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PM, bandido e boa-vida

Policiais federais prendem subtenente da Polícia Militar que operava um dos principais braços de tráfico de drogas do PCC na fronteira com o Paraguai

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 jul 2018, 06h00 - Publicado em 13 jul 2018, 06h00

Silvio César Molina foi preso pela Polícia Federal em 25 de junho sob a acusação de tráfico de drogas na fronteira com o Paraguai. Seria apenas mais um caso entre tantos não fossem detalhes abjetos: Molina é subtenente da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul (tem mais de vinte anos de carreira e pelo menos duas condecorações por serviço exemplar) e não se contentou em passar de policial a bandido. Chefiava uma das maiores quadrilhas fornecedoras de droga para a principal facção criminosa do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC). A vida dupla, de subtenente da PM no estado e braço logístico de organização criminosa, durou mais de dez anos.

Molina, junto com a sua família, liderava uma quadrilha de 22 pessoas cuja tarefa era buscar maconha e cocaína no Paraguai por meio das estradas vicinais não vigiadas da fronteira e trazê-las ao Brasil em carros pequenos e discretos. A mercadoria era então escondida em galpões próximos à sua fazenda, nos arredores de Mundo Novo, cidade de 18 000 habitantes, a 20 quilômetros da fronteira com o Paraguai. Quando as reservas estavam perto de lotar o espaço, Molina mandava carregar os caminhões. Com a droga camuflada sob sacos de ração de cachorro ou trigo, os veículos partiam para os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Ceará. Daí em diante, a distribuição ficava por conta do PCC.

Molina possuía uma portentosa fazenda em Mundo Novo, com mais de 10 000 metros quadrados de área construída, cuja garagem abrigava Camaros, BMWs e Dodge Rams. Tinha patrimônio estimado em 10 milhões de reais, uma lancha e um jet ski e organizava grandes festas na cidade. Tudo transcorria sob a necessária vista grossa da sua corporação e das autoridades locais até que o filho do PM, Jefferson Molina, mais conhecido como “Jeffinho”, começou a desfilar pelas ruas da cidade em uma Ferrari amarela, que estacionava na rua central para, em seguida, sair andando com uma pistola à mostra na cintura.

HERDEIRO – Jeffinho, filho de Molina, a bordo de uma Ferrari em Paris: executado (//Divulgação)

A PM chegou a receber denúncias anônimas contra Jeffinho no 190, mas nenhum policial se atreveu a tocar o caso adiante. Segundo as investigações da Polícia Federal, Jeffinho não era um mero gastador do dinheiro do pai. Trabalhava ativamente no tráfico, organizando as remessas de droga para São Paulo e para o Nordeste, e recebendo pagamentos — parte deles na forma de carros de luxo.

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Em junho de 2016, Jeffinho foi flagrado numa ação da PF no interior de São Paulo levando joias e 370 000 reais em dinheiro vivo. Como já estava visado em seu estado, a polícia começou a investigá-lo. No mesmo ano, ele foi preso ao tentar transportar armas do Paraguai para o Brasil. Condenado, ficou apenas três meses na cadeia. Um ano mais tarde, foi executado com mais de dez tiros à queima-roupa em uma rua de Mundo Novo. No inquérito aberto para apurar o crime, a Polícia Civil suspeitou que a motivação fosse uma disputa territorial entre traficantes, mas nunca chegou a concluir o caso. As averiguações, no entanto, tiveram outra consequência — levaram a PF até seu pai.

A prisão do subtenente da PM foi a mais recente de uma série de operações que tiveram como alvo policiais militares envolvidos com o PCC em Mato Grosso do Sul. Em maio, outros vinte agentes foram presos no estado por receber até 100 000 reais, cada um, de mesada da organização criminosa para facilitar a passagem de cigarros transportados ilegalmente pela fronteira. Mato Grosso do Sul é hoje visto como o “coração do crime” no país, responsável por abastecer outros estados com drogas, armas e cigarros contrabandeados.

Nas duas últimas décadas, o PCC, surgido em São Paulo nos anos 90, fincou bandeira em todos os 26 estados brasileiros, com ênfase nos que fazem parte da rota do tráfico internacional de cocaína, caso de Mato Grosso do Sul (a maconha é comercializada apenas em território nacional). De acordo com estimativas conservadoras da Polícia Civil de São Paulo, a facção criminosa fatura pelo menos 400 milhões de reais por ano com a droga e tem hoje cerca de 30 000 integrantes — um aumento de quase 600% nos últimos quatro anos. Para defender seus mais estratégicos territórios, o PCC trocou as antigas táticas terroristas — que em São Paulo chegaram a incluir ataques a policiais e a queima de ônibus — pela infiltração nas instituições. E agora dá sinais de que está disposto a investir cada vez mais pesado na cooptação dos agentes que teriam de buscar a sua extinção. Isso só demonstra — mais uma vez — que as autoridades deveriam estar seriamente envolvidas no combate ao PCC. Antes que seja tarde demais.

Publicado em VEJA de 18 de julho de 2018, edição nº 2591

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