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Meu amigo YouTube

Pesquisa mostra que a brincadeira preferida das crianças de hoje é assistir a vídeos na internet. E isso pode ser muito bom

Por Luisa Bustamante e Bruna Motta
Atualizado em 13 jul 2018, 06h00 - Publicado em 13 jul 2018, 06h00
(Arte/VEJA)

Em um passado não muito distante, meninos brincavam com carrinho, meninas brincavam com boneca e todos se divertiam com jogos como pe­ga­-pega e esconde-esconde — esses dois últimos foram apontados como os passatempos preferidos de infância para 85% dos adultos nascidos de 1960 a 1980. Já entre as crianças que nasceram a partir de 2010, a diversão soberana consiste em deslizar os dedinhos pela tela do celular ou do tablet. Com habilidade de fazer inveja aos adultos, 75% delas dizem gostar mesmo é de assistir a vídeos no YouTube. A pesquisa é da consultoria Let’s Play, que acompanha o comportamento e os hábitos de consumo de crianças e adolescentes no Brasil.

Faz um bom tempo que olhar para uma tela encanta a garotada. Isso ocorre desde o já remoto advento da televisão e dos programas infantis. Tão antigas quanto o Xou da Xuxa são as advertências de especialistas para o excesso de tempo que a criança passa diante da TV. Os alertas continuam valendo para tablets e celulares, e ficaram mais importantes ainda porque nesses aparelhos o acesso é muito mais fácil e rápido e a variedade de opções, infindável.

Mas isso não é necessariamente ruim para as crianças. A internet, em geral, e o YouTube, em especial, podem oferecer entretenimento de primeira, desde que os pais acompanhem e orientem as escolhas — e, passado um tempo razoável, tirem os filhos do sofá (veja o quadro de recomendações ao lado). O levantamento da Let’s Play, feito com 1 000 entrevistados, destaca que o velho pega-­pega ainda tem sua vez: ele aparece em um honroso segundo lugar nas preferências dos entrevistados. As bonecas vêm em terceiro.

No entanto, ninguém ganha do YouTube, o senhor da hora de brincar. Na plataforma de vídeos mais vista da internet, a audiência é medida pelo número de vezes que os filmes são vistos. Estudo conduzido pelo Media Lab, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, em São Paulo, verificou que a quantidade de visualizações no Brasil dos canais voltados para crianças de até 12 anos dobrou em dois anos. Passou de 26 bilhões, em 2015, para 52 bilhões, em 2017. No topo da preferência estão os vídeos relacionados ao popularíssimo jogo de computador Minecraft. Os jogadores exibem suas habilidades e macetes nas gravações. A meninada adora, ainda que alguns deles pareçam bem improvisados.

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Outra atração com audiência garantida são os youtubers, e aí dois grupos se destacam: o dos miniapresentadores (exemplo de vídeo: Hoje Vou Fazer um Almoço Todo de Massinha) e o de jovens que falam a adolescentes (e cujos vídeos frequentemente têm a mesma profundidade do conteúdo da brincadeira de massinha). Também fazem enorme sucesso os filmes de adultos e crianças abrindo embalagens de brinquedos e mostrando o que fazer com eles, o chamado unboxing (“tirar da caixa”, em inglês). Dois dados da pesquisa da Let’s Play explicam, em parte, essas preferências: 1) 61% das crianças afirmam que se divertem vendo outras brincar; e 2) 72% sonham virar youtubers. Aos 7 anos, a paulistana Marianna Santos, que é atriz mirim do SBT, mantém um canal com quase 300 000 inscritos onde posta vídeos semanais. “Os fãs mandam desafios, como o de não rir ao ouvir piadas, e a gente grava”, explica a mãe, Danielle Santos.

Em geral, especialistas e educadores que acompanham a relação entre comportamento infantil e novas tecnologias não só não veem problema na atração pela plataforma de vídeos como acham até que ela ajuda no desenvolvimento. “O YouTube põe a criança em contato direto com seu interesse. Se ela quer saber mais sobre balão ou pipa, existem tutoriais completos ao alcance de um clique, com uma infinita gama de informações. Trata-se de uma ferramenta potente para estimular a curiosidade”, diz a psicóloga infantil Ceres Araújo. E haja curiosidade. “Outro dia, peguei meu filho de 4 anos repetindo palavras em russo. Tinha aprendido em um desenho que ele mesmo encontrou no YouTube”, relata a carioca Isis Duarte, mãe do pequeno Enzo. “A informação que era restrita a escolas e bibliotecas está ao alcance de todos, em uma linguagem nova”, acrescenta o psicanalista Pedro de Santi, professor da ESPM.

É evidente que, em se tratando de crianças, tem de haver limites à exposição, como reconhecem inclusive os responsáveis por grudar os olhos do planeta na telinha. Consta que Bill Gates, fundador da Microsoft, só permitiu que seus três filhos tivessem celular aos 14 anos. Steve Jobs não deixava que os seus usassem o iPad, invenção da sua empresa. Sean Parker, ex-presidente do Facebook, falava abertamente sobre o risco das redes sociais. “Só Deus sabe o que fazem com o cérebro de nossas crianças”, disse em uma entrevista. Entre os perigos da superexposição, o mais preocupante é o “vício da tela”, um excesso de atenção concentrada em imagens que a Organização Mundial da Saúde (OMS) cogita incluir na lista de distúrbios mentais (vício em games já entrou no rol).

Influencerzinha -  Marianna, 7 anos: a atriz mirim posta vídeos semanais para os quase 300 000 inscritos no seu canal (Jefferson Coppola/.)

O risco do exagero é confirmado pelas pesquisas. A Academia Americana de Pediatria sugere que crianças de 2 a 5 anos não passem mais do que uma hora por dia na frente da tela, e assim mesmo assistindo a conteúdos feitos para sua idade. Os pais das que têm a partir de 6 anos devem determinar o tempo, com base em regras bem definidas, sempre com o devido monitoramento e, é claro, sem excessos. Segundo pesquisa da Ofcom, agência reguladora de comunicações do Reino Unido, a garotada tem ficado na frente do vídeo mais tempo do que o recomendável: são oito horas semanais entre 3 e 4 anos, nove dos 5 aos 7, treze dos 8 aos 11.

O exagero de tempo na internet acarreta dois problemas sérios para o amadurecimento infantil. Um deles é a diminuição do contato pessoal com as outras crianças. “Durante toda a história da humanidade, a evolução do cérebro se deu por meio da interação social. Esse processo continua a ser fundamental”, afirma o neurocientista Fernando Lou­zada, da Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora da OMS, Juana Willumsen aponta um segundo efeito colateral de peso: o sedentarismo. “Hoje, 80% dos adolescentes não praticam um mínimo de exercícios”, diz. Além disso, alerta, “na frente da tela a meninada come sem prestar atenção e, por isso, tende a consumir mais”. Resultado: uma em cada seis crianças no mundo está pesando mais do que deveria ou se encaixa na categoria de obesa.

Considerando-se vantagens de um lado e riscos de outro, a internet para crianças será sempre uma babá controversa, mas o fato é que não há como escapar dela. O universo virtual é e continuará sendo uma fonte fácil e inesgo­tável de atrações, e o YouTube é seu mais prolífico microfone. Sendo assim, impedir a turma de circular por ele é tarefa impossível, e, inclusive, não recomendada. “Uma criança que não aprende a se mover nesse ambiente ficará excluída de uma cultura que só caminha nessa direção”, alerta o psicanalista Santi. Diante dessa realidade, o conselho dos especialistas é o exercício da constante vigilância. Cabe aos pais não se esquecerem de que são eles, e não os youtubers, os primeiros influenciadores dos filhos.

Publicado em VEJA de 18 de julho de 2018, edição nº 2591

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