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Não matem a indústria

Atividade industrial é crucial para a geração de empregos qualificados e o crescimento vigoroso do país, apesar de alguns membros do governo acharem que não

Por Robson Braga de Andrade*
Atualizado em 9 fev 2018, 06h00 - Publicado em 9 fev 2018, 06h00

Um destacado membro da equipe econômica fez, recentemente, uma afirmação absurda: disse que não é relevante se o Brasil exporta produtos manufaturados ou agrícolas. Não se trata aqui de desmerecer o agronegócio, que, sem dúvida, é uma das âncoras da economia nacional, mas de demonstrar a crucial importância da indústria para o desenvolvimento econômico, social e tecnológico do Brasil — ontem e hoje. O burocrata certamente ignora que a indústria é responsável por 21% do produto interno bruto (PIB) e por uma fatia similar dos empregos do país, por 55% das exportações, 66% dos gastos em pesquisa e desenvolvimento feitos pela iniciativa privada e por mais de 30% da arrecadação de tributos federais. E ainda que a cada real produzido na indústria são gerados 2,32 reais na economia nacional como um todo. Nos demais setores, o valor é menor: 1,67 real na agricultura e 1,51 real em comércio e serviços. Como a indústria nacional também paga salários muito superiores aos dos outros segmentos, seu enfraquecimento levaria, a longo prazo, à queda do PIB per capita brasileiro, aprisionando nosso país na armadilha da renda média.

O burocrata deve ignorar, do mesmo modo, que a indústria desempenha um papel estratégico na dinamização de todo o setor produtivo brasileiro, como ofertante e demandante de tecnologias e como a principal geradora de inovação para os demais segmentos da economia. É na indústria que são desenvolvidas e produzidas, por exemplo, novas e melhores variedades de sementes, defensivos mais eficazes e seguros, além das modernas máquinas que fazem da agricultura brasileira uma das mais competitivas do mundo. É também na indústria que se agrega valor à produção agrícola, transformando-a em novos produtos, inclusive com o emprego de biotecnologia e nanotecnologia, a construção de estruturas e novos materiais em escala atômica e molecular. O setor industrial brasileiro viabiliza, como demandante, o desenvolvimento de serviços de alto valor agregado, entre eles pesquisa, design, logística e marketing, para citar alguns. Isso significa que tanto uma agricultura competitiva quanto um setor de comércio e serviços sofisticado, com atividades de alto valor agregado, dependem de uma indústria forte e moderna operando no país.

Por essas e outras razões, a indústria continua sendo extremamente importante para o Brasil, apesar de alguns analistas e membros do governo subestimarem seus efeitos sobre o conjunto da atividade econômica. É inegável que, nos últimos anos, houve uma queda na participação da indústria no PIB brasileiro, mas é preciso ressaltar que esse é um fenômeno universal e irreversível. O desenvolvimento de cadeias globais de valor, os novos competidores (em especial da Ásia), os ganhos de produtividade da própria indústria e as transformações do padrão de consumo em direção a serviços são forças sem retorno no mundo inteiro.

É preciso uma revolução no ambiente de negócios, nas regras e no modelo mental do empreendedorismo

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A diminuição do tamanho da indústria no PIB, no caso do Brasil, tem uma causa extra: o desenho inadequado de políticas públicas que não assimilaram as transformações ocorridas na economia global. Tal fator contribui para o caráter precoce da nossa desindustrialização, pois, nos países mais bem-sucedidos, esse movimento se dá no sentido de serviços de alto valor agregado, ao mesmo tempo que se preservam as atividades industriais mais sofisticadas. Entretanto, é possível recuperar parte do terreno perdido com a adoção de medidas apropriadas. Somos plenamente capazes de viabilizar uma indústria mais dinâmica, maior e melhor. A história prova que, quando o talento empreendedor do brasileiro é apoiado por políticas adequadas, nossa indústria se mostra capaz de feitos extraordinários, viabilizando empresas que se tornaram líderes mundiais em seus segmentos.

O planejamento para propiciar o fortalecimento do setor industrial, com todos os benefícios que isso acarretará para o país, é conhecido. Ele tem três pilares: solidez dos fundamentos macroeconômicos, qualidade do ambiente de negócios e desenvolvimento de competências. Para que essa base se mantenha, é fundamental arrumar a casa. Déficits insustentáveis nas contas públicas são um sinal de mais desarranjos no futuro, simbolizados por inflação recorrente e taxas de juros elevadas. O equilíbrio fiscal, porém, é uma condição necessária, mas não suficiente. Precisamos promover uma revolução no ambiente de negócios, nas regras e no modelo mental que orientam o tratamento ao empreendedor. Esse é um desafio para o Congresso, o Executivo e o Judiciário — na verdade, para toda a sociedade.

É imprescindível, ainda, desenvolver novas competências. A política industrial, tecnológica e de comércio exterior deve facilitar a transformação estrutural, o surgimento de mais empreendedores e a criação de ativos de conhecimento científico e tecnológico que ajudem a capturar as novas oportunidades decorrentes da Quarta Revolução Industrial, que já está em curso. Deve-se ressaltar que o setor tem atuado firmemente para inserir o Brasil na chamada Indústria 4.0. A Mobilização Empresarial pela Inovação, coordenada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), reúne cerca de 200 líderes empresariais empenhados em implementar uma agenda de inovação e em colaborar para a construção de políticas públicas que impulsionem a competitividade brasileira. Entre outras ações do Sistema Indústria nessa área, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) está viabilizando, em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), um dos maiores investimentos institucionais em inovação da história do país, com a implantação de uma rede com 57 institutos de tecnologia e 25 institutos de inovação, que têm sido essenciais para tornar os produtos brasileiros competitivos em relação a concorrentes externos.

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Entretanto, todo esse esforço será vão se não forem eliminadas as engrenagens da máquina mortífera destruidora de investimentos e de empregos: o péssimo ambiente de negócios marcado por regras excessivas e incertezas que arruínam a capacidade empreendedora do país. É fundamental a implementação de uma agenda que torne bem-vinda a atividade de empreender — e não que a desestimule. São necessárias ações abrangentes para enfrentar a perda de dinamismo e reverter essa tendência. Esse sentimento precisa estar presente em toda a sociedade: os riscos atuais da indústria são um problema de todo o país. A perda de competitividade afeta a todos, e a pressão competitiva existente no mercado mundial atinge, diretamente, os produtos manufaturados, com impactos na cadeia produtiva de fornecedores de insumos e serviços. Se nossos produtos ficam para trás na competição no mercado externo e na disputa com os importados no âmbito doméstico, toda a economia brasileira perde. Por tudo isso, é crucial pôr a indústria no centro da estratégia de crescimento do país. Só assim o Brasil contará com um crescimento vigoroso e a geração de empregos qualificados.

* Robson Braga de Andrade é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

Publicado em VEJA de 14 de fevereiro de 2018, edição nº 2569

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