Todo ano, em maio, as escadarias do vetusto Metropolitan Museum de Nova York, Met para os íntimos, viram palco de um fervilhante desfile de moda. A intenção é meritória: celebridades de alto calibre participam de um jantar beneficente — 30 000 dólares um lugar sentado, 275 000 dólares uma mesa — cuja renda vai para a manutenção do instituto de moda do museu. A festa é temática, inspirada no título dado à luxuosa exposição de roupas e acessórios inaugurada naquela mesma noite. Instigados pela fantasia e livres das amarras dos tapetes vermelhos “comportados”, como o do Oscar, famosos e estilistas sempre se esbaldam na noite de gala do Met. Desta vez, eles se superaram. “Corpos celestiais: moda e a imaginação católica” — com um tema assim, quem resistiria a um pecadilho, ou vários, beirando o sacrilégio?
A cantora Rihanna, uma das anfitriãs da festa, não resistiu, é claro, e encimou seu minivestido e, digamos, manto com uma cintilante reprodução da mitra papal. O bordado do conjunto, produção da Maison Margiela assinada por John Galliano, exigiu paciência de Jó: levou 500 horas para ficar pronto. Cruzes se multiplicaram nos longos da noite, como as duas aplicadas ao justíssimo Versace dourado de Kim Kardashian e a que cobria o torso do modelo Balmain de Jennifer Lopez. A atriz Blake Lively, divinamente elegante em um Versace vermelho vivo quase da cor púrpura dos cardeais, exibia na cabeça uma delicada coroa… de espinhos. Gisele Bündchen também foi de Versace, só que totalmente laico e, sendo ela quem é, ecológico na tintura e na trama do tecido.
Delírios de várias naturezas ganharam forma no Met. A cantora Katy Perry incorporou um anjo de asas enormes. A diretora de cinema Greta Gerwig foi vestida de freira. Um véu escondia o rosto da modelo Cara Delevingne (enquanto transparências deixavam o resto à mostra). Toda de metal, a armadura “muito pesada” de Olivia Munn homenageou as Cruzadas. Sarah Jessica Parker suportou na cabeça um presépio, especialmente simbólico “porque Dolce&Gabbana são católicos praticantes”.
A iconografia religiosa exibida no corpo das celebridades — aliás, em geral mais coberto do que de costume — atiçou uma fogueira de críticas e revolta nas redes sociais. Digam o que disserem, porém, Corpos Celestiais, a exposição, tem a bênção do Vaticano. Do acervo da Capela Sistina vieram 42 peças, entre objetos e vestimentas expostos no Met (em uma sala separada). “É importante desenvolver ideias que reflitam os interesses contemporâneos. Elas precisam tocar em um nervo ou manifestar sinergia com a consciência coletiva”, explicou o curador da mostra, Andrew Bolton. Amém.
Publicado em VEJA de 16 de maio de 2018, edição nº 2582