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Ele não é o primeiro

Para manter-se funcionando nos Estados Unidos, a Odebrecht assumiu seus crimes e pôs na berlinda diversos governantes corruptos da América Latina

Por Duda Teixeira Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 7 abr 2018, 06h00 - Publicado em 7 abr 2018, 06h00

Dois dias antes de o Supremo Tribunal Federal negar o habeas-corpus a Lula, outro ex-presidente latino-ameri­cano também recorreu à instância máxima da Justiça de seu país para escapar da cadeia. A diferença é que o peruano Ollanta Humala já está atrás das grades, em prisão preventiva. O pedido de habeas-corpus apresentado por seu advogado vale inclusive para a ex-primeira-dama Nadine Heredia. Humala e sua mulher estão detidos há oito meses, acusados de lavagem de dinheiro em uma investigação que apurou o pagamento de propina pela Odebrecht, o enrolado conglomerado empresarial brasileiro.

A lama levantada pela Lava-Jato espalhou-se do Brasil para os países vizinhos no fim de 2016, quando a Odebrecht e uma de suas empresas, a Braskem, assinaram um acordo de leniência com o Departamento de Justiça americano. O expediente é ancorado no Ato de Práticas Corruptas Estrangeiras (FCPA, na sigla em inglês), de 1977, que foi criado com o objetivo de impedir empresas americanas de atuar de maneira corrupta ao redor do mundo. Para que a lei seja aplicada, basta que parte da infração tenha ocorrido em território americano. A Odebrecht havia apagado mensagens comprometedoras de seus números de celular americanos, usado contas bancárias do país e comercializado ações da Braskem na Bolsa de Nova York. Pelo acerto, a Odebrecht admitiu suas infrações. Em troca, arcou com uma multa menor (a companhia ficou de desembolsar 3,5 bilhões de dólares ao longo de 23 anos) e foi autorizada a continuar operando nos Estados Unidos. Indivíduos de onze países, além do Brasil, foram citados como recebedores de dinheiro sujo. “O que o acordo de leniência revelou não foi fruto de uma investigação, e sim de uma delação. A partir daí, cada país se viu compelido a analisar o que tinha acontecido”, diz o advogado Gustavo Justino de Oliveira, professor de direito administrativo da Universidade de São Paulo. “O acordo nos Estados Unidos foi o epicentro dos tremores que se espalharam pela região.”

Há suspeitas de que as campanhas presidenciais de Juan Manuel Santos, na Colômbia, de Danilo Medina, na República Dominicana, de Nicolás Maduro, na Venezuela, de Mauricio Funes, em El Salvador, e de Michelle Bachelet, no Chile, tenham recebido dinheiro de construtoras brasileiras de maneira irregular. Mas o Peru é de longe a nação que mais tem ex-presidentes em apuros. Humala, que governou o país entre 2011 e 2016, foi o primeiro a entrar na prisão, em julho do ano passado. Ele e a ex-primeira-dama Nadine foram acusados de lavagem de dinheiro por receber valores de caixa dois da Odebrecht em duas campanhas eleitorais. Outro ex-presidente, Alejandro Toledo (2001-2006), só escapou das grades porque vive nos Estados Unidos. No mês passado, a Corte Suprema peruana aprovou um terceiro pedido de extradição, que ainda será analisado pelas autoridades americanas. Toledo foi condenado à revelia por lavagem de dinheiro, tráfico de influência e formação de quadrilha. Já Alan García (2006-2011) foi denunciado por receber propina na construção de uma linha do metrô em Lima, mas a Justiça, no seu caso, segue lenta. Seu partido, o tradicional Aliança Popular Revolucionária Americana (Apra), de esquerda, continua forte e mantém influência no Congresso e na Justiça. No mês passado, o presidente Pedro Pablo Kuczynski, o PPK, renunciou para não enfrentar uma segunda votação de impeachment no Congresso. Ele também é acusado de receber dinheiro da Odebrecht. “Na América Latina, as investigações geralmente tomam um sentido, e não outro, dependendo de como o assunto entra na agenda política da situação ou da oposição”, diz o cientista político Luis Fernandes, da PUC do Rio de Janeiro.

No Equador, o trabalho de promotores e juízes foi tão eficiente que os políticos é que tiveram de mudar de sentido. Logo depois que saiu o acordo de leniência da Odebrecht, o então presidente Rafael Correa (2007-2017) anunciou que não disputaria um novo mandato. A Odebrecht revelou à Justiça americana ter pago 33,5 milhões de dólares a membros do governo do Equador entre 2007 e 2016 — durante quase toda a gestão de Correa, portanto. No fim de 2017, um dos ex-vice-presidentes de Correa, Jorge Glas, foi condenado a seis anos de prisão. Um ex-executivo da Odebrecht, José Conceição Santos, colaborou com os promotores e admitiu ter pago as propinas. O atual presidente equatoriano, Lenín Moreno, por sua vez, apesar de ser afilhado político de Correa, não defendeu Glas, tampouco atacou o trabalho da Justiça. Mais rápido, ele mudou de lado, chamou integrantes da oposição para conversar e abandonou seu mentor. Neste ano, Lenín Moreno conseguiu aprovar uma lei de ficha limpa em um referendo. Foi um caso exemplar de como a indignação com a corrupção acabou estimulando a adoção de medidas preventivas contra o crime.

Publicado em VEJA de 11 de abril de 2018, edição nº 2577

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