Na prova dos 100
O inventor do método que se tornou sinônimo de boa forma no Brasil diz que o importante é perceber os benefícios de se exercitar para aumentar a longevidade
O que você faz para manter a forma? Se a pergunta fosse dirigida a um brasileiro décadas atrás, muito provavelmente a resposta seria esta: “Faço cooper”. O método de corridas de doze minutos concebido em 1968 para aferir o preparo físico de recrutas da Força Aérea americana foi batizado com o nome de seu criador, o médico Kenneth Cooper, que se tornaria mundialmente célebre por defender tal atividade como o modo ideal de atingir o bem-estar. Em 2003, no entanto, o próprio Cooper admitiu, em entrevista a VEJA, que, além da corrida, era preciso dedicar-se ao fortalecimento muscular para manter a saúde. Hoje, aos 87 anos, ele diminuiu o ritmo: trocou a corrida pela caminhada, contudo segue com as sessões de musculação. “Minha meta atual é chegar aos 100”, informa, convicto de que vai vencer essa prova. Com o corpo são, cultiva uma mente idem, à frente do centro de estudos e treinamentos que também leva seu nome, localizado no Texas. Por telefone, ele voltou a falar a VEJA.
Em uma entrevista publicada nas Páginas Amarelas em 2003, o senhor salientou a necessidade de combinar corrida com musculação. Se tivesse de reescrever do zero o Método Cooper, o senhor aumentaria a relevância da força em detrimento do fôlego? Acho que aprendi com o tempo. Muitas pessoas me acusaram de mudar minhas recomendações apenas para vender livros. Isso me enoja. Se minhas palavras mudaram ao longo do tempo, isso aconteceu com base em pesquisas muito bem fundamentadas. Quando escrevi o primeiro livro, as pessoas disseram que eu havia sido severo com os levantadores de peso. Falei que eu mesmo fazia musculação, mas que essa atividade deveria ser realizada como complemento, e não no lugar de um programa de condicionamento aeróbico. Minhas recomendações mudaram nas publicações mais recentes. Eu mesmo decidi parar de correr em 2004, depois de 52 anos ininterruptos. Sofri uma fratura no joelho direito ao esquiar. Parei de correr, porém não de me exercitar. Os estudos mostram que, aos 80 anos, se você conseguir caminhar 1 milha (1 600 metros) em dezessete minutos, isso aumentará em 84% as chances de viver por mais dez anos, independentemente do seu histórico médico. Então, aos 87 anos, tento caminhar a minha milha em quinze minutos, quinze minutos e meio. Hoje digo que, se você corre mais de 15 milhas (24 quilômetros) por semana, está buscando encrenca. Acima desse limite, existe um risco maior de lesões musculoesqueléticas.
Falando à revista em outra oportunidade, em 1979, o senhor parecia desprezar os riscos inerentes à corrida ao dizer que, “se aumenta o número de corredores, é natural que aumente o número dos que morrem correndo”. Arrepende-se dessa simplificação? Quando meu primeiro livro, Capacidade Aeróbica, foi lançado, há meio século, tínhamos menos de 100 000 corredores habituais nos EUA. Em 1984, passamos a ter quase 34 milhões de corredores. Atualmente, esse número baixou para algo entre 20 milhões e 25 milhões. E todos os anos, desde 1968, o número de mortes causadas pela doença arterial coronariana vem diminuindo. No acumulado dos últimos cinquenta anos, caiu 64%. É claro que isso não pode ser atribuído somente à corrida, entretanto manter uma atividade física não aumentou o número de mortes relacionadas a doenças coronarianas. Pelo contrário, salvou milhares de pessoas. Nenhum remédio, cirurgia ou maratona é uma panaceia. No entanto, o fato é que, se você sofrer um ataque do coração e tiver uma rotina de exercícios, suas chances de sobreviver serão maiores. Isso está documentado. Contudo, existe, sim, um risco inerente à corrida.
“Nenhum remédio, cirurgia ou maratona é uma panaceia. Mas, se você sofrer um ataque do coração e tiver uma rotina de exercícios, suas chances de sobreviver serão maiores”
Afinal, o Teste de Cooper ainda é um método válido para se manter em forma? O teste foi criado e validado cientificamente antes do lançamento de Capacidade Aeróbica, em 1968. Foi a primeira vez que tivemos a chance de provar numa pista de corrida algo que só podia ser medido até então na esteira dentro de um laboratório. A corrida de doze minutos tornou-se padrão, pois, por meio dela, conseguimos testar um número alto de pessoas num período curto de tempo. No Brasil, inclusive, esse teste de esforço, dada a sua legitimidade científica, passou a ser usado como o próprio programa de treinos. Foi daí que surgiu a expressão “fazer um cooper”. No livro, dizíamos que, se você percorresse 2 400 metros em doze minutos, quatro vezes por semana, atingiria um bom preparo físico. Tem gente que segue essa metodologia até hoje. Mas estamos tentando nos adaptar às novidades tecnológicas. Meu filho vem desenvolvendo um aplicativo que fará todas as medições automaticamente e dirá ao usuário qual seu nível de preparo físico. Fora isso, realizamos estudos aqui em nosso centro para aferir o impacto dos exercícios nos gastos com saúde. O mais recente analisou 69 indivíduos e monitorou quanto dinheiro eles gastaram com médicos em um período de três anos. Chegamos à conclusão de que os 30% mais bem ranqueados no Teste de Cooper apresentaram gastos 40% menores que os 30% mais lentos. Os planos de saúde estão de olho nesses dados.
Para as novas gerações, “fazer cooper” teria perdido um pouco do sentido. Isso o incomoda? Não me importa se estão fazendo cooper, correndo, pedalando. Se as pessoas conseguirem perceber os benefícios de se exercitar regularmente, aumentando sua longevidade e qualidade de vida, eu morrerei em paz. E sou eternamente grato aos brasileiros e ao meu grande amigo Claudio Coutinho (1939-1981), preparador físico da seleção brasileira na Copa de 1970. Nós nos conhecemos em maio de 1968, num congresso que aconteceu na França. Eu estava lá falando sobre o Capacidade Aeróbica e ele pensou que o método seria uma excelente maneira de preparar fisicamente a seleção para o torneio que aconteceria na altitude do México. No início, os jogadores não estavam muito animados a cumprir o teste. Porém me lembro de ter dito que, se eles seguissem minhas recomendações, ficariam menos cansados. E o resto é história. Foi graças a vocês, brasileiros, que meu livro foi traduzido para 41 idiomas e se tornou um fenômeno mundial.
O senhor tem uma explicação para o fascínio humano por correr em busca de uma marca totalmente arbitrária? Bem, por que as pessoas fazem alguma coisa? Por que buscam o cume de montanhas? Porque existe uma meta. Recordes estão aí para ser batidos. Minha meta atual é chegar aos 100 anos. Parece surrealista? Talvez. Entretanto, estou tentando seguir aquilo que prego. Se digo que devemos ouvir nosso corpo, é preciso fazer ajustes ao longo do caminho. Como, por exemplo, parar de correr. Odiei quando esse dia chegou. No entanto, não parei de me exercitar. Temos de aceitar que não podemos reverter completamente o processo de envelhecimento, contudo podemos freá-lo. Passamos há tempos do ideal atlético. Não se trata apenas de ter um corpo sarado. É uma questão de bem-estar. Pergunte a qualquer pessoa que corre há pelo menos cinco anos o porquê dessa atividade e ela dirá: “Porque a corrida me faz bem”. A resposta é qualidade de vida. Ao longo dos anos, comprovamos que corredores são menos suscetíveis a depressão, menos hipocondríacos, possuem uma atitude positiva em relação à vida e fazem menos reclamações médicas. Ao ser exposta a uma rotina regrada de exercícios, a pessoa muda tanto física quanto psicologicamente.
“Não se trata apenas de ter um corpo sarado. É uma questão de bem-estar. Corredores são menos suscetíveis a depressão, menos hipocondríacos e possuem uma atitude positiva em relação à vida”
Nesses cinquenta anos, qual tem sido a maior dificuldade para convencer as pessoas a se exercitar? É preciso educar os médicos. Antes de 1989, quando publiquei um estudo no Journal of the American Medical Association cujo título era “O impacto do preparo físico na mortalidade”, a maioria dos médicos considerava fazer exercícios um perigo. Provamos que qualquer pessoa poderia aumentar seu tempo de vida em até seis anos apenas pelo fato de evitar o sedentarismo. Contudo, desisti dos adultos deste país. Você sabia que nos últimos dois anos a expectativa de vida nos EUA encolheu? E estimamos que 80% da população esteja acima do peso ideal ou seja obesa. Note que por aqui se despende o dobro do que gasta qualquer outra nação em cuidados médicos e estamos na 43a posição no ranking planetário de longevidade. Ou seja, nem com todo o dinheiro do mundo, com toda a tecnologia que temos, conseguimos aumentar nossa expectativa de vida. Apenas 25% das doenças são hereditárias. Os outros 75% são resultado de nosso estilo de vida. As crianças obesas ou com sobrepeso já somam 36%. Se essa proporção for mantida quando essas crianças crescerem, pense no potencial disso. Agora dou ênfase total em salvar a vida dessas crianças.
E o senhor? Não é possível que não tenha vício algum na dieta… Para não parecer mentiroso, confesso: não resisto a cookies com gotas de chocolate.
Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2018, edição nº 2593