Propina além-mar
Investigado em Portugal, o ex-ministro José Dirceu recebeu quase 1 milhão de euros de três empresas de telefonia para viabilizar negócio no governo petista
O inferno de José Dirceu, tal como os pecados, parece não ter fim. Condenado no escândalo do mensalão a sete anos de cadeia, o ex-todo-poderoso ministro de Lula acabou pilhado também no petrolão, como destinatário de propinas pagas por empresas que o contratavam como “consultor” para ampliar seus negócios na Petrobras e em outras áreas do governo. Houve, como se sabe, uma confluência de escândalos: parte da propina do petrolão foi paga enquanto Dirceu cumpria pena no mensalão. Em casa, usando tornozeleira eletrônica e recorrendo de mais duas condenações que passam dos trinta anos, o ex-ministro continua a ter negócios descobertos — agora, além-mar. O achado mais recente vem da Operação Marquês, a Lava-Jato de Portugal. Lá, Dirceu apareceu como beneficiário de pagamentos em troca de usar seu poder para destravar um dos negócios mais rumorosos da era petista: a entrada da Portugal Telecom na sociedade da brasileira Oi.
As autoridades portuguesas chegaram a Dirceu ao destrinchar as conexões do propinoduto que servia a José Sócrates, ex-primeiro-ministro do país, que, na semana passada, foi acusado formalmente por 31 crimes. Escarafunchando arquivos apreendidos em um escritório de advocacia de Lisboa com o qual Dirceu mantinha parceria, os agentes descobriram que o petista usou a banca para esconder pagamentos que somam pelo menos 944 000 euros — cerca de 3 milhões de reais — e que, segundo o Ministério Público português, estavam ligados à transação bilionária da Portugal Telecom com a Oi. Os repasses foram feitos por empresas diretamente interessadas no negócio, entre elas a própria Portugal Telecom e a Zagope, subsidiária da Andrade Gutierrez, cujos donos detinham o controle da Oi.
Uma contabilidade paralela que os investigadores encontraram no escritório registrava os repasses a Dirceu. As planilhas incluíam faturas de um cartão de crédito disponibilizado à família do ex-ministro para bancar gastos mais triviais, além de pagamentos de joias, passagens aéreas, aluguel de carros com motorista e diárias de hotel. Parte do valor em dinheiro chegou a ser transferida para bancos brasileiros, sem a devida declaração. Aparentemente, tanto em Portugal como no Brasil, os laços e meios de operações do esquema de corrupção obedeciam a um mesmo padrão. Agora, diante das descobertas, as autoridades portuguesas devem decidir se abrem investigação formal contra Dirceu.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2017, edição nº 2552