Os moradores da pequena cidade de Ain Sefra, na Argélia, estão habituados à vista do Saara. Criada pelos franceses em 1881 como um posto militar avançado, a vila é uma das portas de entrada para o deserto no país. Apesar de seu tamanho modesto, Ain Sefra enfrentou episódios famosos, como uma enchente-relâmpago que dizimou a vila em 1904 e a Batalha de MZI, uma das principais na guerra de independência argelina, em 1960. Na semana passada, seus habitantes ganharam notoriedade por outro motivo: a neve. As imagens das dunas cobertas por um manto de gelo em Ain Sefra impressionaram pelo contraste de cores, fenômeno que já ocorreu pelo menos em duas outras ocasiões nas últimas quatro décadas. Apesar das baixíssimas temperaturas à noite, o deserto dificilmente tem neve, devido à falta de umidade. A pintura branca foi gerada por uma rara corrente de ar úmido vinda do Atlântico Norte. A neve no Saara, associada às tremendas tempestades de inverno que açoitam a costa leste dos Estados Unidos, assanhou os negacionistas, assim chamados os que negam peremptoriamente o aquecimento global. Eles foram às redes sociais para apresentar as imagens de neve como prova de suas convicções. Com isso, promovem uma confusão elementar, misturando dois conceitos: o tempo (que se refere ao estado da atmosfera a curto prazo, ontem, hoje ou amanhã) e o clima (que diz respeito ao estado da atmosfera em longos períodos). É por isso que o tempo pode estar frio, com nevascas intensas, mas o clima pode estar ficando gradualmente mais quente. Não é só em Ain Sefra que os tempos andam estranhos.
Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2018, edição nº 2565