“Levanta-te e anda”, disse o presidente argentino Carlos Menem em seu discurso de posse, em 1989. Eleito depois da renúncia de Raúl Alfonsín, o primeiro a ocupar a Casa Rosada após a ditadura militar, e que deixara o país com uma hiperinflação de 3 000% ao ano, Menem tinha uma única ideia na cabeça: consertar a economia. Nessa toada, abandonou parte das bandeiras peronistas, de permanente intervenção estatal, e adotou a cartilha liberal desenhada pelo FMI para países em desenvolvimento, conhecida como o “Consenso de Washington”. Durante os dez anos seguintes, privatizou empresas, abriu os negócios para o exterior e impôs a paridade cambial entre o dólar e o peso, em 1 para 1. E então, a sociedade argentina reinventou um modo de vida — guardava a moeda americana em casa, às vezes debaixo do colchão, comprava casacos de pele na Europa porque saía mais barato do que os locais, viajava pelo mundo. O crescimento econômico imediato lhe rendeu um novo mandato, em 1995, com devido acerto na Constituição, de modo a autorizar a reeleição. A insistência prolongada na política de paridade, somada às crises internacionais, contudo, fez a Argentina terminar a caminhada rumo ao desenvolvimento de joelhos, em frangalhos, com o desemprego em alta.
O legado de Menem foi o caos. Ao deixar a Presidência, em 1999, a recessão já se impusera e culminaria em cenas inimagináveis de convulsão social para seu sucessor imediato, Fernando de la Rúa, que abandonou o poder, fugindo de helicóptero. Longe da Casa Rosada, Menem teve de encarar, na Justiça, denúncias de corrupção e envolvimento com tráfico de armas. Enfrentou os processos protegido pelo cargo de senador, o que lhe garantiu imunidade. Morreu no dia 14, aos 90 anos, em Buenos Aires, por complicações de uma infecção urinária.
O coadjuvante artilheiro
Craque ele não era, longe disso, mas tinha um vigor incansável e a habilidade de estar no lugar certo, na hora certa, com 1,78 metro e um fortíssimo chute de direita — era, enfim, um oportunista dentro da grande área. O centroavante Leopoldo Luque, de vasto bigodão a emoldurar o rosto, cuja imagem parecia a de uma caricatura de Quino, ajudou a Argentina a ganhar a Copa do Mundo de 1978, disputada em casa. Fez uma dupla infernal com Mário Kempes (ele sim, sensacional). Luque, o coadjuvante, marcou quatro gols no torneio — dois dos quais na infame vitória por 6 a 0 contra o Peru, que resultaria na eliminação do Brasil, o “campeão moral”, na definição do treinador Claudio Coutinho. Luque jogou pelo Rosario Central, River Plate e Racing. Em 1983, teve rápida passagem pelo Santos, mas sem sucesso. Morreu em decorrência da Covid-19, em 15 de fevereiro, em Buenos Aires, aos 71 anos. Estava internado na UTI desde a virada do ano.
Publicado em VEJA de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726