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Na quadra e na vida

O tênis era um esporte esquecido pelos cineastas. Mas dois bons filmes recentes descobriram que grandes dramas podem acontecer entre uma e outra raquetada

Por Alexandre Salvador Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 19h45 - Publicado em 10 nov 2017, 06h00

O esporte tem sido matéria-prima de grandes filmes. Ou, pelo menos, alguns esportes: histórias de boxeadores reais ou fictícios foram apresentadas em Touro Indomável, Rocky e Menina de Ouro; o beisebol aparece em Campo dos Sonhos e Moneyball — O Homem que Mudou o Jogo; o papel do rúgbi na África do Sul pós-­apartheid é retratado em Invictus; e pilotos de Fórmula 1 são os heróis de Grand Prix e Rush — No Limite da Emoção. No campo, no ringue ou na pista de corrida, está tudo ali, à disposição do roteirista: o drama, a superação e o desfecho épico.

Certas modalidades esportivas, no entanto, têm sido negligenciadas pelo cinema. Quase não há bons filmes sobre futebol, embora este seja o esporte mais popular do planeta. O tênis, que desde os anos 1980 produz rivalidades marcantes, também era esquecido. A afirmação vai no pretérito porque, somente neste ano, duas grandes histórias das quadras foram reconstituídas com competência. Em cartaz nas telas brasileiras desde a quinta-feira 9, Borg vs McEnroe (Borg, Suécia, 2017) relembra a grande final de Wimbledon (um dos quatro torneios mais importantes do circuito profissional de tênis — os célebres Grand Slams) de 1980, disputada entre o tenista sueco Björn Borg (Sverrir Gudnason), que de tão frio e preciso em quadra era apelidado de IceBorg, e o irascível e igualmente talentoso americano John McEnroe (Shia LaBeouf). A Guerra dos Sexos (Battle of the Sexes, Estados Unidos, 2017), em cartaz há mais tempo no país, trata de um embate inusitado, que repercutiu na política do esporte: em 1973, disputaram uma partida de exibição a tenista americana Billie Jean King (Emma Stone), a melhor jogadora do mundo naquela época, e Bobby Riggs (Steve Carell), ex-­jogador machista e falastrão que não se conformava com o próprio ocaso.

McEnroe questionou a capacidade técnica de reencenar partidas históricas. “É difícil até para um tenista profissional repetir o que ele próprio fez”, disparou o ex-tenista, antes mesmo de assistir ao filme. “Então, como um ator fará isso em cena sem parecer falso?” Obviamente, nenhum dos atores empunhou uma raquete com a destreza dos profissionais. Dos quatro protagonistas desses dois filmes, o único que tinha alguma familiaridade com o esporte era Carell (cuja missão era também mais fácil: reproduzir o estilo de jogo de um profissional aposentado e fora de forma). O fato é que os diretores (Janus Metz, de Borg vs McEnroe, e o casal Jonathan Dayton e Valerie Faris, de A Guerra dos Sexos) se sagraram vencedores na reprodução das partidas: com o velho recurso dos dublês e as novas ferramentas de computação digital, as trocas de bola passam sem causar estranheza, e até transmitem um pouco da tensão vivida em quadra.

Política esportiva – O duelo entre Billie Jean King (Emma Stone) e o “porco chauvinista” Bobby Riggs (Steve Carell): pela igualdade entre os sexos
Política esportiva – O duelo entre Billie Jean King (Emma Stone) e o “porco chauvinista” Bobby Riggs (Steve Carell): pela igualdade entre os sexos (//Divulgação)

Entre os intérpretes, o melhor foi LaBeouf: mesmo sem ter contado com a colaboração de McEnroe, o ator excêntrico de Ninfomaníaca parece ter encontrado um espelho no garoto-problema do tênis mundial. Emma Stone teve vários encontros com Billie Jean King, que lhe deu orientações para o trabalho em A Guerra dos Sexos. Sua reprodução dos trejeitos da tenista não é tão exata, mas a atriz oscarizada por La La Land está impecável na tarefa de transmitir as emoções conflitantes de uma partida emblemática para as mulheres do esporte. Billie Jean foi a primeira a se rebelar contra o sistema desigual de pagamento a atletas do sexo feminino. Criou um circuito independente de torneios, o Virginia Slims Series, berço da WTA, associação que até hoje rege o tênis profissional feminino. No mesmo período em que se empenhou pela igualdade de tratamento para homens e mulheres, Billie Jean descobriu-se homossexual. Teve um caso com uma mulher quando ainda era casada com um homem.

Os dois filmes conseguem deleitar inclusive a quem não é aficionado do tênis, mas, é claro, serão mais apreciados por fãs do esporte. O embate entre Borg e McEnroe — que, embora exibissem estilos opostos, tinham a inquietação comum aos gênios da raquete — permite entender melhor a dinâmica de outras rivalidades das quadras: Sampras contra Agassi, ou Federer contra Nadal, para citar apenas duas. E o exemplo de Billie Jean King desdobra-se para além dos torneios. Nas palavras do ex-­presidente americano Barack Obama, que em 2009 premiou a tenista com a Medalha Nacional da Liberdade, Billie Jean ajudou a mudar a forma como as mulheres, atletas ou não, viam a si mesmas: “Ela deu a qualquer um, sem importar o gênero ou a orientação sexual, uma chance de competir tanto na quadra quanto na vida”. A quadra e a vida são matéria para bom cinema.

Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2017, edição nº 2556

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