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O tempo é aliado deles

Músicos como os septuagenários Paul McCartney e Gilberto Gil já não têm o impacto de antes, mas provam que é possível envelhecer sem perder a relevância

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 ago 2018, 07h00 - Publicado em 31 ago 2018, 07h00

O inglês James Paul McCartney e o brasileiro Gilberto Passos Gil Moreira estiveram na ponta de lança da cultura jovem que dominou os anos 60. A banda de Paul, os Beatles, ditou boa parte da moda, do comportamento e da música da década. O tropicalismo, vanguarda que Gil capitaneou ao lado de Caetano Veloso, foi em certa medida uma versão brasileiríssima da contracultura. Pois Paul McCartney e Gilberto Gil, antigos expoentes da revolução jovem, completaram 76 anos em junho (o cantor baiano é oito dias mais novo). Ativos, estão apresentando discos de canções inéditas — Egypt Station, do inglês, será lançado oficialmente no dia 7 (três músicas já estão disponíveis em plataformas de streaming), e OK OK OK, do brasileiro, já saiu. Não são mais artistas de quem se esperam obras que transformem o rock ou a MPB, mas tampouco são figuras que pararam no tempo, como provam esses novos trabalhos, bem enraizados nas seis décadas de atividade de cada um deles, mas ainda assim vibrantes e ligados aos dias correntes. Nem todo músico domina essa arte de manter-se coerente com a própria trajetória sem se tornar ultrapassado.

Insuperável – Madonna, com inacreditáveis 60 anos recém-completados: nenhuma outra cantora ousou tanto (Michael Loccisano/Getty Images)

Numa entrevista no mês passado, McCartney antecipou que Egypt Station seria um disco mais pop do que os anteriores. Mas sabiamente admitiu que um astro septuagenário não pode ser tão pop quanto as estrelinhas da nova geração: “Jamais conseguiria competir com Taylor Swift. As pernas dela são mais bonitas do que as minhas”. Paul tem transcendido gerações sem nenhum embaraço, fazendo parcerias com o rapper Kanye West, com a cantora Rihanna e com o roqueiro Dave Grohl (o ex-beatle, aliás, tocou bateria em uma das faixas de Concret and Gold, o último álbum do Foo Fighters, a banda de Grohl). Depois dos Beatles, Paul nunca mais foi o ousado inovador de discos como Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Firmou-se como um rematado melodista — qualidade que exerceu palpável influência sobre a fugaz nova onda do rock britânico dos anos 90 (aliás, um ouvinte muito jovem e muito ingênuo até poderia pensar que Fuh You e I Don’t Know, faixas do novo álbum de Paul, foram influenciadas pelo Oasis). Também é um compositor de canções de amor muito simples, banais até, mas irresistivelmente encantadoras. Egypt Station traz, nessa linha, uma boa coleção de baladas: Happy with You, Confidante, Hand in Hand.

Poder do violão - Gilberto Gil: disco concebido durante crises de saúde (Daryan Dornelles/Divulgação)

Se Caetano Veloso foi o grande teórico do tropicalismo — Tropicália é uma verdadeira canção-manifesto do movimento —, Gilberto Gil foi o mais musical da turma que balançou a bossa em 1968. Mais inquieto do que o ex-beatle, ele seguiu inovando e acrescentando elementos — da música de raiz africana à disco — a seu variado caldeirão rítmico e melódico. Em OK OK OK, o compositor baiano reflete, com sereno desassombro, sobre a passagem do tempo e as mazelas da idade. O disco começou a ser gestado quando problemas renais levaram Gil a sucessivas internações hospitalares. A convalescença e o amor pela família são parte central desse trabalho, que ainda faz homenagens a amigos — os médicos que o trataram, a atriz Maria Ribeiro, a jornalista Andréia Sadi, o violonista Yamandu Costa. OK OK OK reafirma o poder de Gil ao violão, num repertório de bossas e sambas enriquecido pela produção de seu filho, Bem Gil. A canção-título é o momento político do álbum. Ex-ministro da Cultura de Lula, Gil, que recentemente participou de um show dedicado a pedir a libertação do ex-presidente condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, ataca as turbas militantes que desejam vencer argumentos pela força: “Dos tantos que me preferem calado / Poucos deles falam em meu favor / A maior parte adere ao coro irado / Dos que me ferem com ódio e terror”. Ainda que se possa discordar das posições públicas do cantor, o argumento em prol do debate livre e civilizado cai bem em dias de linchamentos morais em rede social.

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O Deus que sofre - Eric Clapton: com problemas neurológicos e de audição, ele vem resistindo à aposentadoria (Richard Isaac/Shutterstock)

De uma geração posterior à de Paul e Gil, Madonna também tem envelhecido com certa graça. Não é mais a provocadora que dançava com um santo negro no clipe de Like a Prayer ou escandalizava com as fotos eróticas do livro Sex, mas mostrou-se insubstituível no posto de rainha pop — e é assim que ela tem sido celebrada neste mês em que completou inacreditáveis 60 anos. Britney Spears e Lady Gaga não chegaram perto de sua estatura, e mesmo um inegável talento como Beyoncé não alcançou o impacto que Madonna teve sobre a cultura de seu tempo. Madonna elevou o status da música pop, ao conjugá-la à performance, à dança, às artes visuais. No ano passado, a cantora americana hoje radicada com a família em Lisboa não apresentou grandes novidades. Limitou-se a lançar o CD e o DVD ao vivo da turnê Rebel Heart. Especula-se que o 14º disco de sua carreira chegará às lojas neste ano.

O embate com o tempo tem sido mais duro para o guitarrista inglês Eric Clapton, que vem resistindo à aposentadoria (embora já tenha aventado essa possibilidade). Aos 73 anos, ele está com problemas de audição. Mais grave: sofre de neuropatia periférica, distúrbio do sistema nervoso que prejudica a destreza na guitarra que um dia já lhe rendeu o apelido de “Deus”. Mestre do blues, não é um artista que tenha se renovado como Gil, nem tem um canal com as novas gerações como Paul, mas há uma dignidade heroica na sua longevidade no palco e nos estúdios. Seus shows hoje são bem mais esporádicos, mas ele anuncia, para o fim do ano, um álbum de músicas natalinas.

Nos anos 60, Roger Daltrey, do The Who, cantava que era melhor morrer antes de ficar velho mas ele segue ativo aos 74 anos. É uma canção do repertório dos também septuagenários Rolling Stones que melhor define a carreira de tantos artistas dessa geração: Time Is on My Side o tempo está do meu lado.

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Museologista do rock

Equívoco - Brian May: Queen sem Freddie Mercury não dá pé (Dave J Hogan/Getty Images)

Ex-guitarrista do Led Zeppelin, a maior banda de rock pesado de todos os tempos, Jimmy Page há décadas vive só de reciclar o som que fazia nos anos 70. Dono de uma voz rouca inconfundível, Rod Stewart foi do blues ao pop comercial — e de lá desabou para versões bregas de standards do jazz e do soul. Entre os artistas que perderam o rumo depois de um período de sucesso, porém, talvez não exista caso mais lamentável que o dos antigos integrantes do Queen, o guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor. Freddie Mercury, vocalista morto em decorrência da aids, em 1991, era a alma da banda, e como tal, insubstituível. Seus antigos companheiros, porém, insistem em voltar ao palco com cantores de voz fraca e carisma nulo, como Paul Rodgers e Adam Lambert. Em novembro, estreia um filme sobre a trajetória do Queen, realizado sob a supervisão direta de Brian May, que hoje exerce essa estranha função de curador de tudo o que diz respeito a sua antiga banda. É o museologista do rock.

Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598

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