Recomenda o pragmatismo que quem almeja chegar ao poder ou nele se manter deve buscar o apoio do Partido da República (PR). Sexta maior força na Câmara dos Deputados, com 41 parlamentares, a legenda sempre é cortejada em momentos importantes da política nacional. Nos últimos anos, o partido marchou na trincheira do governo de Lula, prestou apoio ferrenho à presidente Dilma Rousseff, depois atuou pelo impeachment da ex-aliada e logo se uniu com fervor ético a Michel Temer, trabalhando duro pelo arquivamento das duas denúncias criminais contra o atual presidente. Em época de eleição, o PR é particularmente cobiçado pelo um minuto e meio de propaganda diária de que dispõe na TV — tempo considerado suficiente para desequilibrar a disputa em favor de um candidato. Com tanto a oferecer, a legenda vem sendo assediada pelos principais presidenciáveis, a despeito de sua trajetória errática.
O tucano Geraldo Alckmin reuniu-se recentemente com as lideranças do PR. Tentou costurar uma aliança que envolveria os partidos considerados de centro. Nessa configuração, os republicanos indicaram como vice-presidente o empresário Josué Gomes, filho de José Alencar, que foi vice de Lula em seus dois mandatos. A proposta conta com a simpatia de legendas como DEM, PP, PRB e SD. As conversas, porém, não evoluíram. Alckmin continua encrencado nas pesquisas, o que provoca desconfiança no PR. O principal empecilho dessa aliança é que boa parte dos parlamentares do PR, de olho nas pesquisas, prefere apoiar o deputado Jair Bolsonaro, que lidera a disputa. Bolsonaro, que tem direito a menos de dez segundos de propaganda diária na TV, interessado em atrair o PR, convidou o senador Magno Malta para ser o candidato a vice. Malta é do PR do Espírito Santo.
Pela história do PR, sabe-se que apoio político e coligação formal são o resultado de uma equação que nunca é igual a zero. Na campanha de 2002, a legenda cobrou — e levou — 10 milhões de reais para apoiar o PT. Depois, no governo Lula, o PR foi um dos pilares do mensalão, que acabou com a prisão de parlamentares da legenda, incluindo seu então presidente, Valdemar Costa Neto, que foi condenado a pena de sete anos e dez meses de cadeia por corrupção. Costa Neto continua mandachuva do PR. No governo Dilma, sem a atraente vitamina do mensalão, o partido preferiu outro tipo de quitute: nacos do poder. Assim, manteve o controle do Ministério dos Transportes, no qual montou um eficiente propinoduto em que circulavam dinheiro e contratos com empreiteiras e fornecedores. No governo de Temer, o partido mostrou que gostara da experiência e exigiu seguir no comando dos Transportes, administrando um orçamento de 22 bilhões de reais. Conseguiu o que queria.
Em fevereiro deste ano, poucos dias após um encontro reservado entre Temer e Costa Neto no Palácio do Jaburu, o PR avançou na sobremesa: emplacou no comando da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) o engenheiro Mário Rodrigues Junior. Ex-diretor da Dersa, a concessionária do governo paulista, Rodrigues foi acusado por executivos das empreiteiras Odebrecht e OAS de arrecadar propinas nas obras do Rodoanel, em São Paulo. A nomeação provocou revolta em servidores da ANTT, que entenderam seu significado pecuniário. Um mês depois da posse, um técnico da agência denunciou irregularidades em uma licitação de 100 milhões de reais para prestação de serviços de supervisão de fiscalização das concessões de rodovias federais.
Seguindo o receituário do PR, o edital foi confeccionado pelas empresas interessadas no negócio, e não por funcionários do órgão, com a finalidade de “direcionar o procedimento licitatório para empresas que já mantêm contrato com a ANTT”. O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou na concorrência um superfaturamento próximo a 5 milhões de reais, ou seja, 5% do valor total do contrato. Os auditores também constataram no processo, que foi suspenso, uma série de “cláusulas subjetivas”, que poderiam favorecer algumas empresas. “Os indícios de irregularidades se mostram ainda mais evidentes quando se observa que estas cláusulas subjetivas na licitação da ANTT já foram identificadas como inadequadas pelo TCU em outra licitação publicada pela Valec”, diz a análise do TCU, referindo-se a outra empresa do Ministério dos Transportes.
Bolsonaro afirma que a aliança com o PR não envolve nenhum tipo de negociação espúria, promessas ou contrapartidas. “Se o partido quiser, pode vir, a gente conversa aqui no gabinete, aberto. Não vai ter ‘eu quero o Banco do Nordeste’. Não vai ter esse papo.” Se conseguir isso, Bolsonaro terá mudado a história, a cultura e a alma do PR. Magno Malta prometeu responder até 15 de julho se aceita ser vice de Bolsonaro. Malta pode estar na dúvida, mas o PR está empolgado. O partido pretende indicar outro nome, caso o senador não queira. Ganha um cargo ministerial quem conseguir explicar o entusiasmo do PR.
Com reportagem de Gabriel Castro
Publicado em VEJA de 4 de julho de 2018, edição nº 2589