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O delator sai de campo

Depois de delatar colegas em escândalo de corrupção no futebol, J. Hawilla teve aval da Justiça americana para vir ao Brasil — onde morreu após casar filha 

Por João Batista Jr.
Atualizado em 1 jun 2018, 06h00 - Publicado em 1 jun 2018, 06h00

“Um martírio.” Era assim, em tom de lamento e com certo exagero, que o empresário J. Hawilla resumia aos amigos sua vida em Miami entre 2014 e o início de 2018. O ex-jornalista de esportes que se tornou dono da empresa de marketing esportivo Traffic não tinha tantos motivos assim para se queixar. Ao selar um acordo de delação premiada com o FBI, para revelar e construir provas no chamado Fifagate, o maior escândalo de corrupção do futebol mundial, ficou impedido de deixar o solo americano. Mas o exílio que lhe foi imposto se deu em sua luxuo­sa residência no condomínio de Fisher Island, uma ilha privada localizada em South Beach, com acesso só por barco. Enquanto isso, alguns de seus ex-colegas de negociatas começaram a pagar pelos crimes relatados com bem menos regalias: de dentro da cadeia (veja o quadro). O empresário não teve tempo de ouvir sua sentença final, que deve ser dada pela corte americana em outubro. Ele morreu no dia 25 de maio, em consequência de complicações causadas por uma fibrose pulmonar. Tinha 74 anos.

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O delator ficou eufórico quando recebeu autorização judicial para visitar o Brasil. A viagem ocorreu em 1º de fevereiro. O trajeto de pouco mais de sete horas entre Miami e São Paulo teve contratempos. Antes de embarcar na companhia dos filhos Stefano e Rafael na classe executiva da American Airlines, ele se assegurou de que poderia carregar seu balão de oxigênio portátil. Depois que a aeronave já havia decolado, porém, soube da escassez de tomadas. O balão precisou ser plugado na cozinha, no dispositivo destinado à torradeira.

Já em São Paulo, Hawilla se instalou com a mulher em sua casa no bairro do Jardim América, onde tinha como vizinhos outros enrolados com a Justiça, como Paulo Maluf e Joesley Batista. Na cidade, a família iniciou um périplo por consultórios médicos na tentativa de aplacar seu problema respiratório. Fumante durante décadas, o empresário contraiu uma gripe que evoluiu para pneumonia durante a Copa da África do Sul, em 2010. O fato de não ter seguido um tratamento adequado na ocasião fez com que o quadro progredisse para uma fibrose pulmonar (quando ocorrem o endurecimento das células do pulmão e a perda da capacidade respiratória). Não há cura para o mal. Por recomendação médica, dias após desembarcar no Brasil, Hawilla viajou com a família para o Guarujá, no litoral do estado, na esperança de ver a saúde melhorar. Em vão. Não conseguia desgrudar-se do balão nem mesmo para ir ao banheiro.

Nas últimas semanas, o estado de saúde do empresário se agravou com o acúmulo de ar na pleura, a membrana que envolve o pulmão. Sua capacidade respiratória ficou ainda mais reduzida e ele foi internado no Hospital Sírio-Liba­nês, onde se submeteu a uma cirurgia. Recebeu alta no dia 18. Um dia depois, pôde participar em casa de uma festa com a família e uns poucos amigos para celebrar o casamento religioso de sua filha caçula, Renata, com o empresário Antonio Mata Pires. Para quem não ligou o nome ao escândalo, o noivo é o herdeiro de Cesar Mata Pires, fundador da construtora OAS, empresa que deu em forma de suborno o tríplex a Lula no mesmo Guarujá onde Hawilla tem casa. Renata e Antonio haviam se casado no civil em maio de 2015, sem a presença de Hawilla, que pediu que se repetisse o enlace na sua frente. Na mesma ocasião, foram batizados dois netos: Olívia, de 1 ano, a única filha de Renata com Antonio, e Luca, o segundo filho de Rafael com a arquiteta Adriana Helu. Hawilla foi internado novamente no dia seguinte às celebrações.

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TEMPOS DE “LATINHA” – Com Pelé, quando era repórter de rádio (Museu do Futebol/.)

Morreu na UTI do Sírio-Libanês na madrugada de 25 de maio, enquanto dormia, na presença de Eliane, sua mulher. Deixou três filhos, seis netos e uma dívida multimilionária com a Justiça dos Estados Unidos. No acordo com o FBI, ficou acertado que ele pagaria multa de 151 milhões de dólares. Hawilla quitou apenas 25 milhões de dólares. O montante que falta — 126 milhões de dólares — deve ser quitado em prestações assim que a sentença final sair. Mas os herdeiros do empresário não precisam se preocupar. O antigo “latinha” — como são chamados ainda hoje os repórteres de rádio que, munidos de microfone, entrevistam os jogadores de futebol no gramado — deixou um patrimônio respeitável. Ele é dono da TV Tem, filiada à Rede Globo no interior paulista, de um condomínio de luxo com 700 000 metros quadrados de área e um centro empresarial de doze torres em São José do Rio Preto, além de muitos outros imóveis. Poucos dias antes de morrer, o dono da companhia que negociava transmissão de campeonatos de futebol e venda de publicidade em estádios comparou seus delitos a outro tipo de crime. “O esquema no futebol é como o tráfico de drogas: uma vez que você se filiou a uma facção, não tem mais como deixá-la.”

Publicado em VEJA de 6 de junho de 2018, edição nº 2585

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