O senhor foi preso no último sábado, dia 15, por suposto “ato obsceno”. O que aconteceu? Faz quatro anos que realizo essa performance. No sábado, chegamos ao local escolhido com autorização do diretor do Museu Nacional da República. Eu mais duas pessoas inflamos a bolha de plástico onde fico por quatro horas, sempre nu. Depois, uma assistente passou em mim um gel à base de gelatina que utilizo sobre a pele. Quando os policiais apareceram, ela argumentou: “Isso é arte”. Não adiantou. Eles chegaram gritando. Dentro da bolha, eu só ouvi: “Essa p… vai acabar agora!”.
O que a polícia alegou para agir assim? Essa é a questão. Não houve diálogo. Pelo contrário. Os policiais rasgaram o plástico da bolha. Nesse momento, eu me assustei. Um deles queria me pegar à força e levantou o punho fechado, como se fosse me dar um soco. Não me entreguei nem me mexi, só gritei: “Você não vai encostar em mim. Saia daqui”. Pegaram uma toalha para eu me secar. Coloquei a roupa e, molhado, falei: “Você não queria que eu estivesse de roupa? Eu estou”.
E o que ocorreu após a ordem de prisão? Não sabia aonde eles iam me levar ou se iam me bater. Um sargento me deu uma chave de braço, me imobilizou e me levou para o camburão. Duas motos me seguiram com a sirene ligada. Na delegacia, ainda tive de ouvir: “Esse cara estava lá pelado, e diz que é arte?”. Eu parecia um criminoso.
O secretário de Cultura e o governador do Distrito Federal ligaram para pedir desculpa. Como foi a conversa? O secretário disse que aquilo é inadmissível. O governador falou que eu era bem-vindo com a minha arte. Bonitas palavras, mas não suficientes.
Por que tantos artistas performáticos se apresentam pelados? O nu na arte diz várias coisas. Pode, sim, ter teor sexual. No meu caso, significa o nascimento. A bolha de plástico é como um útero. O gel vira uma casca, uma segunda pele. Estou sendo gerado ali dentro. Ainda assim, escuto piadinhas do tipo: “É um cara pelado? Tinha de ser mulher”. As pessoas até têm direito de achar que aquilo não é arte. Mas, se um corpo nu agride tanto, eu aconselho: vire o rosto e continue a andar.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2017, edição nº 2540