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O padrão Chico Buarque

'Caravanas', o novo disco do compositor, eleva-se à alta qualidade que ele mesmo estabeleceu na longa carreira

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 ago 2017, 18h55 - Publicado em 25 ago 2017, 06h00
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  • Primeiro disco de Chico Buarque desde 2011, Caravanas traz apenas sete músicas inéditas, além de duas regravações (Dueto, em que Chico canta junto com a neta Clara Buarque; e A Moça do Sonho). O compositor, de 73 anos, já não se mostra prolífico como era nas décadas de 60 e 70, época de ouro da MPB, mas sua sensibilidade melódica e seu apuro poético seguem inigualáveis. Caravanas é um dos melhores trabalhos de sua carreira, proclama o produtor João Marcello Bôscoli, filho de Elis Regina e Ronaldo Bôscoli, na sua entusiasmada e personalíssima apreciação do álbum. Será difícil compará-­lo a qualquer outro disco: Chico, afinal, é o único padrão para avaliar Chico, como atestam, a seguir, os diálogos entre canções novas e antigas.


    Tua Cantiga

    “Quando teu coração suplicar
    Ou quando teu capricho exigir
    Largo mulher e filhos
    E de joelhos
    Vou te seguir”

    DIALOGA COM

    Mulheres de Atenas (1976)

    “Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
    Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas”

    Uma discussão bizantina transformou a letra de Tua Cantiga num suposto libelo machista, desconectado do atual tempo de conquistas femininas. Bobagem. Os críticos confundiram a obra com o criador. O que seria da clássica Mulheres de Atenas sem essa compreensão da evidente ironia que atravessa a poesia?


    Blues para Bia

    “Que no coração de Bia
    Meninos não têm lugar
    Porém nada me amofina
    Até posso virar menina
    Pra ela me namorar”

    DIALOGA COM

    Bárbara (1973)

    “Vamos ceder enfim à tentação das nossas bocas cruas
    E mergulhar no poço escuro de nós duas”

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    O suave Blues para Bia trata de um homem insinuante que recebe um não rotundo de uma moça lésbica. A menção à homossexualidade fez muito mais barulho no início dos anos 70: a letra de Bárbara foi censurada. Em Calabar, trilha sonora da peça da qual ela fazia parte, ouvia-se apenas a melodia.


    Jogo de Bola

    “Vivas à galera, vivas às maria-chuteiras
    Cujos corações incandescias
    Outrora, quando em priscas eras
    Um Puskás era
    A fera das feras da esfera”

    DIALOGA COM

    Ilmo. Sr. Ciro Monteiro ou Receita para Virar Casaca de Neném (1970)

    “Amigo velho
    Amei o teu conselho
    Amei o teu vermelho
    Que é de tanto ardor
    Mas quis o verde
    Que te quero verde
    É bom pra quem vai ter
    De ser bom sofredor
    Pintei de branco o teu preto (…)
    E nasceu desse jeito
    Uma outra tricolor”

    Chico é tricolor — torcedor fanático do Fluminense. Ao longo de sua obra há inúmeras metáforas futebolísticas, ou letras sobre o tema, como O Futebol, de 1989. Ilmo. Sr. Ciro é brincadeira com um amigo que deu de presente de nascimento para a primeira filha do compositor uma camisa rubro-negra do Flamengo.

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    Massarandupió

    “Lembrar a meninice é como ir
    Cavucando de sol a sol
    Atrás do anel de pedra de cor de areia
    Em Massarandupió”

    DIALOGA COM

    João e Maria (1977)

    “Eu enfrentava os batalhões
    Os alemães e seus canhões
    Guardava o meu bodoque
    E ensaiava um rock para as matinês”

    Aqui a relação é sentimental, com temas muito comuns nas letras de Chico — o passar dos anos, o tempo da infância, os amores juvenis, as lembranças pueris que nos acompanham por toda a vida. A melodia da valsa Massarandupió (praia do litoral baiano) é do neto, Chico Brown.


    Casualmente

    “La canción, la mujer
    El crepúsculo, la catedral
    Hasta el mar de La Habana es lo mismo,pero
    No es igual
    No es igual”

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    DIALOGA COM

    Tanto Amar (1981)

    “A metade do seu olhar
    Está chamando pra luta, aflita
    E metade quer madrugar
    Na bodeguita”

    Cuba sempre atraiu o interesse de Chico — do ponto de vista político e sentimental. O bolero Casualmente, escrito em português e espanhol, cita uma balada do cubano Silvio Rodríguez, Pequeña Serenata Diurna, gravada pelo brasileiro em 1978.


    Desaforos

    “Nunca bebemos
    do mesmo regato
    Sou apenas um mulato que toca boleros”

    DIALOGA COM

    Quem Te Viu, Quem Te Vê (1967)

    “Hoje a gente anda distante
    do calor do seu gingado
    Você só dá chá dançante
    onde eu não sou convidado”

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    O samba-canção de agora conversa com um dos sambas mais conhecidos de Chico. Ambos tratam do amor desdenhado. Na obra-prima antiga, o cantor chega a ter uma relação com a amada. Em Desaforos, ela parece desprezar o “mulato que toca boleros”.


    As Caravanas

    “A Caravana do Irajá,
    o comboio da Penha
    Não há barreira que retenha
    esses estranhos
    Suburbanos tipo muçulmanos
    do Jacarezinho”

    DIALOGA COM

    Partido Alto (1972)

    “Deus me deu muitas saudades e muita preguiça
    Deus me deu perna comprida e muita malícia
    Pra correr atrás da bola e fugir da polícia
    Um dia ainda sou notícia”

    O fosso social cavado no Rio de Janeiro foi sempre assunto do compositor. Aparece em Brejo da Cruz (“Na rodoviária assumem formas mil / Uns vendem fumo / Tem uns que viram Jesus”) e em O Meu Guri. As Caravanas tem pegadas de jazz e funk e um fôlego épico. As “caravanas” que saem da Zona Norte para a Zona Sul, vistas da perspectiva de pessoas que habitam o lado nobre da cidade, são compostas de gente como o personagem desvalido de Partido Alto.

    Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2017, edição nº 2545

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