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Fuzilaria carioca

Às vésperas do Carnaval, tiroteios intensificam-se e crianças morrem no Rio. Enquanto a bandidagem exibe seu poderio, governo faz de conta que tem um plano

Por Luisa Bustamante Atualizado em 30 jul 2020, 20h27 - Publicado em 9 fev 2018, 06h00

Já virou tradição, daquelas que era mil vezes preferível que não existissem. Às vésperas do Carnaval — por excelência, a data de atração de turistas ao Rio de Janeiro (1,5 milhão estão previstos) —, os bandidos se esmeram em exibir seu poder de fogo e intimidação. Aproveitam a vitrine dos preparativos e o maior movimento nas ruas para mostrar força, roubar mais e atiçar a guerra de quadrilhas. Neste ano, em que os bandos de marginais agem praticamente impunes sobretudo nas favelas, o Rio chega ao Carnaval vergado sob uma violência obscena. Nas duas últimas semanas, tiroteios fecharam em diversas ocasiões os maiores corredores de trânsito da cidade e 26 pessoas perderam a vida — duas por dia — em cenas dantescas. Duas eram crianças. Emily Sofia Neves, de 3 anos, morreu em um carro fuzilado. Jeremias Moraes, de 13, foi abatido jogando futebol.

O padrasto e a mãe de Emily, com ela no banco de trás, deixavam uma lanchonete em Anchieta, na Zona Norte do Rio, na madrugada de terça-feira 6, quando bandidos armados mandaram o veículo parar. Ao volante, com o rádio em alto volume, Uesley Lima, o padrasto, diz que não escutou a ordem e seguiu em frente. Doze disparos depois, o casal sobreviveu com ferimentos leves, mas a pequena Emily, que chegou a ser socorrida, não resistiu. Na tarde do mesmo dia, a 20 quilômetros de distância, no Complexo da Maré, Jeremias levou uma bala perdida no peito, na pelada com os amigos. Antes disso, no sábado, um homem fora executado com quinze tiros, quase todos na cabeça, dentro da ambulância, na frente de um hospital em Realengo, na Zona Oeste.

Ao longo das duas semanas, tiroteios constantes entre polícia e bandidos, ou entre quadrilhas, fecharam vias importantes. Com as balas zunindo, motoristas abandonavam os carros e procuravam abrigo. Na fatídica terça-feira, pararam quase ao mesmo tempo a Avenida Brasil e as linhas Amarela e Vermelha, por onde passam mais de 500 000 veí­culos por dia. Os congestionamentos chegaram a 70 quilômetros, e a cidade entrou em estágio de atenção. Foi a segunda vez, em menos de dez dias, que a violência carioca bloqueou ruas e avenidas. Na semana anterior, confrontos na Cidade de Deus, tema de filme e série de TV, já haviam levado o caos a uma população cada vez mais estupidamente acua­da pela criminalidade. O total de assassinatos registrados no Estado do Rio ficou acima de 5 300 no ano passado. As mortes pelas armas de policiais chegaram a 1  124, o maior número em uma década. Em 2017, 134 policiais militares foram assassinados enquanto trabalhavam. Roubos: 230 450, um recorde desde que a contagem anual começou a ser divulgada, em 2003.

Ex-comandante da Polícia Militar e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o antropólogo Robson Rodrigues credita a explosão do crime ao crescimento do poder bélico da bandidagem e à desorganização do estado. “A reação da polícia não é suficiente para conter, investigar e punir, o que resulta em uma percepção geral de fraqueza. Nesse contexto, as quadrilhas, em disputa de território, ficam mais ousadas”, diz. “Chegamos a um ponto em que bandido usa fuzil até para roubar celular.”

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Em plena temporada de confrontos, os governos federal e estadual brandiram como solução um inoperante Plano Integrado de Segurança, com resultados patéticos. Promessa de colaboração para combater o crime no Rio, o documento foi anunciado em julho para entrar em ação “em breve”. Sete meses depois, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, agendou o lançamento para a segunda-feira 5. Na terça 6, o governador Luiz Fernando Pezão desmentiu: ainda não tivera tempo de ler o documento (também prometeu mais 2 000 policiais nas ruas). Em seguida, foi desmentido por seu secretário da Segurança, Roberto Sá: a ação já estaria em curso, informalmente. A nova apresentação do desintegrado plano está marcada para o dia 26.

Publicado em VEJA de 14 de fevereiro de 2018, edição nº 2569

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