“Estou muito feliz em vê-lo aqui, vivo, fazendo o que gosta.” Foram essas as palavras que Lionel Messi, o melhor jogador da história, me disse ao pé do ouvido. Conversamos enquanto trocávamos as camisas que usamos no amistoso da segunda-feira 7. A Chapecoense perdeu de 5 a 0 para o Barcelona. Ninguém gosta de perder, mas posso dizer que também saímos vitoriosos. O resultado era o que menos importava. O jogo foi disputado no Estádio Camp Nou lotado, templo sagrado do futebol. Quando eu poderia imaginar esse encontro, esse carinho? Estar lado a lado com alguém que eu só conhecia pela televisão ou, no máximo, punha para correr e driblar no videogame? Foi sensacional conversar com meus ídolos. Melhor ainda: pude jogar uma partida contra eles. Justo na minha volta aos gramados, 251 dias depois da tragédia que levou 42 companheiros de equipe e outras 29 pessoas que viajavam conosco para a Colômbia.
Fomos muito bem recebidos pelo Barcelona. Os caras são humildes e merecem tudo o que conquistaram. Não é à toa que chegaram tão longe no esporte. Depois da partida, eles me levaram ao seu vestiário. Além da camisa do Barça que ganhei das mãos do Messi, aproveitei para pegar um autógrafo dele numa camisa da Chape. Retribuí a gentileza e assinei a dele. Novamente, ele me desejou muita sorte na minha caminhada e me disse, apenas, que fosse feliz.
A emoção que senti foi fortíssima. Passou um filme diante dos meus olhos quando pisei no gramado e ao final dos noventa minutos. Eu me lembrei de tudo o que tinha vivido. Na hora, me vieram à cabeça os amigos que se foram no acidente de novembro do ano passado. Todos foram fundamentais para que eu ganhasse a força necessária para recomeçar. Tenho certeza de que estão orando por mim, de onde quer que estejam. Estão me mandando energias positivas e estão felizes com meu retorno.
Pude finalmente mostrar ao mundo inteiro que estou pronto para voltar a competir. Penso que esse foi mais um presente de Deus, e Ele já me deu tantos. Quando retornei das férias, no começo do ano, o pessoal da Chapecoense achou que eu só jogaria novamente em setembro ou outubro. Meu desejo era apenas poder voltar a fazer o que mais amo. Não sei se estava sob efeito da emoção, mas nessa reestreia não senti nenhuma dor nem tive nenhuma limitação. Por isso, tenho de agradecer aos médicos e fisioterapeutas que estão comigo diariamente nesse processo de recuperação das fraturas que sofri em uma das vértebras, nos braços e nas pernas. De verdade, me surpreendeu quão rápido me recuperei. Também tenho de agradecer muito à Marina, minha noiva. Ela é um anjo que entrou na minha vida há cinco anos e uma guria por quem tenho um carinho gigantesco. Com todo esse apoio, a mensagem que eu tento passar é a da celebração da vida. Mostrar o prazer de viver, de trabalhar e de estar vivo. Pude demonstrar isso em cada um dos 35 minutos que fiquei dentro de campo contra o Barcelona. Dei o que podia, dei a minha vida naquele jogo.
Pouca gente pode dizer isso, mas consegui realizar o mesmo sonho por duas vezes. A primeira vez foi quando me tornei um atleta profissional, há dez anos. Voltar a jogar em alto nível depois do acidente aéreo foi a segunda. Como estive muito perto da morte, agradeço até pelas dificuldades. Isso porque tenho a chance de estar aqui para poder superá-las. Meus amigos, meus irmãos que morreram no acidente não tiveram essa chance. Perdi uma família naquele avião. A dor não passa, apenas se transforma em saudade e lembranças de tudo o que vivemos e daquilo que poderíamos ter vivido. Uma dor que uniu torcidas, uniu países, uniu o mundo. Chegou a hora de viver. Chegou a hora de jogar por todos aqueles que perdi e por todos os amigos que ainda vou ganhar. Tudo isso é e sempre será por causa deles.
Depoimento a Alexandre Senechal
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2017, edição nº 2543