetiva”, como disse o professor Roberto Romano em junho passado no jornal O Estado de S. Paulo.
O MP corre riscos. O prestígio advindo dos avanços da Lava-Jato tem instigado procuradores a agir como se detivessem o monopólio de uma ação transformadora que nos salvará da corrupção. Essa percepção arrogante e distorcida pode acarretar efeitos contraproducentes, entre eles a erosão de sua autoridade.
Há que criar mecanismos de controle do MP que evitem o seu repúdio pela sociedade e o esgotamento de tão nobres funções.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2017, edição nº 2547