Derrota histórica
A condenação de Lula é o mais significativo capítulo da desgraça político-policial que o Brasil vive, mas é também evidência de maturidade institucional
Logo no INÍCIO do julgamento, o procurador Maurício Gerum pronunciou uma frase melancólica, ao narrar as obscuras transações do ex-presidente Lula em torno do tríplex do Guarujá: “Lamentavelmente, Lula se corrompeu”. Em seguida, o relator do caso, desembargador João Pedro Gebran Filho, começou a ler seu extenso voto e, três horas e meia depois, disse o seguinte: “Infelizmente, e repita-se infelizmente, está sendo condenado um ex-presidente da República”. Os advérbios de pesar — lamentavelmente, infelizmente — podem ser autênticos ou retóricos, mas o fato é que encerram um sentimento nacional: seria um bálsamo se uma nação inteira não tivesse de passar por tudo o que o Brasil tem passado — coroado agora com a condenação de um líder político que teve trajetória excepcional mas mentiu, dissimulou e corrompeu-se miseravelmente.
Na primeira eleição de Lula, em 2002, VEJA publicou uma reportagem de capa em que celebrava o seu “triunfo histórico” nas urnas e trazia uma fotografia em que ele segurava uma bandeira brasileira. Agora, sua imagem atualizada, trabalhada em computador, é como a que aparece na página ao lado: um Lula condenado já em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, segurando uma bandeira tão enxovalhada quanto sua biografia.
O desfecho é desolador à luz do discurso político de Lula, que chegou ao Palácio do Planalto dizendo que não tinha “o direito de errar”. Afirmava que, se errasse, nunca mais um presidente de origem popular chegaria ao comando do país. Talvez sua previsão esteja inteiramente equivocada, e logo outro nome de extração humilde chegue ao Palácio do Planalto, mas é certo que Lula fez uso abusivo do direito que dizia não ter. Quem se deu ao trabalho de acompanhar seu julgamento na quarta-feira 24 não sai com dúvidas sobre a naturalidade constrangedora com que o ex-presidente se lambuzou na mais desbragada promiscuidade do mundo político com o mundo dos negócios.
Há, no entanto, um aspecto altamente animador nessa desgraça político-policial: é a farta evidência de que as investigações da Lava-Jato, apesar de suas eventuais falhas e inconsistências, atingiram um plano de excelência com o qual o país não estava habituado — e a Justiça, de modo geral, vem cumprindo seu papel com o rigor que se espera. Em torno de tudo isso, gira um carrossel promissor: o Estado democrático de direito no Brasil, essa construção relativamente recente, talvez seja mais forte e mais sólido do que os críticos fazem supor. Se as crises são o momento em que um sistema mostra sua resiliência, pode-se dizer que o Brasil está entrando em sua maturidade institucional. Enfim, a lei parece que começa a valer para todos.
Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2018, edição nº 2567