Enfim, tucano na gaiola
A prisão de Eduardo Azeredo é mais um item na pilha de escândalos que envolvem o PSDB — e mostra que o partido não está imune ao peso da lei
Diante das dificuldades de distribuição da revista decorrentes da greve dos caminhoneiros, VEJA, em respeito aos seus assinantes, está abrindo seu conteúdo integral on-line.
Demorou quase vinte anos, mas o ex-presidente do PSDB e ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo enfim inaugurou a fila de grão-tucanos presos por maus-tratos ao dinheiro público. Condenado em 2015 por peculato e lavagem de dinheiro, depois de desviar 3,5 milhões de reais de estatais mineiras para o caixa dois de sua campanha, Azeredo valeu-se de todos os recursos protelatórios permitidos pelo Código de Processo Penal e, de quebra, de uma manobra política para tentar evitar a prisão. Em 2014, quando seu caso estava prestes a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, o tucano renunciou a seu mandato de deputado federal, o que fez com que seu processo fosse remetido à primeira instância, atrasando em cerca de um ano o julgamento. Após a condenação, foram protocolados três embargos — dois declaratórios e um infringente —, mas nenhum foi capaz de reverter a punição, fixada em vinte anos e um mês de detenção. Os crimes, perpetrados na campanha ao governo de Minas Gerais em 1998, estavam a quatro meses de prescrever quando os desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinaram o cumprimento da pena, na terça-feira 22. Quebrou uma escrita histórica: um tucano na gaiola.
O mensalão mineiro, esquema que resultou na denúncia contra Azeredo, precedeu o mensalão petista, e foi operado pelo mesmo Marcos Valério, que, anos depois, ajudaria a trupe de José Dirceu a viabilizar a compra de parlamentares para formar sua base de coalizão no Congresso. Os dois esquemas também guardam semelhanças na forma: ambos usaram o Banco Rural para maquiar a origem do dinheiro. As similaridades, contudo, param por aí. Enquanto o esquema petista reverberou em todo o Legislativo federal para que se atingisse o objetivo de “comprar” aliados, a tramoia tucana pretendia engordar uma conta de caixa dois para financiamento de campanha: um esquema menor em valor e capilaridade, mas não menos ilegal e comprometedor das boas práticas eleitorais numa democracia. Duas semanas antes da prisão de Azeredo, saiu a condenação de outro participante do esquema: o ex-senador Clésio Andrade (MDB-MG), cuja pena será cumprida em regime semiaberto. Já o tucano está preso em regime fechado e fez pedidos à Justiça antes de se entregar: reclamou segurança individual e permanência em sala de Estado-Maior, instalada no Comando de Batalhão Militar do Corpo de Bombeiros. Foi atendido por ter prerrogativa de ex-governador. Não terá de usar uniforme de presidiário.
A prisão do tucano não só é a primeira grande mancha penal na história do PSDB, como representa o início do esfarelamento do discurso petista de que a Justiça empreende uma cruzada persecutória contra o partido e contra Lula. Com Azeredo preso e Aécio Neves no banco dos réus, tucanos, pouco a pouco, abandonam a redoma de proteção que acreditavam habitar e descem à vala comum de políticos condenados em grandes esquemas de corrupção, inaugurada pelo petista José Genoino, o primeiro preso do mensalão, em 2013.
Azeredo nutria esperanças de liberdade. Na manhã do dia 22 acreditava que sua defesa conseguiria um habeas-corpus no Superior Tribunal de Justiça para mantê-lo em casa. Não deu certo. Diante da negativa dos desembargadores do Tribunal de Justiça ao último recurso, seus advogados ainda pediram aos magistrados que esperassem ao menos a publicação do acórdão para determinar o cumprimento da pena. Também não adiantou. “Tudo na vida tem um início, meio e tudo tem de terminar”, segundo as sábias palavras do relator do processo, Júlio César Lorens. O tucano chegou a ser considerado foragido porque levou quase um dia para se entregar, alegando estar em consulta com seu cardiologista.
Aliados do ex-governador disseram que ele ficou extremamente abatido com o revés penal e temem que caia em depressão na prisão. “Não estava preparado para isso. Não ele, que levava uma vida simples e era um homem sem posses”, disse um parlamentar da bancada mineira, sugerindo que a falta de luxo é sinônimo de honestidade. Correligionários adeptos da tese de que caixa dois não é lá um crime muito grave também estão devastados. Insistem que o dinheiro obtido por Azeredo junto a estatais do setor elétrico para financiar sua campanha no estado não teve outro fim senão eleitoral — como se a justificativa pudesse amenizar o teor da infração. Durante as horas em que Azeredo foi considerado “foragido”, Geraldo Alckmin, pré-candidato tucano à Presidência e alvo indireto de qualquer disparo que atinja o PSDB, apressou-se em tentar descolar sua imagem dos apuros penais do colega. “Apoiamos que a decisão de segunda instância se cumpra. Senão, você tornaria Tribunais de Justiça órgãos de passagem”, afirmou.
Os últimos acontecimentos não têm sido favoráveis ao presidenciável. Não bastasse a prisão de um colega de partido, Alckmin tem problemas graves o suficiente no próprio ninho. Além de não decolar nas pesquisas de intenção de voto, permanecendo com o desempenho de 8%, o tucano é alvo de uma nova investigação oriunda da delação do doleiro Adir Assad. Em revelação publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, o doleiro contou aos procuradores de Curitiba ter repassado 5 milhões de reais para a campanha de Alckmin por intermédio de seu cunhado, Adhemar Ribeiro. A origem dos recursos ilícitos seria, segundo Assad, a concessionária CCR, do grupo Camargo Correa. O inquérito civil, sob a responsabilidade do promotor José Carlos Blat, apura se a empresa financiou, além de Alckmin, outros tucanos no Estado de São Paulo. Em sua delação, Assad confessou que, no início de 2009, foi indicado por Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como operador do PSDB, para conversar com representantes da CCR. Assad teria apresentado aos executivos um leque de empresas de fachada que poderiam ser usadas como “meio de fazer caixa”. “Fizeram muitas operações com a CCR, nas quais geraram caixa com movimentação em torno de 46 milhões de reais, desde março de 2009 até o fim de 2012”, disse. O Ministério Público agora quer saber se os executivos da CCR estão dispostos a colaborar com as investigações.
É a segunda vez que Adhemar Ribeiro, o cunhado de Alckmin, é associado a arrecadações ilegais de campanha. Três delatores da Odebrecht também relataram repasses a Alckmin que, somados, chegaram a 10,3 milhões de reais, para financiar sua candidatura de 2010 e a de 2014. Todo o dinheiro teria sido transferido à campanha por intermédio do cunhado. Em entrevista a jornalistas na quarta-feira 23, o tucano foi questionado sobre as denúncias, mas negou qualquer ato ilícito e disse que o cunhado “é apenas um simpatizante do PSDB”.
Tantos reveses fizeram surgir em alguns setores do partido uma vontade verbalizada somente em sigilo: a de que o tucano seja substituído como candidato à Presidência (leia nota do Radar). Não há consenso a respeito de quem seria o herdeiro do espólio, mas o ex-prefeito João Doria, hoje pré-candidato ao governo de São Paulo, é um nome lembrado como opção. A cúpula do tucanato evita dar corda a esse tipo de ideia, mas dirigentes ouvidos por VEJA disseram que não se oporiam a uma candidatura mais viável, desde que Alckmin decidisse, por vontade própria, renunciar à pré-candidatura. Os partidos têm até o início de agosto para decidir quem vai e quem fica.
Além do fator Azeredo, do fogo amigo, das denúncias da Lava-Jato e da bomba-relógio personificada no operador Paulo Preto, aliados do presidenciável apontam seu jeito de fazer política como um obstáculo. Desconhecido no Nordeste e perdendo espaço no Sul e no Sudeste para o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), Alckmin aposta nos estados de São Paulo e Minas Gerais para levá-lo ao segundo turno das eleições. Ocorre que, sem definir qual candidato apoiará em São Paulo (Alckmin faz mais afagos em Márcio França, do PSB, do que no próprio colega de partido, João Doria), o tucano tem jogado para escanteio seu berço eleitoral. Para conquistar Minas, anunciou que visitará o estado uma vez a cada quinze dias. Quem conhece sua popularidade em solo mineiro aposta que ele deveria ir a Minas duas vezes por semana.
Tudo somado, o tucano na gaiola veio para complicar as coisas ainda mais. O PSDB, que desde o mensalão aponta o dedo para as ilegalidades petistas, está ficando mais parecido com o oponente. Coleciona acusações, um réu no STF e, agora, um dirigente na cadeia. Alckmin, que pleiteia o cargo mais importante da República, não parece se incomodar com isso.
Com reportagem de Eduardo Gonçalves e Marcelo Rocha
Na cadeia, futebol e ferro
Nove entre dez tucanos apostam que o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, fará uma delação para evitar uma nova incursão na Penitenciária de Tremembé, em São Paulo, de onde saiu em 11 de maio. O que poucos sabem é que a privação de liberdade teve lá suas vantagens. Esportista, ele foi logo aceito no time de futebol de Edson Cholbi do Nascimento, o Edinho, filho de Pelé, preso por tráfico. “A gente ia ser campeão. Mas me soltaram antes de o campeonato terminar. O filho do Pelé estava no meu time, cara”, contou a um interlocutor, uma semana depois da soltura. “Estrelas” de Tremembé, como Gil Rugai e Alexandre Nardoni, “dois santos”, segundo ele, também estavam entre seus novos colegas. Eram responsáveis pela pregação e pela biblioteca.
Seu passatempo prisional era malhar na academia local, levantando pesos de concreto e ostentando a tatuagem que traz no braço em referência às suas medalhas em campeonatos de Ironman, a modalidade mais famosa de triatlo. Foi no esporte que Paulo Preto, ex-gordinho, conheceu o doleiro Adir Assad, que em um acordo de pré-delação relatou ter lhe transferido 100 milhões de reais em contas no exterior.
Paulo Preto tem dito que a disciplina de atleta o fez superar os dez dias de solitária em Tremembé. Contou a amigos que jamais aceitou os calmantes para dormir oferecidos pela carceragem. Aguentou tudo graças à sua “força mental”. Já em conversas sobre o que interessa, nega ser o operador do PSDB, mas reconhece ter dinheiro guardado no exterior, porém “legalizado”, fruto de seu trabalho, ainda que as autoridades suíças digam tratar-se de 113 milhões de reais nada legais.
Livre, ele passa o tempo ocioso lendo, no celular, notícias sobre obras no Brasil. “Vê se entregaram o trecho norte do Rodoanel”, reclama, para em seguida emendar: “O problema não é corrupção. É gestão”. Na tela do aparelho, a foto de seu filme favorito: Gladiador. Nele, o protagonista morre no final, depois de matar todos os seus inimigos.
Eduardo Gonçalves
Publicado em VEJA de 30 de maio de 2018, edição nº 2584