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Na flor da idade

No Brasil e nos Estados Unidos, a faixa etária da população que registra significativo aumento no número de suicídios é a daqueles que mal começaram a vida

Por Fernando Molica e Luisa Bustamante
Atualizado em 30 jul 2020, 20h17 - Publicado em 15 jun 2018, 06h00

Em questão de poucos dias neste mês, dois americanos mundialmente conhecidos se suicidaram, ambos por enforcamento. A estilista Kate Spade, de 55 anos, se matou em seu apartamento em Nova York. O chef Anthony Bourdain, de 61, num quarto de hotel na França. Com isso, o assunto, em geral murmurado, causou alarido no noticiário, nas conversas e nas redes sociais. No mundo todo, 800 000 pessoas se suicidam por ano, uma a cada quarenta segundos. É uma tragédia, mas tem um aspecto ainda mais dramático: as taxas de suicídio entre os jovens são mais altas do que nunca.

Nos Estados Unidos, a taxa de mortalidade por suicídio aumentou mais entre os 15 e os 24 anos do que em qualquer outra faixa etária: 20% entre 2011 e 2016 — o suicídio é agora a terceira maior causa de óbito nesse segmento. No Brasil, dados do Ministério da Saúde revelam que, entre jovens de 15 a 19 anos, o suicídio teve um aumento igual, de 20%, e no mesmo período. Aqui, a decisão de tirar a própria vida já é a quarta causa mais frequente de morte entre jovens. Em um terço dos países do mundo, entre eles Japão e Coreia do Sul, suicidar-se é a causa mortis mais comum entre meninos e meninas. “Os idosos eram o maior grupo de risco. Agora, os jovens começam a tomar o seu lugar”, afirma o psiquiatra Humberto Corrêa, presidente da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídio.

É uma tragédia. Conhecido como Avicii, o DJ sueco Tim Bergling foi encontrado morto em abril em um quarto de hotel em Muscat, a capital do sultanato de Omã. Passava férias sozinho lá e já havia declarado várias vezes não suportar a pressão e o frenesi da vida artística. Antes dele, no fim de janeiro, o americano Mark Salling, de 35 anos, ator do seriado Glee, enforcou-se em um parque de Los Angeles semanas antes de começar a cumprir pena por pedofilia. No Brasil, o escritor carioca Victor Heringer, ganhador de um Prêmio Jabuti, suicidou-se em março, aos 29 anos. No mês seguinte, o exclusivo ambiente das escolas particulares de São Paulo foi abalado pelo suicídio de três alunos do ensino médio, com apenas dias de diferença.

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É uma tragédia. A existência de transtorno mental recorrente ou ocasional, principalmente depressão, paira sobre 98% dos casos de suicídio, e a eles se associam geralmente um ou mais fatores agravantes. No caso dos jovens, a psiquiatra Analice Gigliotti aponta a frequência da relação entre o abuso de drogas e álcool e a morte autoinfligida. “Muitas vezes, o uso não leva à decisão de tirar a própria vida, mas serve de estímulo para ela”, diz Analice. A familiaridade dos mais novos com a internet funciona de maneira parecida, ao expor em profusão de detalhes as formas de se matar. Uma simples busca no Google com a frase em inglês how to kill myself (“como me matar”) trará 570 milhões de respostas.

É uma tragédia. Ainda no mundo virtual, fenômenos de rápida propagação, como o fatídico jogo da Baleia Azul — que induzia praticantes a provocar o próprio fim —, adicionaram novos elementos à combinação que estimula e facilita os suicídios. Grupos de WhatsApp e Facebook são suspeitos de estar por trás de duas mortes em fevereiro, em Goiânia. Higor Moreira, de 15 anos, enforcou-se; Gabriel Câmara, de 13, jogou-se no mesmo dia do 26º andar de um prédio. Segundo especialistas, a angústia de uma geração fixada no mundo virtual está na raiz do aumento no número de casos de depressão em menores de idade. Pesa nisso, por exemplo, a insistência com que as postagens nas redes sociais divulgam instantâneos de felicidade e vidas perfeitas, incompatíveis com a da maioria dos garotos e garotas fechados em seu quarto — cercados de amizades virtuais e inseguranças reais. Entre americanos de 12 a 17 anos, os diagnósticos saltaram 37% nos últimos dez anos. No Brasil, 40% nos últimos cinco anos.

PROPENSÃO – O chef Bourdain e a estilista Kate: transtornos mentais agravados pela ocorrência de problemas pessoais (Erik Tanner/Contour/Getty Images - David Howells/Corbis/Getty Images)

É uma tragédia, sim, mas não é um destino. Há saídas, sobretudo numa atenção redobrada à depressão e distúrbios mentais, também crescentes. “Em geral, só chega ao extremo de tirar a própria vida quem sofre ou sofreu de alguma doença psíquica”, diz Helio Deliberador, professor de psicologia social da PUC-SP. Kate Spade, separada do marido havia dez meses, estava em tratamento contra a depressão, agravada por problemas conjugais. Bourdain, dependente de heroína e em crise na relação com a atriz Asia Argento, dizia não conhecer ninguém “com mais vontade de morrer” do que ele próprio.

Aos suicidas, a existência de cordas de salvação profissionais é essencial. Nos municípios brasileiros que contam com Centros de Atenção Psicossocial, o risco de atentado à própria vida diminuiu, em média, 14%. A procura por serviços do gênero não para de crescer. Em 2017, os voluntários do mais tradicional deles, o Centro de Valorização da Vida, atenderam 2 milhões de chamados, o dobro do ano anterior. O CVV criou recentemente um chat em seu site para se aproximar de quem se sente mais à vontade diante de uma tela do que de um telefone.

O país que registra a maior taxa de suicídios no mundo é o Sri Lanka, na Ásia: 34,6 por 100 000 habitantes. Depois vêm Guiana, Mongólia, Cazaquistão e Costa do Marfim. O primeiro país desenvolvido da lista é a Coreia do Sul, situação atribuída principalmente à pressão sobre os estudantes por bons resultados. Nos últimos vinte anos, medidas de prevenção fizeram com que a incidência de novos casos caísse em 83% das nações que reportam dados à Organização Mundial da Saúde. Brasil e Estados Unidos, porém, permanecem entre os 17% onde a taxa continua a subir — trágica e principalmente entre jovens, meninos e meninas que buscam a morte antes mesmo de conhecer a vida.

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Publicado em VEJA de 20 de junho de 2018, edição nº 2587

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