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Ele faz a cabeça dos seus filhos

Como vive e pensa o carioca Felipe Neto, celebridade que surgiu na internet e vem influenciando os hábitos, a linguagem e as opiniões de milhões de jovens

Por Filipe Vilicic (texto) Jefferson Coppola (fotos)
Atualizado em 4 jun 2024, 17h01 - Publicado em 16 fev 2018, 06h00
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  • Ergue os braços, vem com a gente / Faz esse pasito / Um olho para cada lado / E manda o rebuliço / Mexe todos os dedinhos / Faz esse pasito.” Enquanto a música toca, num teatro lotado de Brasília, o telão exibe um clipe que debocha do grudento Despacito (2017), reggaeton do cantor porto-riquenho Luis Fonsi, cujo vídeo de divulgação é o mais visto da história do YouTube, com 4,8 bilhões de visualizações. No palco, o autor e intérprete da paródia faz o movimento descrito para o tal pasito. Mesmerizado, o público — cerca de 3 000 pessoas, a maioria crianças e pré-adolescentes — imita o astro. Por alguns instantes, todos querem dançar como ele, cantar como ele, ser como ele — o carioca Felipe Neto.

    O transe encerra o espetáculo Megafest, uma espécie de comédia de stand-up voltada para plateias infantojuvenis, temperado com quadros que reproduzem o que Felipe Neto publica em seu canal no YouTube (brincadeiras de toda sorte, comentários irônicos, experiências de seu dia a dia…). No site, o post mais acessado é justamente o da piada feita com Despacito — já supera 20 milhões de visualizações. O número parece colossal? E é mesmo. Mas não surpreende o youtuber de 30 anos, recém-completados em 21 de janeiro, acostumado a lidar com numerões. “Menos de 2 milhões de acessos, considero fracasso”, pontua ele.

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    (VEJA/VEJA)

    Com 19 milhões de seguidores em seu canal (além de 7,8 milhões no Twitter, 6 milhões no Instagram e 3,5 milhões no Facebook, do qual não é tão adepto), Felipe Neto conta com quinze gravações que superaram 10 milhões de cliques. “Sei muito bem que a dimensão da minha audiência, atrelada ao fato de que a maior parte dela é formada por crianças, faz com que eu tenha uma grande responsabilidade sobre o que falo, ou acerca de como me posiciono diante de vários temas”, afirma o youtuber. “O que eu digo pode ser depois reproduzido pela criançada em casa, na escola, em conversas com amigos”, observa. E é mesmo o que acontece. Se existe, hoje, uma dessas celebridades que a internet ajudou a formar capaz de tomar conta da cabeça da garotada, essa figura é Felipe Neto — inclusive, literalmente: os fãs adoram pintar o cabelo com cores extravagantes para ficar mais parecidos, um pouquinho que seja, com o ídolo.

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    (Arte/VEJA)
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    Durante três dias, VEJA acompanhou o youtuber em sua passagem pelo Distrito Federal e por Vila Velha, no Espírito Santo, e em sua rotina na casa onde vive — uma mansão, avaliada em mais de 6 milhões de reais, localizada na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Não há dúvida: como disse um pai em Brasília, ele é “a Xuxa dos novos tempos”. Com uma diferença em relação à ex-estrela da Rede Globo: a independência. O canal de Felipe Neto é… Felipe Neto.

    Sem parar – Em sua turnê, cujo encerramento, no fim deste ano, será em um estádio de futebol, num evento para 10 000 pessoas, o astro reproduz quadros de seu canal. Em um deles, o desafio é não rir das piadas que faz (acima). Para viajar, ele voa de jatinho (à esq.). À direita, o frenesi do público. “É a Xuxa dos novos tempos”, disse um pai, em Brasília
    Sem parar – Em sua turnê, cujo encerramento, no fim deste ano, será em um estádio de futebol, num evento para 10 000 pessoas, o astro reproduz quadros de seu canal. Em um deles, o desafio é não rir das piadas que faz (acima). Para viajar, ele voa de jatinho (à esq.). À direita, o frenesi do público. “É a Xuxa dos novos tempos”, disse um pai, em Brasília (Jefferson Coppola/VEJA)
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    (Arte/VEJA)

    Ele tem até a própria linguagem. Termos como “rebuliço”, que na web ganhou outro significado — passou a designar as reações calorosas em torno de comentários em redes sociais —, foram lançados por ele e pegaram para valer entre a meninada e a moçadinha. No entanto, é intrigante pensar que, para além de cunhar expressões que andam na ponta da língua de seu público, ou, como se disse antes, levar garotos e garotas a colorir os cabelos — ele muda de tingimento a cada novo milhão de inscritos em sua página (o que costuma ocorrer a cada mês!) —, Felipe Neto ganhou ares de guru. Por quê? “Espalho uma mensagem progressista, de aceitação das diferenças”, explica o astro, apostando, com alguma razão, no poder de influência do politicamente correto, ampliado pela caixa de ressonância das redes sociais, mesmo em relação a crianças e jovens. “Só que nem sempre foi assim. Quando entrei nessa, eu era ‘o’ reacionário, desses que fazem piadas homofóbicas.”

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    (Arte/VEJA)

    Felipe Neto “entrou nessa” em 2010, quando lançou o quadro Não Faz Sentido! no YouTube. A ideia veio num período em que ele começou a apresentar sinais de depressão, distúrbio que ainda o ronda. O que disparou o transtorno, minando seu ânimo aos 22 anos, foi um somatório que incluiu a falta de dinheiro, que o obrigou a voltar a viver com a mãe; o desencanto com a carreira de ator, que ele vinha tentando havia já algum tempo e para a qual estudou em escolas da área; e o término com a namorada. “Um dia, com ódio do mundo, comecei a interpretar um personagem fulo, que usava uns óculos escuros de playboy que achei na praia, e fiz uma gravação para o meu canal”, lembra ele.

    O dia a dia – No alto, filmagem de vídeo que seria publicado na web, no qual o pop star mostra sua reação, irônica e ácida, ao clipe recém-lançado por uma funkeira. À esquerda, com a camiseta do Botafogo, o time do coração, que ele passou a patrocinar neste ano. Acima, seu cinema particular, onde assiste a séries de TV
    O dia a dia – No alto, filmagem de vídeo que seria publicado na web, no qual o pop star mostra sua reação, irônica e ácida, ao clipe recém-lançado por uma funkeira. À esquerda, com a camiseta do Botafogo, o time do coração, que ele passou a patrocinar neste ano. À direita, seu cinema particular, onde assiste a séries de TV (Jefferson Coppola/VEJA)

    “Idiotices”, o vídeo de estreia do Não Faz Sentido!, bombou — hoje está com aproximadamente 5,7 milhões de visualizações —, e as coisas começaram a mudar para o então novato youtuber. A fama acachapante viria pouco depois, quando ele passou a criticar fenômenos teens da virada dos anos 2010. Em “Gente Colorida” (7,4 milhões de visualizações), espinafrou bandas como a Restart. No vídeo “Justin Bieber”, mirou o cantor canadense: “Se você quer ser uma garota-fã, está simplesmente declarando que quer admirar um molequinho que tem um cabelo ridículo”. Já em “Fiukar”, abusando de palavrões, “zoou” fãs e seus ídolos como o cantor e ator Fiuk, filho de Fábio Jr. Também foram alvos o cantor Biel, a saga Crepúsculo e o pornô light 50 Tons de Cinza. “Deu certo, àquela altura, porque o público demandava alguém com opinião forte, sem amarras, que não fosse subserviente às grandes redes de TV, por exemplo”, diz. “Só que, naquela época, no início, ninguém sabia direito para onde iam novidades como as redes sociais, nem o próprio YouTube, que mal rendia dinheiro para criadores como eu. Eu estava perdido no meio do estrondo que causei e só mais tarde concluí que destilava ódio e, muitas vezes, também recebia ódio em troca, num processo que não combina mais com a pessoa que acabei me tornando.”

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    (Arte/VEJA)

    Felipe Neto foi o primeiro youtuber brasileiro a ultrapassar 1 milhão de inscritos em seu canal. Começou a lucrar com o trabalho a partir do momento em que o YouTube pôs anúncios nos vídeos, além de fazer campanhas publicitárias e cobrar para aparecer em festas — algo que hoje abomina para si. Na sequência, ganhou um programa na Globo e outro no Multishow. Foi então que, no auge dessa trajetória, em 2013, passou a sofrer com a síndrome do pânico, distúrbio cujos ataques produzem altíssima ansiedade e sensação de desespero. Decidido a diminuir sua exposição, pegou 250 000 reais que havia guardado e resolveu investir em um negócio próprio, a Parafernalha. Deu certo. A Parafernalha criou o canal de comédia homônimo no YouTube e depois se transformou na Paramaker, a primeira agência de youtubers do país, que ajudou a lançar para o estrelato nomes como Kéfera Buchmann e Christian Figueiredo. Em 2015, Felipe Neto vendeu seu negócio a uma multinacional francesa, por valores não revelados na ocasião — e que ele segue disposto a manter sob sigilo. O que se sabe, contudo, é que foi uma quantia suficiente para deixá-­lo ainda mais rico do que já era.

    Em paralelo, Felipe Neto resolveu retomar suas publicações no YouTube. O problema é que ele já não se identificava mais com as propostas da série Não Faz Sentido!, que acabaria extinta em 2017. “Comecei a experimentar quadros diferentes, até me achar no entretenimento infantil”, recorda. Quando voltou a se dedicar aos próprios vídeos, seu canal tinha 5,6 milhões de inscritos. Em cerca de dezoito meses, Neto alavancou tremendamente a audiência, ganhando outros 10,3 milhões de seguidores. Hoje, seus 19 milhões de fãs eletrônicos o tornam dono do terceiro maior canal brasileiro do YouTube em número de inscritos, atrás apenas de Kondzilla (27 milhões) e Whindersson Nunes (26 milhões). Visto que o Kondzilla é um produtor de clipes que divulga trabalhos de diversos artistas — cujas páginas individuais têm menor dimensão —, ele considera que sua disputa direta é com Whindersson Nunes, que tem como tônica o humor. No quesito “quantidade de visualizações”, Felipe Neto já está vencendo a batalha, com um total de quase 3 bilhões, diante dos 2 bilhões do oponente.

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    (Arte/VEJA)

    Felipe Neto descobriu o caminho da audiência. Além do canal próprio, ele ajudou a criar e divulgar o do irmão, Luccas Neto (12,4 milhões de inscritos), o Irmãos Neto (7,3 milhões) e o do amigo Bruno Correa (2,5 milhões). Isso para não falar das redes sociais — que viraram fonte de renda — de membros do que ele chama de Família Neto, incluindo aí a namorada, Bruna Gomes. O youtuber tem investimentos de outra ordem, como uma rede de lojas que vendem coxinhas e o patrocínio do clube de futebol Botafogo, e também criou uma produtora para atuar na área digital, a Take4, na qual o irmão entrou como sócio. “É instigante trabalhar com meios de comunicação ainda em formação, cujas condutas éticas estão sendo definidas pela audiência, pelos criadores de conteúdo, pelo Google (dono do YouTube) e pelos anunciantes”, diz o jornalista carioca João Pedro Paes Leme, outro dos sócios, que deixou uma carreira de cerca de vinte anos como diretor na Rede Globo para apostar nos youtubers.

    Há alguns meses, Felipe Neto passou a gravar a maioria de seus vídeos em sua casa, na Barra da Tijuca, para a qual se mudou no ano passado e onde vive com o irmão Luccas, de 26 anos, e um amigo. A residência conta com um amplo escritório, que o dono compartilha com os funcionários mais próximos; dois ambientes nos quais o youtuber guarda itens usados nas gravações; uma sala onde às vezes se acomodam outros empregados (no total, ele tem uns setenta); e um cinema. Caseiro por natureza, ele quase não sai de lá, também em razão do assédio fervoroso dos fãs. Já aconteceu até de grupos se reunirem em frente à sua porta, mas ele nunca os atende. “No máximo, vou ver um filme num shopping, mas em sessões da madrugada, e jogo futebol toda semana”, revela. Recentemente, aprendeu a dirigir e comprou seu primeiro carro, uma BMW X6, que custa em torno de 400 000 reais.

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    Em um dia típico, Felipe Neto acorda por volta do meio-dia, toma um café, almoça mais ou menos às 13 horas e começa a trabalhar às 14 horas. Reuniões, eventos e afins são marcados sempre no período da tarde, enquanto as gravações de vídeos usualmente se dão no fim do dia, à noite ou de madrugada. Depois do trabalho, que acaba lá pelas 22 horas, ele se dedica ao lazer, que em geral se traduz em ficar com a namorada, ou, sozinho, assistir a séries de TV — entre as favoritas, cita Black Mirror, da Netflix — em seu cinema particular. Um hábito diário é a leitura. Lê por uma hora, antes de dormir (em seu criado-mudo podiam-se ver Origem, de Dan Brown, e It — A Coisa, de Stephen King). Em sua intimidade domiciliar, não se flagra a maneira como suas mensagens entram na cabeça da legião de aficionados. É nos shows que isso salta aos olhos.

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    (Arte/VEJA)

    Nos dias 27 e 28 de janeiro, o youtuber fez três apresentações lotadas, uma em Brasília e duas em Vila Velha. Felipe costuma chegar às cidades onde fará show a bordo de um jatinho que aluga para a turnê, escoltado por guarda-costas e acompanhado de um verdadeiro entourage. No desembarque em Brasília, havia crianças esperando por ele na pista de aterrissagem — o.k., eram parentes de um sujeito que trabalha no aeroporto, mas note-se até onde pode ir o assédio. Na hora de se registrar nos hotéis, dá um nome falso. Não é incomum, entretanto, que a informação vaze, e os fãs se desloquem para a porta do estabelecimento. Aconteceu em Vila Velha.

    Embora centrados, é claro, em crianças e pré-adolescentes, os shows do youtuber não perdem os pais de vista. Em dado momento, ele convida alguns para participar de um jogo popular de seu canal, o Casa, Mata ou Beija (quando sua audiência era um pouco mais madura, a coisa se chamava Casa, Mata ou Trepa). A brincadeira consiste em escolher, entre três celebridades, uma para casar, outra para matar e a terceira para beijar. Essa é a hora em que o astro aproveita para criticar desafetos, como o youtuber Felipe Castanhari, do canal Nostalgia (10 milhões de seguidores), com quem tem desavenças pessoais, e políticos com os quais não simpatiza, como o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ). “Você não vai matar o Bolsonaro? Como tem coragem de beijá-lo?”, pergunta a uma mãe em Brasília. “É que eu trabalho no Senado”, retruca ela, que, depois de certa pressão, muda de ideia e decide “matar” o pré-candidato ao Planalto. Ufa!

    Atento à inquietação da garotada, o youtuber abre espaço em suas apresentações para pausas dedicadas a transmitir mensagens que julga apropriadas. Em uma das cenas, por exemplo, brinca com o colega Bruno Correa, perguntando a ele quais são os critérios para a escolha de uma namorada. Bruno, um tanto acima do peso, responde: “Ela cozinhar lasanha”. A plateia ri, mas Felipe faz o breque na sequência de piadas e manda seu recado: “Vocês vão ouvir muito por aí: ‘Essa moça não serve para casar’. Isso se apoia em séculos de conceitos criados por nós, homens, a respeito de como uma mulher deveria se comportar. Mas homem não tem de definir isso. Não existe essa coisa de gente certa ou errada. Só existe gente”. Nos shows presenciados por VEJA, Felipe Neto ainda antecipou que publicaria um vídeo com a drag queen Pabllo Vittar, no qual Bruno a beija. Em Brasília, a audiência o aplaudiu, em harmonia. Em Vila Velha, uma boa parcela dos pais fez cara feia.

    Felipe Neto sabe que não é unanimidade, mas não parece se incomodar com isso. “Há, primeiro, muito preconceito contra quem escolhe fazer entretenimento infantojuvenil. Além disso, todos os que conquistam muito sucesso, como eu, acabam por ser alvo de raiva e críticas. Nada disso me impede de continuar.” É como se dissesse que, depois de tantas mudanças de rota em sua carreira, a exemplo do que ocorre com outros youtubers (leia o quadro ao lado), nenhum rebuliço vai impedi-lo de fazer o seu pasito. E do jeito que quiser. A propósito: ele produziu um vídeo sobre depressão, sério e profissional, que já conta com quase 8 milhões de visualizações. O cara acerta todas.

    Publicado em VEJA de 21 de fevereiro de 2018, edição nº 2570

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