Declamar, no exterior, que nossos risonhos campos têm mais flores, nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores, e praias, e coqueiros, etc. etc. já não sensibiliza ninguém. Qualquer viajante bem informado sabe que na África do Sul, por exemplo, o litoral é deslumbrante, e que a Costa Rica possui uma biodiversidade que, se não é tão rica quanto a brasileira, conta com uma política de preservação superior à daqui. A melhor prova de que insistir nos estereótipos nacionais é uma péssima ideia para atrair turistas está na constatação de que, apesar de ocupar metade da América do Sul, o Brasil recebe apenas um quarto de seus visitantes estrangeiros. Foram 6,5 milhões no ano passado, o mesmo número de viajantes a desembarcar no Chile. No período em questão, o México recebeu 39,3 milhões de turistas internacionais, e os Estados Unidos, 76,5 milhões. Alguma coisa está errada. “O problema é que não basta oferecer cenários de cartão-postal. Para continuar competitivo no setor turístico, um dos que mais crescem no planeta, é preciso apresentar algo único, que não pode ser encontrado em nenhum outro lugar”, acredita André Coelho, coordenador de projetos da Fundação Getulio Vargas e especialista em turismo. Em outras palavras, o Brasil tem de se reinventar. E rápido.
Encontrar uma nova marca é fundamental porque o viajante moderno se mostra mais exigente que o tradicional. Prefere a experiência à mera contemplação. É atraído pela cultura e zela pela diversidade. Busca o turismo de aventura, porém está sempre atento à sustentabilidade. Mais do que carregar uma bagagem cheia de bugigangas, ele quer voltar com histórias originais para contar. Apontado pelo Fórum Econômico Mundial como o país com o maior potencial em recursos naturais de todo o mundo, o Brasil teria como atender às exigências do turista sintonizado com os tempos atuais. Então, por que não o faz? “Nosso maior erro é tentar copiar o modelo americano e europeu, insistindo em abrir resorts à beira-mar. Não é assim que vamos atrair mais visitantes estrangeiros”, diz Mariana Aldrigui, pesquisadora da área de turismo urbano na Universidade de São Paulo (USP). Há outro ponto a ser destacado: ao contrário dos Estados Unidos e da Europa, o Brasil segue deitado em berço esplêndido, adormecido no setor. Em 2007, VEJA apontou os motivos que mantinham o país longe dos estrangeiros. Eles incluíam preços altos, insegurança, má conservação dos monumentos e péssima infraestrutura — e, de lá para cá, quase nada mudou.
O Brasil tem 66% de seu território coberto pelas reservas naturais. Nos Estados Unidos, o total é de apenas 19%. Contudo, enquanto os parques americanos recebem 330 milhões de visitantes por ano, os nacionais atraem somente 9 milhões. A maioria de nossas reservas sofre com o descaso. Um estudo feito pela WWF Brasil sobre o orçamento destinado ao meio ambiente mostrou que os gastos públicos no setor sofreram uma queda de 40% entre 2013 e 2016 — neste ano, a verba foi de 3,7 bilhões de reais, menor que a da Câmara dos Deputados. A Costa Rica, que tem o ecoturismo como sua principal indústria, investe mais de 100 milhões de dólares por ano somente na preservação de suas florestas. Apesar de ocupar 0,03% da superfície terrestre, a nação centro-americana abriga quase 6% da biodiversidade mundial e se tornou o principal destino para quem deseja interagir com a natureza. “Ainda não entendemos a importância do turismo para o desenvolvimento do país. O setor poderia ser o maior aliado do meio ambiente, da organização do litoral e da preservação das cidades históricas”, lamenta o titular da pasta, Vinicius Lummertz. Ter potencial, obviamente, é importante; só que não basta. É preciso identificar o que faz diferença e promover as atrações de forma persuasiva e transparente.
Essa é uma lição que várias nações vizinhas entenderam bem. Em 2012, temendo uma queda na entrada de turistas, o Peru retocou sua imagem, parando de insistir nas ruínas de Machu Picchu e apostando em sua cozinha. Resultado: há seis anos consecutivos o país andino é considerado o principal destino gastronômico do planeta, desbancando pesos-pesados, como França e Espanha, e atraindo, em média, 3,6 milhões de visitantes internacionais por ano. Já a Colômbia deixou de propagandear suas praias — com as mesmas areias brancas e as mesmas águas cristalinas que existem em tantos lugares — para apostar na variedade de sua música. A ambição era transformar-se numa espécie de Nova Orleans caribenha. O aumento de 1,5 milhão no número de turistas em um ano mostra que, embora ainda não tenha chegado lá, a estratégia está no caminho certo. Peru e Colômbia aparecem na lista deste ano dos 52 lugares que merecem uma visita, divulgada pelo jornal The New York Times. O Brasil ficou de fora.
A falta de dinheiro é uma das justificativas usadas pelo governo brasileiro para o baixo crescimento do turismo nacional (em torno de 4% ao ano, contra 7% da média mundial em 2017). É verdade que a verba para a promoção do país no exterior, que foi de 20 milhões de dólares no ano passado, empalidece diante da argentina (80 milhões de dólares) ou da peruana (95 milhões de dólares). No entanto, como ensina Portugal, dinheiro não é tudo. Assolado pela crise econômica de 2013, a nação ibérica viu seus cofres para a promoção do turismo esvaziados. O marketing digital foi então priorizado em relação à distribuição de folhetos nos aeroportos e aos anúncios na TV. Mais da metade do orçamento da pasta foi para empresas como Google e Facebook. Especialistas foram contratados para assegurar que as vinhas do Douro, as praias de Peniche e os campos de golfe do Algarve aparecessem no topo das páginas de quem fizesse uma busca relacionada a esses tópicos na rede. A monitoração das pesquisas na internet também possibilitou campanhas sob medida. Quando se descobriu que os chineses associavam Portugal a um destino romântico, tratou-se de promover nas propagandas no país asiático a substituição das imagens de praias pelas de casais jantando à luz de velas em Sintra. Assim que veio a público que Garrett McNamara costumava pegar ondas em Nazaré, a 125 quilômetros de Lisboa, o supersurfista americano foi contratado para falar sobre as vantagens das marés lusitanas — e em pouco tempo Portugal passou a ser o destino preferido dos praticantes do esporte na Europa. Ao entender que, hoje, existir no mundo virtual é condição-chave para ser encontrado no mundo real, a nação ibérica foi recompensada com um recorde de 12,7 milhões de visitantes internacionais em 2017. Isso movimentou 10% do PIB, que cresceu 2,7% no mesmo período. O setor de turismo brasileiro, em comparação, continua se vendendo mal na web. O Visit Brasil, site oficial que funciona como porta de entrada para os estrangeiros, oferece cerca de 300 dicas de passeios, entretanto as informações são superficiais e sem atrativos. E o turista internacional que quiser escapar das grandes redes mundiais precisará dominar o português para planejar, sozinho, uma viagem fora do circuito turístico.
O governo brasileiro vem tentando aumentar as ações a fim de conquistar mais viajantes estrangeiros. Desde 2017 está em vigor a emissão de vistos eletrônicos para turistas da Austrália, Canadá, EUA e Japão. A adoção da medida, que deve ser ampliada em breve, foi responsável por uma alta de 80% no pedido de vistos de americanos em fevereiro, em comparação com o mesmo período do ano passado. Discute-se, ainda, a melhor maneira de atrair para o mercado nacional as companhias aéreas de baixo custo. Falta de concorrência, carga tributária elevada e excesso de regulamentação ainda dificultam a chegada delas por aqui, mas a abertura do capital das empresas a estrangeiros (hoje limitado a 20%) pode ser um passo nessa direção. “Há um caminho árduo pela frente, porque nosso país resiste a mudanças, porém, se quisermos dobrar o fluxo de turistas internacionais para 12 milhões até 2022, teremos de agir”, afirma o ministro Lummertz.
Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2018, edição nº 2599