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Ficando para trás

Economista Affonso Celso Pastore analisa o baixo crescimento do Brasil e diz que o país terá de fazer reformas para atrair o capital privado

Por Giuliano Guandalini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 ago 2018, 07h00 - Publicado em 3 ago 2018, 07h00

Sem uma retomada sólida dos investimentos, o Brasil estará condenado a ficar aprisionado na armadilha do baixo crescimento. Essa era uma das mensagens centrais da entrevista nas Páginas Amarelas concedida a VEJA pelo economista Affonso Celso Pastore há cinco anos — e o recado continua ainda mais válido hoje. Pastore, ex-presidente do Banco Central (1983-1985), é um dos consultores de maior prestígio no país. Tem como clientes grandes bancos e grupos empresariais do Brasil e do exterior. O economista foi o organizador do livro Infraestrutura: Eficiência e Ética (Elsevier, 2017), resultado de seminários promovidos pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), um instituto privado concebido para discutir os rumos do país. Nesta nova entrevista a VEJA, Pastore, de 79 anos, analisa por que o Brasil investe pouco e como é possível retomar a trajetória de expansão do PIB.

Em 2013, neste mesmo espaço, o senhor afirmou que o país estava preso na “armadilha do baixo crescimento” por causa do reduzido nível de investimentos. Continuamos assim? Os números são dramáticos. No período de dez anos encerrado em 1975, crescemos em média 9,8% ao ano, repetindo o desempenho da década de 50; no entanto, a partir de 1980 a taxa média anual desabou para 2,5%. Em 1980, nossa renda per capita, medida em paridade de poder de compra, atingia 45% da renda dos Estados Unidos e foi caindo até chegar a 25% no ano passado. No início dos anos 90, fomos superados pela Coreia do Sul, cuja renda era metade da brasileira e hoje já se iguala à da União Europeia. Em 2016, a China nos passou, mas há três décadas a renda do país asiático era praticamente um décimo da brasileira. Nos anos 1950 e 1970, tínhamos o maior crescimento de produtividade do mundo, porém isso era em grande parte fruto da transformação de economia agrícola em industrializada. Nunca mais tivemos um aumento da produtividade dos trabalhadores como aquele.

Em que pé estão os investimentos? Depois que caímos nessa armadilha, só raramente atingimos uma taxa de investimento superior a 20% do PIB. Hoje ela é da ordem 16%, insuficiente para sustentar o crescimento mais rápido. Como a poupança interna é baixa, o Brasil precisa absorver poupança externa se quiser investir mais, na forma de investimentos estrangeiros. Aí surge outro problema: o aumento do déficit nas contas externas, para algo em torno de 4% do PIB, o que não é facilmente financiável. Necessitamos de um ajuste fiscal que torne positiva a poupança do governo, atualmente negativa, reduzindo nossa dependência do capital externo e diminuindo o risco dos investidores internacionais.

O governo deveria se envolver mais diretamente nos projetos de infraestrutura? No passado, o mundo acreditava em empresas estatais e o investimento em infraestrutura era feito pelo governo. Hoje isso se inverteu.

Mas o setor privado é capaz de atender às demandas nessa área? Nossa infraestrutura foi ficando ultrapassada, nos últimos vinte anos, e essa é uma das razões para a baixa produtividade e para a perda de competitividade nas exportações. A profundidade da crise fiscal impede que o governo seja grande investidor, o que não é mau. Há argumentos teóricos e sólida fundamentação baseada na experiência de outros países que mostram que a eficiência do setor privado nos investimentos em infraestrutura supera a do governo. Com raras exceções, após a II Guerra ocorreu na Europa uma onda de estatização. Entretanto, logo se descobriu que havia “falhas do governo” maiores do que as “falhas de mercado” que sugeriam a estatização. Após a experiência bem-sucedida da era Margaret Thatcher (primeira-ministra britânica de 1979 a 1990), o mundo foi abandonando a crença nos supostos benefícios da estatização. O setor privado passou a liderar os investimentos.

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As privatizações tiveram sucesso aqui? Privatizamos o setor siderúrgico, a Vale do Rio Doce, e a experiência com as telecomunicações foi excelente. Há, também, resultados muito positivos em estradas, terminais aeroportuários e portos. Não vejo nenhum motivo pelo qual, desde que as empresas privadas sejam submetidas a regulação, não se deveriam privatizar totalmente a geração e a distribuição de energia elétrica, bem como a distribuição e o refino de petróleo, por exemplo. Dou um passo além. Desde que seja impedido um ­aumento da concentração bancária, que já é muito alta, não há razões para que a Caixa Econômica Federal não seja privatizada, passando sua função social para uma agência governamental ou para o Banco do Brasil. Contudo, o objetivo principal não deve ser elevar a receita do governo e deixar de fazer uma robusta reforma da Previdência. Em resumo, progredimos, mas houve retrocessos.

Quais? Não é possível mudar a regra com o jogo em andamento, como ocorreu com a MP 579 no setor elétrico, para forçar a redução no preço da eletricidade, ou com a eliminação da cobrança de pedágio para caminhões com o eixo suspenso, medidas tomadas no governo de Dilma Rousseff. Com a greve dos caminhoneiros, o governador de São Paulo tomou decisão semelhante. Populismo é incompatível com eficiência. O risco assumido por um concessionário na conservação e na construção de uma estrada é enorme. A receita obtida com o pedágio precisa ser suficiente para pagar a manutenção, os investimentos e os juros da dívida. Existem riscos como a queda no tráfego ou a descoberta de uma configuração geológica que dificulte as obras de um novo trecho. Para cobrir todos esses riscos e custos envolvidos, o pedágio não pode ser tão barato, como queria Dilma, porque não haveria interessados do setor privado. Naquela ocasião, o governo reduziu artificialmente o custo dos empreendimentos com o crédito subsidiado do BNDES. Com isso, usou parte de seus recursos para contornar o risco imposto por ele próprio e, desse modo, matou o financiamento privado de infraestrutura. Maior segurança jurídica tiraria riscos, redundando em pedágios mais baixos, e a ausência dos subsídios não pressionaria tanto o resultado primário do governo e a elevação da dívida pública.

No Brasil, é corriqueiro que haja renegociações nos contratos e aditivos nos valores dos projetos. É razoável que isso ocorra? É impossível prever todas as ocorrências em um contrato de longo prazo como o de uma concessão. Eles estão sujeitos a revisões. Um exemplo foram os túneis de Boston, nos EUA, cujas obras envolveram inúmeras renegociações, por causa de intercorrências geológicas. Porém, sem uma regulação firme e transparente, a renegociação abre larga avenida para a corrupção. As empresas ganham o contrato já sabendo que haverá alteração de prazos e valores. Nesse caso, vale mais a pena investir em lobby ou na formação de cartéis do que buscar a eficiência. Um exemplo foi a Refinaria Abreu e Lima, da Petrobras. Seu preço inicial era 2 bilhões de dólares, já se foram 20 bilhões, e não se sabe ainda qual será o custo final. Quando as disputas são viciadas, os empreiteiros mais capazes ficam de fora. Vencem os dispostos a participar do “esquema”.

Como evitar que isso ocorra? É preciso que haja competição, com a abertura a um número grande de empresas, inclusive estrangeiras, sem leilões de cartas marcadas. É preciso combater a formação de cartéis. O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica, órgão responsável por zelar pela concorrência na economia) tem de ser livre e independente para exercer essa função. Cabe também a agências reguladoras verdadeiramente independentes de injunções políticas evitar o poder dos monopólios e cuidar da qualidade dos serviços. Sobretudo, é preciso que a Justiça puna os corruptos, tornando claro o custo dos desvios para as empresas.

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O governo Temer manifestou a intenção de reanimar o setor por meio de privatizações, mas os projetos não prosperam. Qual a razão disso? Os projetos não foram adiante porque o governo Temer ficou politicamente disfuncional. O time econômico é de alta qualidade. Foram feitos alguns ajustes e algumas reformas importantes, o que é positivo. Temer, entretanto, vive uma contradição. Do ponto de vista econômico, tendemos a ser simpáticos ao que tem sido feito, mas, do ponto de vista político, os fracassos foram enormes. Temer deixa para o próximo governo o passivo de uma crise fiscal latente, que se tornará explícita caso não seja aprovada uma robusta reforma da Previdência. O quadro tende a se agravar, porque, consciente da fraqueza do Executivo, o Congresso se apressa em distribuir benesses. Sua incapacidade para retomar os investimentos faz parte de sua fraqueza política. Ele consome mais tempo bloqueando denúncias que abalem sua sustentação do que na elaboração de projetos.

Cenário econômico – Nas Páginas Amarelas de 2013: alerta e preocupação (//VEJA)

É possível medir o impacto dos investimentos em infraestrutura no potencial de crescimento do país? O crescimento econômico depende do aumento na produtividade. Isso decorre de fatores como a melhoria na qualidade da educação, no treinamento dos trabalhadores, máquinas e tecnologias mais eficientes, uma distribuição de recursos que minimize privilégios e foque o bem comum. Temos de progredir nesse campo; os resultados, no entanto, vêm a longo prazo. Para resultados mais rápidos, é necessário criar condições para incentivar os investimentos privados. Isso, repita-se, só ocorrerá se houver confiança no país. As reformas do lado fiscal, e em particular a da Previdência, criariam tal confiança. Abrir mão desse objetivo em nome do populismo será perder uma opor­tuni­dade de ouro.

Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2018, edição nº 2594

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